Esse tipo de crime, que gera transtorno e prejuízo às transportadoras, tem sido mapeado no estado pelas empresas e pela polícia, o que, no entanto, ainda não resultou em seu controle. Com a maior malha viária do país, Minas concentra ocorrências, e as estradas que mais preocupam a Polícia Civil são as BRs 040, 381 e 262. As áreas de maior incidência de furtos e roubos de cargas estão em Belo Horizonte e Região Metropolitana, além do Triângulo Mineiro. “As rodovias do Triângulo interligam Minas com São Paulo e Goiás, o que torna o fluxo de mercadorias muito grande. Já a capital e as cidades metropolitanas sediam a maior parte dos centros de distribuição de produtos”, explica o delegado Marcus Vinícius Lobo, titular da 1ª Delegacia Especializada de Repressão a Organizações Criminosas (Deroc) do Departamento Estadual de Operações Especiais (Deoesp). O policial e outros quatro delegados do departamento têm se revezado à frente da 6ª Deroc, responsável pela repressão ao furto e roubo de cargas, que está sem titular.
Diferentemente do passado, quando os ataques ocorriam geralmente à noite, os roubos de carga vêm sendo registrados a qualquer hora do dia, com pico também pela manhã, entre as 7h e as 10h, e na madrugada, no intervalo das 22h às 5h. “Temos aconselhado as empresas a não liberarem seus veículos para rodar nesses horários”, informa o assessor de Segurança do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de Minas Gerais (Setcemg), Ivanildo Manoel dos Santos.
Segundo Santos, a dinâmica dos crimes relatada pelas vítimas é semelhante em grande parte dos casos. “Os criminosos usam um carro para abordagem. Emparelham o veículo ao lado do caminhão em movimento apontando uma arma para o motorista e o mandam encostar, momento em que anunciam o assalto”, explica. Na maioria das vezes, conta, os caminhões são levados a um ponto fora da estrada e abandonados após a retirada da carga. As armas usadas nessas ocorrências, de modo geral, são pistolas e até mesmo revólveres, mas Santos afirma que há casos em que bandidos agem com armamento pesado, como submetralhadoras. “Os motoristas hoje saem de casa com medo, sem saber se vão voltar. Já vão trabalhar com esse sentimento”, diz. Entre as cargas mais visadas pelos bandidos estão as de cigarro, eletrônicos, bebidas, cosméticos, combustível e confecção.
FALSA BARREIRA Há casos em que ladrões avaliam qual é o tipo de mercadoria transportada antes de roubá-la. Essa estratégia era usada por membros de uma organização criminosa de Goiás presa em fevereiro, que tinha também ramificações em Minas. As prisões ocorreram durante a primeira fase da operação Hicsos. Segundo a Polícia Federal, o grupo chegava a fazer falsas barreiras policiais, usando coletes de fiscalização e veículos equipados com sirenes e giroflex. Os criminosos avaliavam a carga de cada caminhão parado na barreira e, quando se deparavam com produtos de alto valor, anunciavam o assalto. Para facilitar a ação, usavam equipamentos de alta tecnologia, evitando, assim, que o veículo fosse rastreado.
Na última quinta-feira, na segunda fase da operação, a vereadora suplente na Câmara Municipal de Buritis (Noroeste de Minas) Michelly Araújo (PSB), de 36 anos, foi presa sob acusação de lavar dinheiro para integrantes dessa organização criminosa. Nessa etapa da operação, o objetivo da PF era interromper as ações criminosas de grupo de empresários e agentes políticos que davam suporte financeiro aos criminosos, por meio de lavagem de dinheiro e receptação. Mais de 30 pessoas foram presas. Os policiais federais apreenderam 15 armas de fogo e 15 veículos roubados. Mais de meio milhão de reais em cargas roubadas foi recuperado.
