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Vida que imita a arte: mobílias atravessam gerações e contam histórias de famíliaHistórias de mulheres que assumiram cabelos crespos viram livroRepórter do EM cruza Minas de Norte a Sul em bicicleta e relata históriasConheça a história de uma cidade planejada em pleno sertão de MinasSalão do livro tem obras para crianças e adolescentes a partir de R$ 5 em BHInstituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais completa 110 anosNa sala do apartamento, povoado de fotos do primeiro casamento com Marilene Bezerra Guerra, falecida há 12 anos, que gerou sete filhos, e do segundo, com a psicóloga Elizabeth, Agenor decidiu que o relato vai começar pela ascendência portuguesa, mais exatamente na localidade de Reigada, em Figueira do Castelo Rodrigo, fronteira com a Galícia, Espanha. “Meus olhos azuis vêm de lá”, confessa sorridente o filho dos portugueses Antonio Guerra e Júlia Nunes Guerra. O nome de Júlia é familiar aos belo-horizontinos – afinal, quem passa na Praça Sete, no Centro, na esquina das avenidas Afonso Pena e Amazonas, não fica sem ver o edifício denominado Dona Júlia Nunes Guerra.
A citação do prédio construído em 1983 é a senha para o advogado formado em 1953 na “Vetusta Casa de Afonso Pena”, como era chamada a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), recordar outras passagens memoráveis. Antes, no terreno nobre da Praça Sete, funcionaram lojas emblemáticas para várias gerações, como a Livraria Rex, a lanchonete Ted’s e a Bristol Calçados, de propriedade da família.
Na livraria, conta Agenor, ocorreu uma história vivida pelo pai, Antônio Guerra. Em 1936, quando BH tinha apenas 39 anos de fundação, o escritor Abílio Barreto (1883-1957) procurou o então governador Benedito Valadares (de 1933 a 1945) pedindo que ele publicasse, na Imprensa Oficial, seu livro sobre a história de Belo Horizonte. Ao ver o calhamaço, o governador disse “não”, acreditando que uma cidade com pouco tempo de fundação não tinha tanto para contar. “Meu pai resolveu bancar e falou que, em cinco meses, o livro ficaria pronto. E encaminhou os originais à gráfica Revista dos Tribunais, em São Paulo (SP).
MUNDO AFORA Agenor faz questão de voltar ao nome de Djalma Guimarães (1894-1973), o engenheiro civil, de minas e metalurgia, considerado um dos mais importantes especialistas na área e geocientistas do Brasil no século 20, que descobriu as jazidas de apatita (fosfato) e de pirocloro (nióbio) em Araxá, na Região do Alto Paranaíba. Na verdade, a riqueza mineral do Brasil é outra paixão do empresário. O avô da primeira mulher, o desembargador Tomaz Salustino, era dono da Mineração Brejuí, no Rio Grande do Norte, produtora de schellita, matéria-prima do tungstênio. Foi por meio do mineral que Agenor, cujo sonho era ser diplomata, conheceu o chinês K.C. Li (1887-1961), fundador da Wah Chang Corporation, nos Estados Unidos, e maioral do setor de tungstênio no mundo na época.
O contato o levou, em 1956, a Nova York, numa missão empresarial que durou 40 dias. Nesse compromisso, conheceu o então prefeito da cidade norte-americana Robert Wagner e o bispo e cardeal Francis Spellman, e visitou o Capitólio (prédio que serve como centro legislativo do governo dos Estados Unidos), em Washington. Mais um gole de vinho do Porto e Agenor retira de uma gaveta um pacote de recortes e retratos: numa foto, ele e a primeira mulher estão num jantar de gala no Waldorf Astoria, em NY.
“Não viajei muito pelo mundo, não. Quero, em breve, ir à minha fazenda Genezaré, na Serra da Formiga, em Caicó (RN).
OUTRA BH Dos roteiros internacionais, Agenor também não se esquece do encontro com o escritor mineiro Guimarães Rosa, em Frankfurt, na Alemanha. “Ele era médico, diplomata e um dândi, mas não lançou Grande sertão:veredas, no Brasil”, conta o homem que, pelas atitudes determinadas, ganhou o codinome de “Espalha-brasa”. Numa viagem pelo tempo, o empresário, que sobreviveu a três cânceres, tem uma válvula aórtica metálica e passou por tragédias familiares – “faço questão de agradecer ao cirurgião Carlos Smith Figueiroa, do Hospital Felício Rocho” – recorda-se de prédios que sumiram do mapa de BH e deixaram saudade: o hotel onde hoje está o edifício Maletta, o Bar do Ponto, na esquina da Afonso Pena com Rua da Bahia, a antiga sede do correio na Afonso Pena e o da Faculdade de Direito, no Centro.
Com os olhos azuis ainda mais brilhantes, Agenor mostra outro tempo da capital.
Afilhado do primeiro dono do Cine Brasil, Agenor Gomes Nogueira, de quem herdou o nome, o empresário acredita que a cidade se tornou vítima da planta do engenheiro chefe da comissão construtora, Aarão Reis (1853-1936), pois ficou com quarteirões pequenos em vez de avenidas largas. “Amo Belo Horizonte, vivo aqui 75 dos meus 88 anos. Gosto de andar nas ruas, conversar com as pessoas. Sou um homem festeiro”, afirma. A religião é outro ponto importante nesta trajetória de quem se declara católico praticante, devoto de Nossa Senhora de Fátima e se confessa com o monsenhor Hélio Angelo Raso.
Acompanhando pelos jornais e tevê o noticiário sobre a crise política, Agenor diz que desde a época de Getúlio Vargas o Brasil se encontra mergulhado num “mar de lama”. Mas há esperança.
Na despedida, terminada a entrevista, Agenor faz questão de presentear os repórteres com um cartão, no qual há um pensamento resumindo bem seu espírito: “O que cura a doença é a força vital que existe em todos nós”. A frase é retirada do livro Yamai ga Kieru, da filosofia seicho-no-ie, e lhe foi transmitida por uma das filhas..