As águas de fontes cristalinas que nascem entre as escarpas da Serra do Espinhaço desapareceram. Desciam serpenteando o cerrado, protegidas por moitas densas de samambaias capazes de bloquear a curiosidade dos mais insistentes. Mas o fogo que ardeu pela 65ª vez neste ano, consumindo mais de 700 hectares (ha) do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e mais de 900ha do entorno, matou diversos olhos d’água. Pelo menos duas surgências de água que vertiam da serra para Casa Branca secaram, soterradas por cinzas. Uma terceira nascente, responsável pelo abastecimento de cerca de metade do condomínio Quintas de Casa Branca, em Brumadinho, na Grande BH, também foi engolida pelo fogo. As altas temperaturas derreteram as mangueiras plásticas que traziam a água por gravidade até as caixas d’água e secaram as torneiras.
As duas nascentes que secaram sufocadas pelas cinzas quase não se distinguem da paisagem preta e branca de uma clareira de 15 hectares. A não ser por alguns empoçamentos que brilham ao refletir o Sol. No mais, restaram leitos secos. Em volta, as árvores esturricaram por completo e as moitas se tornaram esqueletos de ramos tostados. Pássaros desesperados ainda sobrevoavam e reviravam os locais de seus antigos ninhos, de onde não restou nada. E o motivo de toda essa devastação, de acordo com o biólogo e gerente do parque, Marcos Vinícius Freitas, foi um jogo de futebol. “Um membro do nosso conselho consultivo visualizou pessoas soltando fogos de artifício durante um jogo no Bairro Jardim Canadá, em Nova Lima. O fogo desceu e se estendeu por toda essa área. Não foi um piromaníaco, um incendiário que ateou fogo propositalmente no local. Mas, indiretamente, o homem, porque isso não é uma causa natural.”
ASSOREAMENTO Em vastos setores de mata queimada, a ausência da vegetação formou grandes espaços vazios. “Sem a vegetação, a chegada das chuvas pode causar erosões. O normal seria que a chuva encontrasse a vegetação e escorresse pelo solo para ser absorvida. Sem isso, a chuva desce pelo solo descoberto direto para os córregos, trazendo sedimentos que vão assoreando os mananciais”, aponta o gerente do parque. Tal situação traz ainda problemas para a recarga hídrica dos lençóis subterrâneos, necessária na época da seca.
A vida também é extremamente prejudicada, uma vez que as chamas chegam a arder acima de 600°C. “Na faixa de seis a 15 centímetros de solo toda a microfauna é destruída. O nitrogênio que enriquece o solo acaba sendo volatilizado (torna-se gás) e deixa o solo. Isso prejudica a ciclagem de nutrientes”, alerta.
Outro efeito dessa sequência de incêndios e que é pouco lembrado diz respeito à polinização, que começa com a proximidade da primavera (22 de setembro). “O fogo pode trazer graves consequências para a polinização, que é a base da frutificação, um dos ciclos mais importantes do ecossistema. Não existem frutas sem as flores, que dependem da ação dos insetos. O fogo prejudica toda essa cadeia”, destaca o biólogo. Para Freitas, a chave para evitar os incêndios florestais é a conscientização e os trabalhos que têm sido feitos com as escolas e comunidades limítrofes ao parque.