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Ainda que não tenha estatísticas tabuladas, com base em sua experiência no dia a dia a delegada Camila Miller garante que em Belo Horizonte os campeões de inquéritos são os táxis. Em 2014, um taxista de 39 anos foi preso acusado de estuprar pelo menos 18 mulheres em BH. Entre os casos mais recentes estão um de novembro do ano passado e outro ocorrido em janeiro deste ano. “Claro que não é todo dia, mas é algo que tem sempre, por isso, quando chega algum caso de estupro em táxi, não me surpreende”, diz a policial.
I.M., de 29 anos, conta que, se sai à noite, volta para casa de táxi. Mas, desde que foi assediada, anda desconfiada e redobrou a atenção. Em uma das corridas, ao chegar à porta do prédio foi constrangida pelo taxista enquanto esperava o troco.
Ela não procurou a polícia nem denunciou o taxista. “Na teoria, levar esses casos para a polícia é muito importante e necessário. Mas, na prática, sabemos como as mulheres são tratadas quando o assunto é estupro e abuso, como elas são colocadas como culpadas e nunca como vítimas. Acredito que com as delegacias da Mulher o cenário tenha mudado um pouco, mas é ainda um ambiente machista, por mais absurdo que possa ser uma polícia que deveria cuidar da gente ser tão machista.”
A escritora Clara Averbuck também preferiu não ir à delegacia. “O nojento do motorista do Uber aproveitou meu estado, minha saia, minha calcinha pequena e enfiou um dedo imundo em mim, ainda pagando de que estava ajudando ‘a bêbada’”, relatou ela em relação a episódio ocorrido em São Paulo. Com a hashtag #meumotoristaabusador, ela encorajou várias mulheres a também contarem suas histórias.
CONSTRANGIMENTO O Estado de Minas também ouviu alguns dos relatos de mulheres que enfrentaram assédio em BH em transporte por aplicativos.
Na porta de casa, ao tentar abrir a porta, ela estava travada. Avisou ao motorista e ele, com meio corpo para o banco de trás, perguntou se estava com pressa, porque não queria que ela fosse embora tão rápido. “Fiquei assustada e pedi para ele abrir a porta. Mais uma vez ele perguntou se eu não queria ficar mais tempo ali com ele. Pedi novamente para ele destravar a porta. O motorista saiu do carro e abriu a porta pra mim.
F. fez uma publicação no seu perfil de rede social e descobriu que mais mulheres haviam sido assediadas pelo mesmo motorista, que foi desligado do Uber. “Recentemente, eu estava com uma amiga e ela pediu um Cabify para ir embora. Por sorte, eu vi a foto do motorista que me assediou e, na mesma hora, cancelei o pedido dela”, conta. Ele lembra que o homem mandou mensagem dizendo que tinha sido um flerte, e conta que teve medo de ele aparecer na casa dela. “Fiquei com medo também de denunciar à polícia, por causa do despreparo com esse tipo de situação”, diz.
Empresas garantem que conscientizam parceiros
Por meio de nota, o Uber informou que a empresa “acredita que as mulheres têm o direito de ir e vir da maneira que quiserem e, além disso, têm o direito de fazer isso em um ambiente seguro”, e crê “na importância de combater, coibir e denunciar casos de assédio e violência contra a mulher”. De acordo com a plataforma, quando um caso de assédio é reportado, o motorista parceiro é desligado.
O texto acrescenta que, em março, foi lançada campanha de prevenção ao assédio, que busca ajudar os motoristas parceiros a entender como se sentem as passageiras e ajudá-los a lidar com situações do cotidiano. Eles receberam uma cartilha digital e um vídeo que retratam situações reais do dia a dia e os cuidados que devem ser tomados em cada uma delas. Exemplares de uma versão impressa da cartilha também estão sendo distribuídos nos mais de 70 centros de atendimento do Uber no país, segundo a empresa.
O aplicativo informa ainda que os motoristas precisam ter média de 4,6 (em uma escala de 1 a 5 estrelas) para continuar na plataforma. Em caso de incidente, a situação pode ser reportada no próprio aplicativo. O Uber “conta com uma equipe de suporte que analisa caso a caso com rapidez. É importante frisar que o conteúdo é completamente sigiloso e não será divulgado”, diz o texto.
Também por meio de nota, a Cabify informou que o cadastramento de motoristas parceiros inclui a verificação de documentos como a certidão de antecedentes criminais atualizada no âmbito estadual e federal, além de exames toxicológicos. A empresa faz ainda palestras informativas presenciais para se certificar de que todos os condutores sigam as políticas de qualidade e segurança. A empresa conta com um serviço de atendimento 24 horas por dia para o suporte a usuários e motoristas. E diz que está à disposição das autoridades no sentido de auxiliar em eventuais trâmites processuais.
