Jornal Estado de Minas

Comunidade em Santa Luzia é reconhecida como quilombola pela Fundação Palmares

- Foto: Arte EMAos 100 anos de idade, Geraldo Teles mora próximo a uma gruta em que a avó, escrava, escondia os filhos: “Para que eles não fossem negociados como mercadorias”. Devoto de São Sebastião, ele é o morador mais antigo de Pinhões, uma comunidade em Santa Luzia, na Grande Belo Horizonte, que foi reconhecida pela Fundação Palmares como quilombola e que, agora, reivindica à União a titulação das terras.


“O reconhecimento por Palmares nos permite acesso a políticas públicas diferenciadas. Já a titulação por parte do governo federal possibilitará aos descendentes (de escravos) a escritura das terras em que eles moram hoje. Quase ninguém aqui tem”, explicou Débora Rodrigues, secretária da Associação Quilombola de Pinhões.

A história de Pinhões, cujo nome se deve à árvore pinhão, usada na fabricação de sabão, começou no início do século 18. “Negros escravizados foram enviados com objetivo de tomar conta das divisas entre o mosteiro de Macaúbas e a fazenda Bicas. Com o fim da abolição, fixaram moradia”, contou Débora.

Cerca de 3 mil pessoas moram no lugar, celeiro de histórias. Lá foi rota de tropeiros. Também foi por aqueles caminhos tortuosos que passaram tropas que lutaram na Revolução de 1842, lideradas pelo revolucionário Teófilo Benedito Ottoni, e do governista Barão de Caxias.
Na hoje Rua Assis Chateaubriand, uma casa em adobe desperta a atenção de visitantes.

Tanto quanto o quintal na casa de dona Vagna Rosa de Jesus, de 57, que foi casada com um quilombola. No terreiro, voltado para a rua, há dezenas de peças em barro que ela faz para ganhar a vida. Há panelas, vasos e cumbuquinhas para amantes de caldo de mocotó. “Eu busco a argila atrás da serra. E uso o forno que fiz neste barranco, no meu quintal”.

A moradia dela fica próxima à de seu Geraldo, o morador mais antigo. Apesar da idade, é bem ativo. Gosta de boa prosa e de recordar da época em que fazia fogueiras para São João e Santo Antônio.
Mas seu santo predileto é Sebastião. “Veja na fachada de minha casa. Viu? Há uma imagem dele. A luzinha acende todas as noites. Se queimar, mando trocar”.

O dia em homenagem a São Sebastião é 20 de janeiro. Todos os anos, nessa data, o padre vai à casa de seu Geraldo e reza uma missa. “Fazem até o altarzinho”. A religião é assunto sério em Pinhões.
Numa comunidade fundada por negros, a capela não poderia ser outra: Nossa Senhora do Rosário. A primeira missa ocorreu em 1906. As celebrações ocorrem toda semana. No lado esquerdo do pátio, o cruzeiro em madeira.

Havia outro em frente ao templo, mas foi substituído por um de ferro. Atrás da capela, há um cemitério. Mas a calunga mais antiga, chamada de cemitério dos negros, está a mais ou menos uma légua – aproximadamente seis quilômetros – de lá, numa região de fazendas. O local, claro, conta com um cruzeiro de madeira, cercado por muro de pedras.

HORTA Mas é outra cerca que chama a atenção na comunidade. Fica na Praça Naná Bahia, na entrada da comunidade. Foi lá que dona Vilma, a única ialorixá (mãe de santo) de Pinhões, fez uma horta comunitária. Ela rega diariamente o local.
E joga esterco sobre as sementes de almeirão, manjericão, alface, couve... Também plantou mexerica, jabuticaba e goiaba.

Vagna Rosa de Jesus, de 57 anos, descobriu na argila um meio de sustentar a família. População local reivindica à União a titulação das terras - Foto: Jair Amaral/EM/DA Press“Qualquer pessoa pode vir aqui e pegar. A tela é só para impedir que o gado e outros animais entrem e estraguem a horta”, explicou Débora, a secretária da associação. Pinhões, hoje, não é território exclusivamente de negros e de descendentes de escravos. Outra certeza: cumprimentar quem se encontra pelo caminho é algo certo, além de boa educação. Um dos motivos é o fato de muitos serem parentes, próximos ou distantes.

Elogios de 'forasteiros'


A simpatia dos moradores antigos e outros predicados de Pinhões fizeram muitos forasteiros se apaixonarem pelo local e ficar por lá mesmo. Dona Maria Helena Silva, de 89 anos, nasceu em Sete Lagoas, na Região Central, e fez história na comunidade quilombola.

Ela mesma conta o motivo: “Fiz o parto, sozinha, de 2.020 crianças na região. Tenho orgulho em dizer que nunca, mas nunca mesmo, deixei morrer um bebê ou uma mãe”. Até por isso, muitos pais a convidaram para ser madrinha dos filhos.

Dona Helena, como é chamada, se formou em auxiliar de enfermagem.

Fez partos em casa e em hospitais. Faz questão de dizer que jamais cochilou nos plantões noturnos. Hoje, aposentada, ela cuida das diversas espécies de plantas no quintal, como flor-do-divino. “É vermelha. Veja que bonita”, aponta.

Quem também veio de fora é o boiadeiro Clemente Rodrigues de Almeida, de 55. Natural da cidade de Jequitinhonha, ele está na comunidade há bastante tempo. Trabalha na lida com o gado: guia cabeças e tira leite. Às vezes, toca bois na companhia de Taruba, o cão, e de Antônio Maria Silva, de 59, amigo que planta milho, feijão e outras culturas.

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