Cerca de 400 pessoas de várias cidades de Minas e do Espírito Santo cortadas pelo Rio Doce, segundo organizadores, protestaram nesta segunda-feira, em Belo Horizonte, contra a decisão do Judiciário em suspender o processo criminal que tem como rés 22 pessoas, a Samarco, suas controladoras (Vale e BHP Billiton) e a VogBR, responsável pelo laudo da represa de Fundão. Os manifestantes gritaram palavras de ordem em frente a Justiça Federal, na Região Centro-Sul.
Novos protestos ocorrerão na terça e quarta-feira, quando os manifestantes retornam para casa. Em julho, o juiz Jacques de Queiroz Ferreira, de Ponte Nova, na Zona da Mata e responsável pela comarca de Mariana, onde a barragem estourou, em 5 de novembro de 2015, suspendeu o processo em atendimento a questionamentos dos advogados que representam o presidente licenciado da Samarco, Ricardo Vescovi, e o diretor de Operações da mineradora, Kleber Terra.
Os advogados pediram a anulação do processo com a alegação de provas ilícitas – sustentam a tese de que telefonemas fora do período autorizado pela Justiça foram usados na denúncia pelo Ministério Público, que refuta a acusação. O magistrado suspendeu o processo até que as operadoras de telefonia esclareçam o assunto. Na prática, o juiz adotou a medida para não correr o risco de o processo ser anulado.
Atingidos pela lama da Samarco – diretamente ou indiretamente – reclamam da decisão. Ontem, cerca de 400 chegaram a BH, num evento organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens. Eles levaram cruzes de madeira até o prédio da Justiça Federal, numa alusão aos 19 mortos pelo tsunami de lama e minério. “A gente luta de um lado e eles nos tiram de outro. Estamos perdidos e sem saber o que fazer”, lamentou Joana Darc, de 44 anos, ex-moradora de Bento Rodrigues, o primeiro povoado de Mariana devastado pela lama. Joana conta que a vida da família foi abalada pela tragédia: “As pessoas que moravam porta a porta comigo, hoje, estão distantes. Tudo mudou. Perdi meus animais, minha horta...”.
Ela mora numa casa alugada pela mineradora, mas faz questão de dizer que não é a mesma coisa: “A gente quer ter a nossa moradia. Queremos ter o nosso espaço. A Justiça não pode simplesmente suspender o processo”, reclamou a mulher enquanto observava outros manifestantes, em coro, gritando por justiça. “Eles sabiam que iam romper...”.
Água
Dona Iolanda Gomes, de 60, veio de Resplendor, no Leste de Minas, reclamar que até hoje não pode cultivar as plantações de cebola, taioba e outras verduras que garantiam a renda mensal. “Se eu irrigá-las com água do rio, as plantas não sobrevivem, Morrem. Para beber água, eu compro galão com líquido mineral. É um gasto a mais. Lá se vão quase dois anos... É um absurdo”.
Já José de Fátima Lemes, de 62, reclama da falta de peixes ao longo do Doce. Pescador há quatro décadas, ele sente falta da profissão. “Desde que a lama chegou à cidade, não pescamos mais. Algumas espécies, como o cascudo e o pacumã, sumiram daquele trecho. Eu conseguia cerca de R$ 3 mil mensais. Sabe quanto recebo de benefício da Samarco? Mês passado depositaram em minha conta R$ 1.340. Para sacar o dinheiro, como moro na área rural, preciso viajar mais de 50 quilômetros”.
Os manifestantes, acampados na Praça da Assembleia, prometem novos atos nesta terça-e quarta-feira. Procurada, a Samarco informou que não se manifestaria sobre o protesto nem sobre a decisão judicial.