Ao decidir, 15 anos atrás, fazer uma transformação social na comunidade onde mora, na Região Oeste de Belo Horizonte, o então adolescente Dagson Silva jamais imaginaria que a mudança certo dia seria determinante para seu próprio destino. Era preciso interferir na paisagem do local e deixá-lo mais dinâmico. Apenas isso. O meio encontrado foram a cultura e a arte e, mais especificamente, o grafite. Ele fez aulas para aprimorar as técnicas e começou a ministrar oficinas. No programa de inclusão e combate à violência Fica Vivo!, despontou. Depois dos muros e lajes pintadas no Morro das Pedras, agora é hora de voar mais alto. E mostrar, talvez ao mundo, o talento que nasceu num dos maiores aglomerados da capital mineira. Com data marcada para embarcar, hoje aos 29 anos, ele deixa o curso de belas artes na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para ocupar uma vaga numa renomada escola de arte e design da França e uma das melhores da Europa. Uma campanha na internet virou a saída para financiar estudos, de alto custo.
Nos últimos dois anos, Dagson fez vários projetos de intercâmbio e exposições na França. Na última viagem, em março, quando participava de um festival, decidiu tentar a sorte. Sua estadia coincidiu com o período em que as escolas abrem suas portas a futuros alunos. De três instituições visitadas, o belo-horizontino se apaixonou pela Escola Superior de Arte e Design de Marseille, no Sul do país europeu.
“A escola desenvolve muito arte contemporânea e artistas com pegada social. Quando entrei para a UFMG (onde cursa atualmente o 4º período de belas artes), tinha a ideia de fazer um intercâmbio. Como não consegui pela universidade, porque neste momento não tem bolsa de estudo, fiz por minha conta”, relata. A entrevista da seleção ocorreu por videoconferência e, por meio dela, teve a oportunidade de mostrar suas obras.
A trajetória de Dagson Silva começou na adolescência, quando passou a grafitar e a oferecer oficinas de iniciação nas ruas do Morro das Pedras por sua conta e risco. Em 2004, quando o Fica Vivo! foi instaurado, ele se tornou aluno da oficina de artes. Desenvolvido pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), é um programa que tem foco na prevenção e redução de homicídios de adolescentes e jovens, com atuação em áreas com registros de índices elevados de criminalidade violenta.
Pouco tempo depois, o adolescente ganhou oficialmente o cargo de oficineiro. Em paralelo, Dagson trabalhou como agente cultural na Secretaria Municipal de Educação em várias escolas e como professor na Arena da Cultura, projeto de formação artística e cultural da Fundação Municipal de Cultura. “Quando comecei a trabalhar no aglomerado, queria mostrar outra perspectiva e a minha visão. Isso me deu experiência de relação com o próximo para trabalhar a arte no contexto de cooperação e trabalho coletivo. Minhas temáticas sempre envolvem o outro”, conta. A atuação abordando arte no próprio território e articulado com questões da sociedade foram os diferenciais no currículo que encantaram a escola francesa durante a seleção.
O jovem mostra humildade com os novos rumos que a vida toma: “Comecei com a necessidade de provocar mudanças sociais, mas era bem despretensioso. Fui participando de outros projetos na cidade e isso construiu minha trajetória. Mas fico mais feliz é por ter o reconhecimento da comunidade”, diz. Em uma década e meia, passaram pelas mãos do artista cerca de 7 mil alunos, envolvidos em três projetos.
PESQUISA Levar a periferia para outros espaços e lhe dar, assim, outros significados. A arte do jovem grafiteiro é baseada no cotidiano e personagens do Morro das Pedras. Diariamente, ele se empenha em pesquisas para descobrir e redescobrir sua comunidade. Desenha, fotografa e grava vídeos. Na hora de grafitar, sempre lhe vem algo disso para servir de inspiração. As trocas culturais do aglomerado são valorizadas, com seus moradores oriundos de quilombolas, comunidades tradicionais indígenas, Vale do Jequitinhonha e tantas outras partes do país.
Nos muros, a pintura é mais rápida. Na parede de uma casa, personagens em desenho contemporâneo estão retratados em meio a pedras, um rio e barraco de madeira, em alusão a um cenário que mostra a história do Morro e com elementos que ele já teve. Já as telas têm enredos mais detalhados e aprofundados. Em junho do ano passado, o “alvo” foram lajes de algumas casas. A ideia nasceu depois de ver no noticiário imagens aéreas do aglomerado por ocasião de um conflito. “Percebi ali que não só os muros, mas também as lajes poderiam ser suporte para interferir nesse olhar que vem de cima.”
