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Nos 280 anos de Aleijadinho, Ouro Preto ganha igreja onde mestre foi sepultadoBusto-relicário esculpido por Aleijadinho volta ao acervo de Minas GeraisExposição exibe recibos raros em comemoração aos 280 anos do nascimento de AleijadinhoCampanha quer arrecadar dinheiro para reforma do Mosteiro de MacaúbasSesc volta atrás e autoriza menina de 10 anos a jogar torneio de futebol em time de meninosInstituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais completa 110 anosNa semana passada, Ivo subiu mais uma vez a serra e contou, com entusiasmo, lucidez e memória impressionantes para nomes, números e datas, que o recém-concluído livro A Senhora da Piedade e a serra sacramenta o compromisso firmado com o reitor substituto de frei Rosário, o missionário italiano Virgílio Resi (1951-2002). “Conversava muito com ele sobre a ermida. Estou há mais de 20 anos nesta pesquisa e sempre me perguntei: se Aleijadinho fez a imagem de Nossa Senhora da Piedade, por que não o retábulo?”. Para suas indagações, teve o respaldo técnico dos trabalhos da professora Lygia Martins Costa, ex-funcionária do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e considerada pioneira da museologia brasileira, apoiada pelo arquiteto Lúcio Costa. Não foram encontrados documentos sobre a obra e nem mesmo sobre os registros confirmando a autoria da imagem da padroeira. A atribuição foi feita por estudiosos, entre eles o professor Edmundo Fontenelle, autor da publicação O Aleijadinho na Serra da Piedade (1970).
As marcas do “mestre do Barroco” estão em vários pontos do retábulo – é bom lembrar que essa palavra, para a maioria da população, tem o mesmo significado do altar que abriga a imagem.
Aleijadinho usou a mesma composição no retábulo do altar-mor da Capela de São José, em Ouro Preto, embora não tenha sido o escultor; da Igreja de São Francisco, de Ouro Preto; e das igrejas das fazendas da Jaguara, cuja obra está hoje na matriz de Nova Lima, na Grande BH, e Serra Negra, no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. “Essa tendência especial ocorria nas Minas Gerais graças ao genial Antonio Francisco Lisboa”, observa o especialista, lembrando que em 1977 a professora Lygia apresentou um trabalho em que mostrou que, ao atuar como arquiteto, Aleijadinho “concebe uma estrutura partindo do solo e projetando-se pelos pés-direitos até eclodir no coroamento’”.
COMPOSIÇÃO Autor dos livros Antonio Francisco Lisboa, lançado em 2014, ano de homenagens a Aleijadinho pelo bicentenário de sua morte, e Bens culturais da Igreja (2006), Ivo Porto de Menezes chama a atenção para um detalhe importante na pesquisa. Na organização do retábulo, o artista o dividiu em três partes horizontais (embasamento, corpo e coroamento), sendo que, nas colunas laterais, marcou bem a parte do corpo com ornamentos que lembram coroas. “Com isso, houve maior valorização do sacrário”, afirma.
No capítulo Ermida da Senhora da Piedade – Retábulo e imagem, o professor registrou que “a análise do retábulo nos mostra claramente a estrutura articulada, dinâmica e fluente” e que “a inovação estrutural dos retábulos setecentistas de Aleijadinho nasceu e morreu com ele”. E bate o martelo: “Somos levados a atribuir composição e execução ao mestre Antonio Francisco Lisboa pela presença desta estruturação arquitetônica e amarração de toda a composição, seja pela localização do sacrário, agora reorganizado e valorizado, seja pela integração do próprio altar na composição geral do retábulo.
RIQUEZA As conclusões do professor Ivo ganham aplausos. “O trabalho de pesquisa profunda e complexa, com indicações de que o mestre Aleijadinho é o autor do retábulo que acolhe a imagem de Nossa Senhora da Piedade, enriquece ainda mais a história tricentenária de fé e religiosidade de Minas. Um presente valioso para todo o povo mineiro, neste especial momento em que celebramos os 250 anos de peregrinação na fé ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade”, diz o arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo.
Autora de vários livros sobre o Barroco e o rococó, entre eles Arte sacra no Brasil colonial, a professora aposentada da UFMG Adalgisa Arantes Campos considera Ivo Porto de Menezes um grande estudioso, que aprecia muito a pesquisa arquivística, “o que é um grande diferencial”, e já esteve mergulhado em acervos documentais em Portugal. Por não se ater somente à bibliografia, o professor traz uma conclusão pertinente, “pois coteja a visualidade do retábulo com a pesquisa arquivística”.
Destacando a passagem de Ivo como diretor do Arquivo Público Mineiro, Adalgisa pondera: “Não estou falando que o retábulo é de Aleijadinho, mas é crível que seja.” E arremata citando a especialista em Barroco Myriam Andrade Ribeiro Oliveira, de que “na ausência do documento, predomina a análise visual”.
Autor do livro Aleijadinho revelado – Estudo histórico sobre Antonio Francisco Lisboa e integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda ressalta que a notícia da descoberta do professor Ivo chega em boa hora, nos 250 anos das peregrinações na Serra da Piedade e 280 anos do nascimento de Aleijadinho. “Ainda são muitas as lacunas e dúvidas sobre a produção artística do mestre, o que confere especial relevância a todos os estudos técnicos que possam contribuir para a descoberta da verdade histórica sobre o maior artista mineiro de todos os tempos”.
SAIBA MAIS
História nas alturas
A história do Santuário de Nossa Senhora da Piedade, padroeira de Minas, em Caeté, começa no século 18, com o relato de um milagre: a Virgem Maria teria aparecido para duas jovens no alto da Serra da Piedade. A partir desse dia, o fato se espalha rapidamente por toda a região e muita gente chega ao topo do maciço para rezar. O episódio toca o coração do português Antônio da Silva Bracarena, então na colônia para ganhar dinheiro. Mas ele se converte e decide dedicar sua vida à construção de uma capela no lugar onde ocorrera o milagre.
Marcas do mestre
Veja alguns traços de Aleijadinho no retábulo do altar-mor da ermida de Nossa Senhora da Piedade, na Serra da Piedade
1) As colunas laterais vão até o último degrau da escada que leva ao altar, o chamado supedâneo. Antes, iam até a mesa do altar
2) As colunas laterais são divididas e marcadas por um ornamento, como um coroamento
3) A organização do retábulo valoriza o sacrário (onde ficam as hóstias)
4) A organização proposta por Aleijadinho, que divide o retábulo em três partes horizontais, permite a colocação de dois nichos, nos quais estão hoje São José de Botas e Santa Bárbara.