Adiamento de prazos, recursos na Justiça às centenas e determinações atendidas apenas em parte mostram que a suspensão do processo criminal que apura a responsabilidade sobre as mortes resultantes do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, não é o único motivo de decepção para quem espera respostas para a maior tragédia socioambiental da história do país, provocada pela Mineradora Samarco. O último jato de água fria para quem aguarda punições para o desastre ocorreu na segunda-feira, quando a Justiça Federal em Ponte Nova, na Zona da Mata, suspendeu a ação penal para análise de alegação da defesa do presidente licenciado da mineradora, Ricardo Vescovi, sobre suposto uso de prova ilícita no processo. A decisão se soma à morosa tramitação de uma lista de ações judiciais e administrativas (veja quadro). Mais que isso, mostra que, após quase dois anos, a Justiça tão esperada por moradores ao longo da Bacia do Rio Doce e defensores do meio ambiente está longe ser alcançada.
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Na avaliação de Guilherme Meneghin, o andamento processual é lento. No caso das ações ajuizadas por ele, por exemplo, o promotor explica que ficaram “paradas”, sem movimentação processual, por seis meses. “Nessas ações, são dois os fatores que atrasam ainda mais uma solução para as vítimas. O primeiro ocorreu por causa de uma manobra da Samarco em encaminhar as ações à Justiça Federal. Fiquei impedido de atuar no caso e só depois de um parecer conjunto do MP em níveis federal e estadual é que os processos retornaram para Mariana”, afirmou, lembrando que há comarcas que ainda não conseguiram resgatar seus processos. O segundo problema é o que o promotor chama de “resistência injustificada”.
O representante do MP destaca que o resultado dessa lenta tramitação tem sido prejuízo para as vítimas da tragédia. “A situação é terrível. São famílias inteiras aguardando por uma resposta para diversas demandas. Elas continuam sendo enroladas e a todo o tempo têm que acionar o MP para requerer seus direitos. É um trabalho extenuante. São mais de mil pessoas dependendo de processos ajuizados somente por mim. Sinto, pessoalmente, o sofrimento dessas pessoas”, lamenta. De acordo com o promotor, tamanha “delonga processual tem causado mais problemas às vítimas, com impactos inclusive psicológicos”.
A presidente de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, Cíntia Ribeiro de Freitas, também faz críticas à situação.
Presidente da Subseção da OAB em Governador Valadares, na Região Leste, o advogado Elias Souto também se mostra preocupado com a situação. Ele explica que há, além das ações coletivas, cerca de 70 mil individuais em Minas, das quais 55 mil na comarca de Governador Valadares. “São vários tipos.
Em tramitação
Conheça alguns dos processos movidos pelo Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra a Samarco e suas controladoras após a tragédia em Mariana, em 5 de novembro de 2015. Ao todo são 16 ações coletivas, sendo 14 cíveis e duas criminais. Há pedidos de indenização, cumprimento de ações emergenciais, pagamento de compensações de gastos, entre outros
Ações penais
» Processo criminal movido pelo MPF contra funcionários e diretores da Samarco e suas controladoras (Vale e BHP Billiton) e contra a empresa VogBR
Andamento: Suspenso, na segunda-feira, pela Justiça Federal em Ponte Nova, na Zona da Mata, para análise da alegação da defesa de Ricardo Vescovi (presidente licenciado da Samarco) sobre suposto uso de prova ilícita
» Processo ajuizado pelo MPMG por danos ambientais devido à construção de diques
Andamento: Em fase de instrução; ainda sem julgamento
Ações cíveis
» Ação do MPF, ajuizada em 2016, pedindo que a empresa recupere todos os danos socioambientais e socioeconômicos na Bacia do Rio Doce. O valor na época era de R$ 155 milhões
Andamento: Suspensa até 30 de outubro, para tratativas de acordo entre a empresa e o MPF
» Ação ajuizada pelo MPMG pedindo que a Samarco e o município de Mariana regulamentem o acesso ao subdistrito de Bento Rodrigues, o mais atingido pelo rompimento da Barragem