Combate à receptação ainda é falho
O custo do aumento no número de roubo de cargas no estado é alto para as empresas de transporte em Minas, que têm se equipado para fugir dos ataques ou mesmo localizar as mercadorias saqueadas. Para isso, elas têm investido em tecnologia de monitoramento, com rastreadores, serviços de gerenciamento de risco e até mesmo em escolta armada. É o que explica o assessor de segurança do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de Minas Gerais (Setcemg), Ivanildo Manoel dos Santos: “Isso tem elevado muito os custos do setor de transporte de cargas”, afirma. O assessor lamenta a insuficiência da fiscalização nas estradas que cortam o estado. “Isso favorece a ação das quadrilhas.” Mas diz que, embora com baixo efetivo, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) tem dado uma pronta resposta nos casos registrados. Ele alerta, no entanto, que é necessário focar no combate à receptação. “Enquanto houver alguém para comprar carga roubada, vai ter ladrão”, afirma.
O delegado Marcus Vinícius Lobo também destaca a receptação como grande problema do roubo de cargas, destacando que a punição precisa ser mais efetiva. “Temos dificuldades para atuar no enfrentamento. Uma delas é a legislação atual, que é branda para o crime de receptação”, afirma. Segundo o policial, a pena para a receptação qualificada – quando o delito é praticado por um comerciante flagrado com mercadoria roubada – é de três a oito anos de prisão. Nos casos em que a receptação não ocorre com finalidade comercial ou industrial é ainda menor: de um a quatro anos. Atuar no combate às organizações especializadas em receptação e na lavagem de dinheiro está entre as ações da Polícia Civil, segundo o delegado. Além disso, ele sustenta que a extensa malha viária é um complicador e diz que até mesmo a crise financeira tem resultado no aumento das ocorrências.
Por meio de nota, a Polícia Civil informou que tem procurado mapear as áreas de maior incidência dos delitos, delimitar os dias da semana e horários em que a maioria dos crimes ocorre e qualificar os integrantes de associações criminosa especializadas nessa modalidade delituosa. A corporação diz, no entanto, que algumas ações preventivas podem ser adotadas pelas empresas e prestadores de serviços, como evitar transitar em rodovias no período noturno e parar em postos de combustíveis que não tenham monitoramento por câmeras; manter as fichas cadastrais dos motoristas atualizadas; instalar rastreadores nos veículos e cargas, além de ter relação mais estreita com a delegacia especializada nesse tipo de crime. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) foi procurada para comentar a atuação das quadrilhas nas estradas, mas informou que não poderia atender na última sexta-feira.
O chefe da Sala de Imprensa da Polícia Militar, major Flávio Santiago explicou que muitos criminosos envolvidos com o tráfico de drogas têm encontrado no roubo de cargas uma saída para a repressão que o comércio ilegal de entorpecentes tem sofrido em Minas, bem como tem sido opção para financiar esse esquema ilícito. Por outro lado, ele diz que a PM tem investido no trabalho de inteligência para fazer o mapeamento da atuação dessas quadrilhas e reforçado o patrulhamento com a finalidade de combater os saques de mercadorias. “Com o mapeamento criminal estamos, em conjunto com a Polícia Civil e o Ministério Público, realizando o desbaratamento dessas quadrilhas”, afirmou o major.
Palavra de especialista
Luis Flávio Sapori, Coordenador do Centro de Pesquisa em Segurança Pública da PUC Minas
Crime organizado
O roubo de cargas é um crime muito organizado, executado por quadrilhas sofisticadas e que envolve um coluio com o comércio varejista ilegal, um mercado clandestino, que posteriormente comercializa os produtos roubados. É um crime que envolve várias regiões ao mesmo tempo, e em estados diferentes, onde os criminosos encontram facilidades para atuar, diante da fragilidade da fiscalização nas estradas. Combater esse delito exige atuação também organizada. É preciso que as forças policiais e o Ministério Público se unam para atuar na investigação e na repressão tanto do furto e roubo de cargas quanto da receptação. Isso exige serviços de inteligência, uso de tecnologia e investigação, inclusive porque as quadrilhas estão cada vez mais descobrindo mecanismos para atuar. O trabalho de repressão precisa estar focado no desmonte dos esquemas que estão por trás dessas organizações. Enquanto isso, quem tem pago o preço são as empresas de transporte de cargas, que cada vez mais têm aprimorado seus serviços de proteção, aumentado seus custos e sofrido prejuízo com esses roubos.