Todos concentrados para o grande momento. Na linha de frente, adrenalina pura. Separados por grades, o público observa atento, ansioso. Na hora marcada, relógio exato, a sirene toca e é dada a largada. Centenas de ciclistas partem rumo a desafios geográficos e superação física. É o Iron Biker Brasil, que nestes sábado e domingo e hoje movimenta a cidade histórica de Mariana, na Região Central de Minas, e a torna a capital mundial do ciclismo.
Mais de 1,7 mil atletas se inscreveram para encarar as trilhas da 25ª edição. Ciclistas de várias partes do Brasil e do mundo percorrem cerca de 160 quilômetros de trilhas, divididos em dois dias de prova. O grupo de elite, que ontem largou às 8h30, pedala por 90 quilômetros, durante três horas e meia a quatro de prova por dia. O segundo pelotão, composto por ciclistas amadores, saiu uma hora depois para um percurso de 70 quilômetros.
Da Praça Minas Gerais, um dos cartões-postais da cidade, no Centro, eles partem rumo aos distritos de Mariana. Este ano, percorrerão trilhas que passam próximo a Bento Rodrigues, palco da tragédia que assolou o distrito há quase dois anos, quando a barragem da mineradora Samarco se rompeu arrasando o local, e também perto do local escolhido para a reconstrução do lugarejo, chamado de Novo Bento.
No sábado, um dos locais mais difíceis para os atletas foi o Morro da Purificação, que, de tão inclinado, deixa as bicicletas quase empinadas. Os moradores brincam que o lugar leva esse nome porque é tamanha a dificuldade que quem consegue vencê-lo sai de lá “purificado”.
Enquanto os atletas pegam poeira e vencem obstáculos, o público espera a chegada ao som de música e apreciando aperitivos e bebidas. Segundo o prefeito de Mariana, Duarte Júnior (PPS), mais de 20 mil pessoas estão na cidade neste fim de semana. Hotéis e pousadas do município e da vizinha Ouro Preto estão com lotação máxima.
O Iron Biker ocorre na cidade desde 2013. “Queremos tirar de Mariana a imagem de cidade da lama. Não somos a cidade da lama. Somos um povo de cabeça erguida, que já superou o drama. Esta cidade continua sendo para nós a mais linda do Brasil. O povo sofreu muito, aprendeu com a dor e luta para reescrever sua história.”
Organizador do Iron, Lucas Fonda ressalta que esta é a primeira prova de percurso maratona de montanha do mundo. É uma das maiores provas do planeta e a maior da América Latina, de acordo com ele. A competição foi criada em 1993 com o nome de Desafio das Montanhas. “As inscrições esgotam em 24 horas. Ou seja, a disputa já começa nessa fase”, destaca.
ANSIEDADE
Na primeira fila do grupo B, o estudante Eduardo Henrique Diniz, de apenas 16 anos, estava ansioso para participar pelo segundo ano consecutivo do campeonato. Morador de Mariana, ele considera o evento importante para levar turistas e um outro olhar à cidade. “As pessoas de fora acham que a cidade acabou. E isso não é verdade”, diz. O esporte que é hobby pode se tornar profissão caso tenha oportunidade. Para Eduardo Henrique, o final é o mais complicado, mas a ansiedade é maior no início. “Fico mais nervoso na largada que no meio da prova.”
No primeiro dia da competição, o vencedor da elite masculina foi o mineiro da cidade de Patrocínio (Alto Paranaíba), Halysson Ferreira, atual campeão brasileiro. Ele ultrapassou a faixa de chegada com um tempo de 3h27min. O segundo lugar, Robson Ferreira, do Rio de Janeiro, completou o percurso depois de 3h34min e o terceiro, Daniel Zoia, de Viçosa (Zona da Mata), em 3h37min. Na elite feminina, a campeã da primeira fase foi Eliane de Souza, de Entre Rios de Minas (4h43min), a catarinense Ana Luíza Panini (4h46min), seguida por Ana Luíza Siqueira (4h49min), de Espera Feliz (Zona da Mata). Hoje, sobem ao pódio os três melhores colocados, somado o tempo dos dois dias.
Cristina Vieira, de 54 anos, empresária, de Mariana. Dona da padaria Lafayette comemorou o movimento
“O Iron Biker um evento maravilhoso, porque mobiliza e alegra a cidade e aumenta o movimento do comércio. Esperamos por ele desde o início do ano e nos preparamos para recebê-lo. Aqui, tentamos fornecer alimentos saudáveis e fortes para dar sustentação aos atletas. Preocupamos com a qualidade e o tipo de alimento. De manhã, por exemplo, servimos macarrão, ovo, inhame e batata-doce. Muitos turistas e familiares vêm acompanhar.”
Ana Silva, de 30 anos, professora, de Mariana.
Acompanhou o evento ao lado do marido Alessandro, de 32, e do filho Rafael, de 3
“Eventos assim vão mostrar ao mundo que a cidade não foi atingida pela lama, que ela existe. Como não está incluída no mapa, pois as pessoas conhecem somente Ouro Preto, é boa essa divulgação.
Além disso, é uma maneira de gerar renda e movimentação financeira, pois o rompimento da barragem abalou nossa economia. Somos uma cidade que vive da mineração.
O evento representa e leva o nome da cidade para muitos lugares.”
Ana Carolina Râmia dos Santos Paiva (E), de 40 anos, engenheira agrônoma, de Varginha (Sul de Minas). Ia competir em dupla com o marido, mas lesionou o joelho há 15 dias
“Vai ficar para 2018. Achei a cidade muito bonita e para quem é ciclista é de arrepiar.
Sempre ouvi falar muito bem de Mariana, por isso estamos aqui. É um evento importante para promover a cidade, principalmente o turismo.
E incentivar as pessoas a pedalar, independentemente de competir ou não. É saúde.”
Lorraine Gomes Vieira (D), de 25 anos, técnica em enfermagem, de Conceição do Castelo (ES), Veio com amigos para acompanhar o marido, o atleta Rodrigo Zambon Jubini, do grupo de elite. Ela se casou só para ir ao Iron Biker
“O casamento estava previsto, mas não para esta data. Era a única forma de conseguir as folgas. O cartório da minha cidade só faz casamentos às sextas-feiras, a partir das 16h30. Se fôssemos vir depois disso, chegaríamos muito tarde. Conseguimos que abrissem uma exceção. Ano passado não pude vir por causa do trabalho. Estou gostando muito da cidade. Meu marido presta serviço para mineradoras e na época da tragédia fez fotos para me mostrar que o que ocorreu não foi perto do Centro. Ano que vem volto para pedalar.”