As aulas na França começam em setembro. No dia 9 o grafiteiro Dagson Silva embarca para um grande sonho. As economias servirão para se manter em terras europeias, mas ele ainda precisa arrecadar R$ 15 mil, o equivalente a 60% do total necessário para custear o estudos durante os próximos dois anos. Somente a anuidade da faculdade em Marseille custa 1,7 mil euros (cerca de R$ 6,1 mil). Para isso, ele lançou na internet uma campanha de financiamento coletivo (www.catarse.me/vaidagsonsilva).
Uma bolsa parcial de estudos de uma instituição que não quer o nome divulgado é outra grande ajuda. “Se eu não conseguir o valor todo, tentarei uma alternativa. Mas vou ocupar minha vaga de qualquer maneira”, afirma. No momento, não há bolsa de estudos oferecida por órgão do estado ou outra instituição. Em nível federal, as instituições brasileiras de fomento indicaram recentemente o corte de bolsas por falta de verbas.
O jovem batalhador do Morro das Pedras participou de uma residência artística, de uma exposição individual e de festivais em Paris e Lyon. Ele já acumula no currículo duas premiações, uma nacional e outra internacional – Prêmio Agente Jovem de Cultura 2012, do Ministério da Cultura e Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural, e o Graffitti Art 2015, Festival do Graffiti e de Street art em Lyon (França). A exposição individual foi feita ano passado, numa importante galeria de arte de Lyon. Cinquenta e três telas representaram a cultura popular brasileira. As obras foram construídas a partir de uma pesquisa artística feita no Morro das Pedras sobre a estética e os elementos simbólicos da cultura local.
Desde 2014, Dagson Silva prepara seus alunos para o momento da partida ao tão sonhado intercâmbio. A ideia é que um dos pupilos assuma o posto em Belo Horizonte. “Eles estão empolgados e muitos estão comigo há sete anos. Às vezes, não vale só falar que é possível fazer outros caminhos. É preciso provar.”
Um dos que torcem pelo sucesso do mestre é o estudante Pablo Cristian Moreira dos Santos, de 16 anos. Aluno do 2º ano do ensino médio, ele frequenta aulas de grafite desde 2012, mas, na faculdade, quer seguir um caminho totalmente diferente: biomedicina. Mesmo assim, ele pensa em continuar as oficinas por mais dois anos, inspirado nas ideias do professor que o preparou para desenhar e, como diz, para enfrentar a vida: “Ele sempre fala para tentarmos fazer o que quisermos e seguir nossos sonhos”.
Nos últimos dois anos, Dagson fez vários projetos de intercâmbio e exposições na França. Na última viagem, em março, quando participava de um festival, decidiu tentar a sorte. Sua estadia coincidiu com o período em que as escolas abrem suas portas a futuros alunos. De três instituições visitadas, o belo-horizontino se apaixonou pela Escola Superior de Arte e Design de Marseille, no Sul do país europeu.
“A escola desenvolve muito arte contemporânea e artistas com pegada social. Quando entrei para a UFMG (onde cursa atualmente o 4º período de belas artes), tinha a ideia de fazer um intercâmbio. Como não consegui pela universidade, porque neste momento não tem bolsa de estudo, fiz por minha conta”, relata. A entrevista da seleção ocorreu por videoconferência e, por meio dela, teve a oportunidade de mostrar suas obras.
A trajetória de Dagson Silva começou na adolescência, quando passou a grafitar e a oferecer oficinas de iniciação nas ruas do Morro das Pedras por sua conta e risco. Em 2004, quando o Fica Vivo! foi instaurado, ele se tornou aluno da oficina de artes. Desenvolvido pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), é um programa que tem foco na prevenção e redução de homicídios de adolescentes e jovens, com atuação em áreas com registros de índices elevados de criminalidade violenta.
Pouco tempo depois, o adolescente ganhou oficialmente o cargo de oficineiro. Em paralelo, Dagson trabalhou como agente cultural na Secretaria Municipal de Educação em várias escolas e como professor na Arena da Cultura, projeto de formação artística e cultural da Fundação Municipal de Cultura. “Quando comecei a trabalhar no aglomerado, queria mostrar outra perspectiva e a minha visão. Isso me deu experiência de relação com o próximo para trabalhar a arte no contexto de cooperação e trabalho coletivo. Minhas temáticas sempre envolvem o outro”, conta. A atuação abordando arte no próprio território e articulado com questões da sociedade foram os diferenciais no currículo que encantaram a escola francesa durante a seleção.
