O corte e a retenção de verbas atingem não apenas obras e o dia a dia das instituições públicas de ensino superior em Minas e no Brasil, mas tocam também em questões essenciais para a existência de uma universidade e da manutenção de seus alunos. Pesquisa e assistência estudantil estão na berlinda pela falta de dinheiro. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reconhecida nacional e internacionalmente pela investigação científica, manter essas ações e estudantes que ingressaram amparados pelo benefício das cotas é uma política que está na corda bamba.
Em um cenário de implantação de 100% da Lei de Cotas, por meio das quais 50% do total de vagas da universidade é destinado a alunos originários de escola pública, com o critério de renda pesando na seleção de parte deles, nem a verba de assistência estudantil escapou dos cortes. Este ano, a perda foi de R$ 1 milhão. “A demanda tem aumentado e é um compromisso da instituição prover assistência aos alunos que ingressam e têm necessidades para permanecer”, explica o reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramírez. Mas o cenário para 2018 ainda é nebuloso e a Reitoria não descarta ter que diminuir bolsas.
Segundo Ramírez, a universidade tem buscado recursos ou tentado complementar a verba para assistência com recursos que recebe para custeio (verbas para a manutenção e o dia a dia das instituições), mas esse exercício tem sido insuficiente diante dos cortes e contingenciamentos, e implica deixar de fazer investimentos em outras áreas. “Vamos ter que fazer uma análise no fim do ano para definir as estratégias”, afirma o reitor. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) também não liberou editais para pesquisa nem infraestrutura das universidades. “Os efeitos em relação à não liberação de recursos para pesquisa demoram um pouco para ser sentidos, porque os resultados que hoje estão sendo mostrados começaram a ser trabalhados há dois, três, cinco anos. Mas o que está sendo feito hoje corre o risco de não ser concluído”, ressalta. O resultado é dramático: queda do ponto de vista da qualidade e da quantidade.
Na Universidade Federal de Juiz de Fora, na Zona da Mata, a situação também é preocupante. A pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa, Mônica Ribeiro de Oliveira, lembra que, anualmente, eram abertos editais dos quais a UFJF participava, geralmente, com seis ou oito projetos, desde 2009, com alto índice de aprovação. “Importantes laboratórios foram criados nesse contexto. Em 2009, recebemos R$ 3,9 milhões e, em 2012, foram R$ 9,36 milhões. Mas dos projetos que foram aceitos pela Finep em 2015, recebemos a informação no início deste ano de que só receberemos 50% do recurso aprovado, que é um corte altíssimo. O impacto negativo é incalculável para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no Brasil”, afirma.
BOLSAS A ameaça às pesquisas vem de cima. No fim da semana passada, o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Mario Neto Borges, confirmou durante reunião do Conselho Nacional de Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti), em Brasília, que as finanças da autarquia também estão comprometidas. Por causa do contingenciamento de verbas, só há dinheiro para pagar as bolsas até este mês, com crédito em setembro. O CNPq financia estudos e pesquisas de milhares de bolsistas brasileiros. Somente na UFMG, são 3.469 bolsas.
Borges informou que o orçamento para 2017 aprovado pelo Congresso e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico previstos para este ano eram suficientes para as despesas. O orçamento previa R$ 1,3 bilhão e o fundo, R$ 400 milhões à autarquia, mas 44% desses valores foram contingenciados. Do fundo, o CNPq recebeu menos do que 56%: até o momento, o valor pago foi R$ 62 milhões. A autarquia precisa de R$ 505 milhões para fechar as contas.
Na quarta-feira, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, se reuniu com o presidente do CNPq para discutir recursos para o pagamento das bolsas de pesquisa. Kassab afirmou que trabalha pela liberação de verbas e o representante do conselho se disse confiante em uma saída, mas não foi apontada solução definitiva para a crise.
“Diferentemente de obras, que têm um custo associado para a retomada, a interrupção de uma pesquisa é uma perda incalculável, porque muitas vezes não se tem como retomar”, diz. “O impacto é devastador, é deletério a curto, médio e longo prazo”, afirma o reitor da UFMG.