Jornal Estado de Minas

OAB/MG afirma que homem autuado por injúria racial em Confins não é advogado


A Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Minas Gerais divulgou nota ao jornal Estado de Minas afirmando que Genesco Alves Silva, autuado ontem por injúria racial contra uma funcionária da Azul Linhas Aéreas, no Aeroporto de Confins, não é e nem nunca foi advogado. De acordo com a OAB/MG, o homem de 55 anos atuou apenas como estagiário e está com o registro cancelado.



Genesco foi preso nessa sexta-feira sob acusação de injúria racial contra uma funcionária negra da Azul Linhas Aéreas, no Aeroporto de Confins, mas já está em liberdade. Menos de 24 horas depois de ser autuado em flagrante e detido, o homem que cursa medicina na Bolívia pagou fiança de R$ 3 mil à Polícia Civil e foi liberado da Delegacia de Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Segundo a Polícia Civil, a investigação do caso continua em andamento. A liberação foi possível porque ele foi enquadrado por injúria racial e não por racismo, que é crime inafiançável. No primeiro caso, a dignidade da pessoa é ofendida com o uso de elementos raciais. Já o crime de racismo envolve ações por conta do preconceito racial, como negar inscrição de um aluno em um estabelecimento de ensino ou se recusar a atender cliente por causa da cor da pele.


O caso

O episódio foi por volta das 7h30 da manhã, durante o check-in no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, com a funcionária Aline Tatiane Campos, da Azul Linhas Aéreas, de 35 anos. Em depoimento prestado na sexta-feira, a funcionária disse que Genesco a provocou com os dizeres: “Você prefere uma maçã? Não, né? Banana mesmo...”.


O homem chegou a embarcar no voo para Corumbá (MS), mas foi obrigado a descer do avião. No plantão da Delegacia de Vespasiano, a fiança foi arbitrada em R$ 3 mil. Genesco negou que sua atitude divesse conotação racial e disse que deu banana à funcionária como fruta qualquer.

De acordo com os levantamentos policiais, por volta das 7h30 Genesco chegou ao terminal para embarcar no voo da companhia rumo ao Mato Grosso do Sul. Porém, um problema no despacho de sua bagagem o teria irritado e motivado o ato em relação à atendente.

“Ele chegou ao atendimento com muito sarcasmo e eu tentei tratá-lo da melhor forma possível. Só que ele continuou com sarcasmo e ironia, principalmente na hora que a gente foi fazer uma tratativa relativa a cobrança de bagagem”, disse a atendente.


Segundo ela, um problema no sistema de cadastro da companhia não permitiu, inicialmente, verificar que o passageiro era um “cliente vip”, que não precisaria pagar pelo despacho da bagagem. A atendente afirmou que o problema foi solucionado. “Devido a isso, não sei se ele sentiu-se ofendido. Acredito que não, pois retratamos, informando que ele é um cliente vip. Despachei então a bagagem dele, fiz o atendimento completo”, relatou Aline Campos.

Problema no cadastro

A funcionária conta que, mesmo tendo a situação resolvida, o passageiro retornou ao balcão, quando teria ocorrido a agressão de cunho racial. “Ele retornou, falando comigo que eu tinha esquecido alguma coisa. Informei a ele que não tinha esquecido nada. Foi nesse momento que ele tirou a banana da sacola e me entregou. E usou de mais sarcasmo falando: ‘Você prefere uma maçã? Não, né? Banana mesmo...’. Fiquei em choque e ele foi para o saguão. Embarcou”, afirmou a atendente da Azul.

A funcionária informou seu gerente sobre o ocorrido e agentes da Polícia Federal foram acionados. Genesco Silva já estava no interior da aeronave quando o comandante solicitou pelo serviço de som que se dirigisse ao portão de embarque, onde dois agentes o aguardavam. O caso foi encaminhado à Polícia Civil, por ter ocorrido fora de área de atuação da PF.


Em entrevista à TV Globo, o homem confirmou a entrega da fruta, mas negou cunho racial em seu ato. “Não consigo ver isso em relação à cor da pessoa. Foi oferecido como uma fruta, não só banana, maça e biscoito”, justificou o passageiro, que argumentou que o foi solidário à funcionária, que iniciou jornada de trabalho às 4h.

“Esse é meu jeito. Não vou mudar”, disse. Em depoimento no plantão da delegacia, ele negou a ofensa e reafirmou que teria oferecido a fruta à agente de aeroporto por pensar que ela ainda não tivesse tomado café da manhã.

Em nota, a Azul Linhas Aéreas informou que está prestando assistência à sua funcionária e que não comentaria o caso, para não atrapalhar o inquérito policial.

Ofensas em números

Apesar de ainda serem altos, os números de ocorrências de injúria racial vêm caindo em Minas. Nos cinco primeiros meses deste ano foram 70 denúncias, segundo dados do Observatório de Segurança Pública Cidadã da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), com base nos boletins de Registro de Eventos de Defesa Social (Reds). A média é de quase um crime de injúria a cada dois dias. Em 2015 foram 335 casos, e em 2016, 315, cerca de um registro diário.


Para a coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afrobrasileira (Cenarab), Makota Célia Gonçalves, a queda do número de ocorrências do tipo não indica redução das agressões de cunho racial. “O racismo tem uma tendência de crueldade, pois a vítima é algoz de si mesma. Isso a faz pensar 10 vezes antes de denunciar. Há uma legislação maravilhosa, mas que precisa ser ampliada no ato da punição”, destacou.

O que diz a lei

» Injúria racial está prevista no artigo 40 do Código Penal (Decreto-lei 2.848/1940), quando alguém tem sua dignidade ou decoro ofendidos. Se a injúria consiste no uso de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, a pena é de reclusão de um a três anos e multa.

» Racismo é previsto na Lei 7.716/89 (Lei do Racismo), que define e pune os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, etnia, religião ou nacionalidade, com penas de até cinco anos de reclusão. Um conjunto de ações pode ser considerada como racismo, como negar inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado com base em sua raça, ou mesmo negar a uma pessoa habilitada o acesso a cargo público pelo mesmo motivo. Se encaixa na definição de crime também atitudes como se recusar a servir, atender ou receber cliente em qualquer estabelecimento comercial, como restaurantes, bares, confeitarias ou locais semelhantes abertos ao público, pelos mesmos motivos.