O presidente do sindicato dos taxistas de Minas Gerais (Sincavir), Avelino Moreira, diz que, por causa de situações conflitantes, a regulamentação dos transportes por aplicativo é importante. Ele ressalta que entre os critérios para ocupar o posto de taxista está a exigência de certidões criminais negativas. “Esses cuidados são o primeiro norte de segurança”, afirma. Quanto à frequência das acusações contra integrantes da categoria, relatada pela titular da Delegacia Especializada em Combate à Violência Sexual de BH, o representante diz não ter conhecimento de nenhum caso do tipo.
Constrangimento a caminho de casa
Apostar no transporte particular na tentativa de chegar em casa em segurança nem sempre tem sido garantia de tranquilidade em BH, especialmente para passageiras. É o que evidenciam vários relatos de mulheres ouvidos pelo Estado de Minas. Uma delas, A.C., de 21, saiu de uma festa em maio do ano passado, às 23h. Pegou o Uber no Bairro São Pedro, na Região Centro-Sul de BH e, ao subir a Avenida Nossa Senhora do Carmo, começou a ser bombardeada de perguntas. O motorista insistiu que estava cedo para voltar para casa e que eles deveriam sair. “Eu recusei e já comecei a ficar com medo. Disse que só queria chegar em casa rápido”, diz. Ele desviou do caminho sugerido pelo aplicativo, passou por um aglomerado e continuou a fazer perguntas invasivas. Perto do destino, trancou as portas do veículo. O medo foi grande até que ela conseguisse destravá-las e correr para casa.
Uma busca rápida nas redes sociais é suficiente para se deparar com uma enxurrada de relatos como esse, de mulheres vítimas de constrangimento e crimes sexuais. Os números oficiais são subnotificados. “Traz constrangimento à mulher. Ela não quer falar sobre o fato, tem vergonha”, afirma a titular da Delegacia Especializada em Combate à Violência Sexual, Camila Miller. Além desse motivo, muitas delas preferem não formalizar denúncia por desconfiar da estrutura e do preparo dos policiais no atendimento a esses casos.
A jovem A.C. é uma das que preferiram a internet a procurar a polícia. “Mandei uma mensagem para um amigo, desesperada, e pedi para ele chamar a polícia se eu não chegasse em casa em 10 minutos. Quando chegou à minha rua, o motorista desacelerou mais ainda e eu comecei a tremer”, afirma. “Ele começou a elogiar minha roupa e meu perfume e eu fiquei tentando abrir a porta. Ele parou na esquina da minha casa e eu consegui abrir e saí correndo”, lembra.
Ela se recorda de que enviou mensagem para a Uber, que demorou a responder, mas reembolsou o valor da viagem. “Postei sobre o ocorrido no Facebook, com a placa do carro, e várias meninas disseram ter passado pela mesma situação naquela noite. Algumas relataram que o motorista tentou beijá-las, outra que passou a mão na perna, uma que foi deixada trancada dentro do carro, coisas bem piores do que o que rolou comigo.”
A. recebeu informações de que o motorista estaria rodando pelo Cabify. Na época, não fez boletim de ocorrência. “Eu não tinha prova de nada, é muito difícil alguém te ouvir e acreditar no seu relato. Depois ele disse que eu entendi a situação errada e que ele estava tentando ser gentil. Mas o que me assustou foram amigas dele me dizendo que ele tinha dinheiro e ia me processar.”
PAVOR A jovem I.R., de 21, também preferiu a internet à delegacia. Sexta-feira passada ela pegou um Uber para ir da Savassi, na Região Centro-Sul de BH, ao Buritis, Zona Oeste. Quase chegando ao destino, ela viu pelo reflexo no vidro que o motorista se masturbava. “Eram 14h30 e ele fez isso na maior cara de pau. Pensei em fazer um escândalo, mas sou pequena e ele, gigante. Fiquei com medo de ele me levar para algum buraco, me estuprar e matar. Fiquei calada”, disse. “Ele ficava me encarando pelo retrovisor. Nunca senti tanto nojo e medo. Denunciei no Uber, mas acho que não vai dar em nada.”
A delegada Camila Miller ressalta que o primeiro passo em casos como esse é o registro de ocorrência. Em BH, isso pode ser feito em qualquer delegacia e, preferencialmente, na de Combate à Violência Sexual. “Pela especialização, o acolhimento da mulher é feito de maneira mais adequada.” A policial destaca as peculiaridades desse tipo de investigação: “É um crime que ocorre na clandestinidade. Não é um roubo, em que a pessoa deixa testemunhas. Por isso, a palavra da vítima tem bastante relevância.”