“Pedi para um aluno sair da janela, pois estava atrapalhando os outros de fazer prova. Depois de várias recusas, chamei a Guarda Municipal. Um colega dele disse que professora ‘x-9’ merece morrer. Diante da ameaça, chamei a polícia. Apesar de não achar que é normal, agressão virou um contexto de rotina em sala de aula”, afirma Maria*, professora de escola municipal de um aglomerado da Região Leste de Belo Horizonte.
Em um cenário de insegurança como esse, uma educadora de Santa Catarina denunciou no início desta semana a agressão física provocada por um aluno de 15 anos, que chocou o país e voltou os holofotes para a violência, muitas vezes diária, enfrentada por milhares de profissionais da educação Brasil afora.
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A Lei 22.623, de julho deste ano, que prevê medidas para conter a violência contra professores, depende ainda de regulamentação pela Secretaria de Estado de Educação (SEE). O diagnóstico do cenário atual é insuficiente ou mesmo inexistente, já que as secretarias de Educação, tanto estadual quanto municipal, não têm registrada a quantidade de casos.
Outra questão é que, por medo de represália ou desânimo com a burocracia, nem todos os agredidos acionam a Polícia Militar para fazer boletim de ocorrência. Quando o fazem, entram no bolo geral de crimes contra a pessoa.
Lesões corporais
Sem controle da área educacional, os dados disponíveis vêm da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). Eles mostram que este ano houve 4.017 infrações contra a pessoa em instituições de ensino de Minas Gerais de janeiro a junho deste ano. Isso inclui brigas, agressões, ameaças, lesões corporais e casos de injúria, difamação e calúnia.
No ano passado, no mesmo período, houve 5.168.
Na capital, a Guarda Municipal recebeu 34 queixas de janeiro a julho deste ano nas escolas municipais – 18 por ameaça, 14 por brigas e duas por lesão corporal.
O Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (Sind-rede/BH) encaminhou esta semana ofício à Secretaria Municipal de Educação (Smed) pedindo discussão de protocolo de enfrentamento à violência e à indisciplina. A pasta confirmou o recebimento do documento e informou que a reivindicação está sendo encaminhada.
Denúncia On-line
Informalmente, denúncias podem ser feitas em sistema on-line desenvolvido pelo sindicato. Ao longo de 2016, foram 49 denúncias, sendo 15 por agressão física, 13 por agressão verbal, 11 por intimidação e 10 por ameaça.
“Estamos preocupados sobre a forma como a escola deve lidar com a situação. Em um ato infracional, por exemplo, deve-se chamar só o Conselho Tutelar ou também a Polícia Militar e a Guarda Municipal? A falta de protocolos dificulta o encaminhamento para o professor e a família do aluno”, afirma o diretor de Comunicação do Sind-Rede, Wanderson Rocha.
O Brasil está no topo do ranking de violência contra o professor, segundo pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O levantamento aponta que 12,5% dos docentes brasileiros disseram sofrer violência verbal ou intimidação de alunos, pelo menos uma vez por semana.
*Nome fictício
Agressões mostram colapso no sistema educacional
A educadora e doutora em educação pela PUC-Rio Andrea Ramal ressalta que é preciso lidar com esses casos de maneira séria, de modo a evitar um colapso. “As agressões não são apenas físicas. Há ameaças, insultos, roubos, danos a carros, bullying pela internet. Se desejamos uma educação de qualidade, e sobretudo uma sociedade melhor, não podemos lidar com agressões a professores como se fosse natural. Ela é sinal de colapso no sistema educacional e até mesmo colapso social”, diz.
Para ela, parte da explicação do problema está no próprio sistema educacional. “O magistério é tão mal remunerado que não atrai, e quem entra muitas vezes não recebe a preparação adequada, leciona sem experiência, tem poucos recursos didáticos para inovar. Assim é difícil conquistar o estudante. Os alunos ficam desmotivados, hiperativos, indisciplinados. Quando o professor tenta manter a ordem, gera revolta.
Andrea cobra também da família sua parcela de responsabilidade. “O que ocorreu em Santa Catarina, que não é caso isolado, também mostra que muitos jovens não estão aprendendo em casa valores essenciais. E também não têm uma educação para valorizar os mestres e seu papel nas nossas vidas.”
Violência e drogas
Maria*, a professora dos anos finais do ensino médio da rede municipal de BH, é um retrato desse cotidiano. Como ela mesma gosta de frisar, a violência não se justifica por nada, mas pode explicar alguns aspectos. O aglomerado onde a escola fica tem um alto índice de violência doméstica, disputa por drogas e aliciamento de crianças e adolescentes para o tráfico. Todos os dias, segundo ela, adolescentes pulam o muro da escola para vender drogas. Somente este ano, dois alunos foram assassinados por traficantes. Nesta sexta-feira ela recebeu a notícia de que um estudante de 15 anos não irá mais à aula, pois está “fugido”, ou seja, tem criminosos em seu encalço.
Numa das situações mais graves que viveu, no fim do ano passado, um aluno quase partiu para a agressão ao ser repreendido por desordem em sala de aula. “Ele abriu os braços e avançou para cima de mim. Fiquei parada.
A Secretaria Municipal da Educação informou, por meio de nota, que tem desenvolvido ações para encarar o problema. Entre elas estão em andamento rodas de conversa sobre convivência escolar, a orientação sobre a construção do Plano de Convivência Escolar de 40 escolas municipais, para 2017, e de 134, para 2018, e a criação de Câmara de Mediação de Conflito dos colegiados escolares. A Secretaria de Estado de Educação também relatou medidas que valorizem o profissional da educação. Um exemplo é o Programa de Convivência Democrática nas Escolas, que está sendo implantado desde o início do ano em todas as regionais do estado.
Lições de prevenção
Propostas para combater a violência nas unidades de ensino
» Pais
Nunca falar mal dos professores ou questionar a autoridade deles na frente dos filhos. Dar o exemplo, referindo-se aos educadores com respeito. Envolver-se na vida escolar e tratar a escola como parceira na educação, em vez de empresa contratada para um serviço.
» Escolas
Amparar o professor em suas decisões e nunca desautorizá-los diante dos alunos. O prejuízo na formação, nesses casos, é imenso.
» Professores
Abrir o diálogo e investir na relação com as turmas. Em vez de ser conteudista e distante, ser formador, educador, próximo do jovem
» Poder público
Investir em formação continuada. Além disso, tratar de casos de violência com a seriedade que o assunto exige, com medidas mais rígidas.
Fonte: Andrea Ramal, doutora em educação
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