Jornal Estado de Minas

Aumento de apreensões de armas revela poder de fogo do crime em Minas

Pistolas, submetralhadoras, revólveres, fuzis, armas de fogo de fabricação artesanal e até mesmo imitações circulam cada vez mais no submundo do crime em Minas Gerais, o que se reflete em grande número de apreensões pelas forças de segurança pública no estado. Depois de registrar um período de queda até 2013, os flagrantes de armamento em poder de criminosos voltaram a crescer. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que pode ser considerada a mais “quente” em termos de criminalidade no estado e concentra um quarto de todas as ocorrências do tipo, o aumento foi de quase 10% entre 2014 e 2016, e de quase 12% até 2017, considerados os cinco primeiros meses no período de quatro anos (veja quadro).



Apesar de os números indicarem maior intensidade no desarmamento de criminosos, autoridades em segurança pública reconhecem que a circulação de armamento ilegal em Minas é um desafio a ser vencido. Mesmo porque, considerado todo o estado, o número de apreensões experimentou discreta queda de janeiro a maio deste ano. O movimento interrompe uma tendência de alta de recolhimento de armas que vinha sendo registrada entre 2014 e 2016, intervalo em que os flagrantes subiram 7,7%.

Apesar do aspecto positivo revelado pelo volume de armas retirado de circulação, especialistas em segurança pública alertam para uma realidade importante por trás dos números. Coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, Robson Sávio dos Reis reconhece que nos últimos três anos houve maior ação articulada das forças policiais para combate à criminalidade, especialmente aos crimes contra o patrimônio e homicídios, que seguiam tendência crescente. “Foram ações com estratégia mais focada, que resultaram em maior apreensão de armamento”, avalia. Mas ele alerta: “Essas apreensões representam apenas a ponta do iceberg, porque há um verdadeiro arsenal nas mãos das pessoas em todo o país. E, em Minas, a situação não é diferente”, diz. Ele afirma que há pesquisas que projetam 18 milhões de armas nas mãos de brasileiros, sem nenhum tipo de controle. Outro dado importante é que 85% dos homicídios ocorrem com uso de arma de fogo, segundo Robson Sávio.
(foto: Arte/EM)


MODERNIZAÇÃO Em ações policiais que resultam em apreensões, outro aspecto tem sido observado pelas forças policiais: diferentemente do passado, em que revólveres eram maioria, os artefatos recolhidos atualmente são cada vez mais modernos e com maior poder de fogo, por serem semiautomáticos ou automáticos. A lista inclui pistolas, metralhadoras, submetralhadoras e, em alguns casos, fuzis, que entram no estado de forma clandestina, desafiando as forças policiais. “Apesar de ainda ter revólver 38 e garruchas em circulação e sendo apreendidos – especialmente nos crimes considerados ‘pequenos’ –, os infratores têm dado preferência às armas semiautomáticas e, embora em menor quantidade, às automáticas e também aos adaptadores, que aumentam o poder de fogo do armamento”, afirma o chefe da Sala de Imprensa da Polícia Militar, major Flávio Santiago.

Como porta de entrada no estado, as quadrilhas contam com a extensa malha viária mineira, a maior do país. De acordo com o delegado da Polícia Civil Rafael de Souza Horácio, “as armas de fabricação industrial chegam a Minas especialmente por rotas rodoviárias, vindas de países, principalmente da América Latina, que vendem armamento de forma indiscriminada”. E, se chegam, segundo ele, “é porque tem alguém que compra, geralmente para alimentar o tráfico de drogas e crimes contra o patrimônio, praticados por grupos organizados”, afirma.



Tamanha circulação de armas ilegais torna-se, um aspecto desafiador para a segurança pública, como admitem as polícias Militar e Civil. O major Flávio Santiago chama a atenção para que o cidadão entenda a importância das abordagens, como ocorre nas blitzes, como forma de controle do porte ilegal de armamento. “Essas operações não são apenas para checagem de documentos, mas para um bem maior, que é o controle da criminalidade”, explica. Ele lembra ainda a importância do disque-denúncia (número 181) para recebimento de informações anônimas que contribuam para retirada do arsenal ilegal das ruas.

O porta-voz da Polícia Militar sustenta que o aumento na apreensão de armas em Minas é proporcional à queda de indicadores criminais no estado. Ele reitera que a maior parte dos homicídios ocorre com uso de armas de fogo, crime que nos últimos anos tem registrado queda. “Não estamos apreendendo arma de colecionador, mas sim de pessoas que cometeriam outros crimes, como assassinatos”, afirma. O reforço nas apreensões, afirma, é resultado de um esforço direcionado da PM em operações especializadas, no policiamento rotineiro, no geoprocessamento, no serviço de inteligência, na abordagem e no enfrentamento direto à criminalidade.

O delegado Rafael de Souza Horácio destaca também a redução do número de crimes contra o patrimônio, especialmente os roubos. Na Região Central de BH, a queda foi de 9,06% no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, afirma. E atingiu recuos de até 33,99%, na Região Sul da cidade. “Os crimes com armas são aqueles praticados com violência ou grave ameaça, como os roubos. Então, o aumento da apreensão dessas armas influi na redução desses crimes”, afirma. Para ele, o maior volume de apreensões não significa que haja mais armas em circulação, mas maior efetividade do trabalho integrado das polícias Civil e Militar.



MOTIVAÇÃO FUTIL Já o especialista Robson Sávio, também integrante do Fórum Nacional de Segurança Pública, chama a atenção para outro problema que vai além das armas em poder de criminosos. “Há um grande número de pessoas que têm arma em casa e comentem crimes por motivação fútil”, disse. Estudos mostram, segundo ele, que 40% dos homicídios ocorrem dessa forma, em situações como brigas de trânsito, discussões entre marido e mulher ou entre vizinhos.

ENQUANTO ISSO... Reflexos nos  leitos do SUS

Dados do Ministério da Saúde expressam o perigo e a alta letalidade das armas de fogo no país. No ano passado, em todo o Brasil foram 24.900 internações relacionadas a ferimentos a bala no Sistema Único de Saúde (SUS), número 5% maior que em 2015, quando houve 23.740 internações desse tipo. Neste ano, de janeiro a maio, 10.691 baleados deram entrada em unidades do SUS. Em Minas Gerais, foram registrados 2.493 internações por esse motivo em 2015 no serviço público. Em 2016, foram 2.645 e 1.071 em 2017, até maio. Em relação às mortes provocadas por tiros, em 2015 foram registrados 41.817 óbitos no país e, em 2014, 42.765. Em Minas foram 3.214 em 2015, número menor que as 3.377 do ano anterior.

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