de Fundão
Andamento: Audiência de conciliação marcada para o próximo dia 23
» Ação civil pedindo reparação integral por meio de ações emergenciais, indenizações e reassentamentos
Andamento: Atendida em parte. Restam casos de auxílio financeiro emergencial
em análise e ainda não houve o reassentamento definitivo nas novas comunidades
» Ação ajuizada pelo MPE pedindo o pagamento de vale-transporte aos professores que trabalhavam em
Bento Rodrigues
Andamento: Resolvida. A empresa assumiu o ônus
» Ação do MPMG pedindo o pagamento de contas de luz para os moradores das comunidades atingidas
Andamento: Foi homologado acordo e encerrado o processo
» Ação cautelar para bloqueio de R$ 300 milhões, em bens da empresa, ajuizada pelo MPMG contra a Samarco. O objetivo é assegurar futuras indenizações e reconstrução das comunidades
Andamento: O dinheiro continua bloqueado. Está em tramitação, à espera de julgamento final
Multas ambientais
Secretaria de Estado de Meio Ambiente
» A Semad aplicou 38 multas à Samarco, que somam mais de R$ 200 milhões
Andamento: A maior – pelo rompimento da barragem e chamada de “multão” – soma mais de R$ 127 milhões e foi confirmada em última instância pela Câmara Normativa Recursal do Copam, em 19 de outubro do ano passado.
R$ 6,37 milhões.
Ibama
» Desde novembro de 2015, o Ibama aplicou 24 multas à Samarco, que somam R$ 345,5 milhões. A mais recente foi em fevereiro deste ano.
Andamento: Nenhuma multa foi paga até hoje, pois a empresa recorreu de todas. Dos 24 autos, 22 estão em fase de análise administrativa no órgão e dois em segunda instância. Caso os recursos sejam negados, a Samarco ainda pode recorrer
à Justiça.
Fontes: Tribunal de Justiça de Minas Gerais, MPMG, MPF, Prefeitura de Mariana, Ordem dos Advogados do Brasil, Semad e Ibama
Samarco diz ter compromisso com reparação
Em nota, a direção da Samarco reafirmou o compromisso de cumprir todos os programas de reparação, mitigação e compensação assumidos no Termo de Transação de Ajustamento de Conduta firmado em março de 2016 com os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo, no âmbito de uma ação cível. Em 2016, a mineradora informou ter aplicado R$ 2 bilhões em ações de reparação e compensação. Outros investimentos, sustenta a empresa, continuam sendo feitos pela Fundação Renova, entidade criada em agosto de 2016 para lidar com os desdobramentos da catástrofe.
Em relação às multas, a Samarco argumenta que há aspectos técnicos e jurídicos nas decisões que precisam ser reavaliados. A empresa sustenta que tem respondido a todas as interpelações do órgão ambiental, mas aguarda as decisões administrativas e jurídicas das defesas já apresentadas.
A Samarco informa que não tem o levantamento de ações ajuizadas na Justiça contra ela, nem o total de multas aplicadas pelos órgãos ambientais. A mineradora BHP informou que não comentaria o assunto. O EM tentou contatos com a Vale, mas não obteve retorno.
Segundo a direção da Fundação Renova, a perspectiva para os três primeiros anos de atuação é de R$ 4,4 bilhões para a execução de 42 programas e mais R$ 500 milhões para ações de saneamento em municípios atingidos. No total, informa, estão previstos investimentos de R$ 11,1 bilhões até 2030. Até julho de 2017, cerca de 200 mil pessoas, segundo a Renova, foram atendidas nos programas de auxílio financeiro, indenização e antecipação. Destas, cerca de 90 mil receberam o recurso.
Pela contabilidade da entidade, os valores pagos em indenizações chegam a aproximadamente R$ 430 milhões. Os pagamentos relativos a cartões emergenciais tiveram início em dezembro de 2015. E as indenizações por dano de água começaram a ser pagas em janeiro de 2017.
A Renova foi criada a partir do Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta assinado entre a Samarco, Vale BHP e diversos órgãos da administração pública nos níveis federal e estadual. Os recursos são provenientes das controladoras da Samarco. Mensalmente, as empresas fazem depósitos na conta da fundação.