O jovem mostra humildade com os novos rumos que a vida toma: “Comecei com a necessidade de provocar mudanças sociais, mas era bem despretensioso. Fui participando de outros projetos na cidade e isso construiu minha trajetória. Mas fico mais feliz é por ter o reconhecimento da comunidade”, diz. Em uma década e meia, passaram pelas mãos do artista cerca de 7 mil alunos, envolvidos em três projetos.
PESQUISA Levar a periferia para outros espaços e lhe dar, assim, outros significados. A arte do jovem grafiteiro é baseada no cotidiano e personagens do Morro das Pedras. Diariamente, ele se empenha em pesquisas para descobrir e redescobrir sua comunidade. Desenha, fotografa e grava vídeos. Na hora de grafitar, sempre lhe vem algo disso para servir de inspiração. As trocas culturais do aglomerado são valorizadas, com seus moradores oriundos de quilombolas, comunidades tradicionais indígenas, Vale do Jequitinhonha e tantas outras partes do país.
Nos muros, a pintura é mais rápida. Na parede de uma casa, personagens em desenho contemporâneo estão retratados em meio a pedras, um rio e barraco de madeira, em alusão a um cenário que mostra a história do Morro e com elementos que ele já teve. Já as telas têm enredos mais detalhados e aprofundados. Em junho do ano passado, o “alvo” foram lajes de algumas casas. A ideia nasceu depois de ver no noticiário imagens aéreas do aglomerado por ocasião de um conflito. “Percebi ali que não só os muros, mas também as lajes poderiam ser suporte para interferir nesse olhar que vem de cima.”
Desafio agora é garantir anuidade
As aulas na França começam em setembro. No dia 9 o grafiteiro Dagson Silva embarca para um grande sonho. As economias servirão para se manter em terras europeias, mas ele ainda precisa arrecadar R$ 15 mil, o equivalente a 60% do total necessário para custear o estudos durante os próximos dois anos. Somente a anuidade da faculdade em Marseille custa 1,7 mil euros (cerca de R$ 6,1 mil). Para isso, ele lançou na internet uma campanha de financiamento coletivo (www.catarse.me/vaidagsonsilva).
Uma bolsa parcial de estudos de uma instituição que não quer o nome divulgado é outra grande ajuda. “Se eu não conseguir o valor todo, tentarei uma alternativa. Mas vou ocupar minha vaga de qualquer maneira”, afirma. No momento, não há bolsa de estudos oferecida por órgão do estado ou outra instituição. Em nível federal, as instituições brasileiras de fomento indicaram recentemente o corte de bolsas por falta de verbas.
O jovem batalhador do Morro das Pedras participou de uma residência artística, de uma exposição individual e de festivais em Paris e Lyon. Ele já acumula no currículo duas premiações, uma nacional e outra internacional – Prêmio Agente Jovem de Cultura 2012, do Ministério da Cultura e Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural, e o Graffitti Art 2015, Festival do Graffiti e de Street art em Lyon (França). A exposição individual foi feita ano passado, numa importante galeria de arte de Lyon. Cinquenta e três telas representaram a cultura popular brasileira. As obras foram construídas a partir de uma pesquisa artística feita no Morro das Pedras sobre a estética e os elementos simbólicos da cultura local.
Desde 2014, Dagson Silva prepara seus alunos para o momento da partida ao tão sonhado intercâmbio. A ideia é que um dos pupilos assuma o posto em Belo Horizonte. “Eles estão empolgados e muitos estão comigo há sete anos. Às vezes, não vale só falar que é possível fazer outros caminhos. É preciso provar.”
Um dos que torcem pelo sucesso do mestre é o estudante Pablo Cristian Moreira dos Santos, de 16 anos. Aluno do 2º ano do ensino médio, ele frequenta aulas de grafite desde 2012, mas, na faculdade, quer seguir um caminho totalmente diferente: biomedicina. Mesmo assim, ele pensa em continuar as oficinas por mais dois anos, inspirado nas ideias do professor que o preparou para desenhar e, como diz, para enfrentar a vida: “Ele sempre fala para tentarmos fazer o que quisermos e seguir nossos sonhos”.