Jornal Estado de Minas

Casarões do patrimônio histórico de BH se deterioram enquanto não têm destinações definidas

(foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)

Enquanto a imponente construção conhecida como Castelinho, no Bairro Floresta, considerado um dos símbolos do passado de Belo Horizonte, comemora um ano de restauração depois de um incêndio em 2002 e quase uma década e meia de abandono, o futuro de outros endereços que também integram o patrimônio histórico da capital continua incerto.


O fantasma do abandono assombra imóveis como a Villa Rizza, no Bairro Serra, o conjunto de casinhas da Rua Congonhas, no Santo Antônio, e os casarões no quarteirão da Avenida Amazonas entre ruas Aimorés e Mato Grosso, no Bairro Santo Agostinho, todos na Região Centro-Sul da capital.

Na Avenida do Contorno, Villa Rizza conserva fachada imponente, mas imóvel está sem uso e leilão não teve comprador (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)
Os três exemplos em nada lembram a situação atual do Castelinho, erguido em 1918, em estilo eclético com inspiração art nouveau. O prédio foi construído para ser residência familiar, com dois pavimentos e uma majestosa torre lateral de quatro andares. Ao longo de sua história, também foi pensão. A reforma foi financiada pelo Instituto MRV, organização sem fins lucrativos, e doado à Prefeitura de Belo Horizonte para abrigar o Programa Miguilim, centro de referência na assistência a crianças e adolescentes que vivem em situação de rua.

Outras construções não tiveram a mesma sorte. A Villa Rizza, na Avenida do Contorno, 4.383, na Serra, foi erguida na década de 1930 e teve o que restou de sua estrutura tombado em 1993. A fachada foi recuperada e desde então o imóvel já abrigou espaço de eventos, restaurante e café. Desde 2005, a Petrobras é a proprietária do terreno, onde chegou a manter um posto de combustíveis anexo à construção.


Os negócios não foram para frente, e a edificação foi a leilão, em 30 de agosto, com lance mínimo de R$ 4,65 milhões. Porém, não houve comprador. “O imóvel, com terreno, vale em torno de R$ 10 milhões. Pertence à Petrobras, que estuda a possibilidade de outro leilão”, disse João de Souza Simão, leiloeiro da empresa Arremax, responsável pelo processo. Ele explicou que há muitos interessados no espaço, mas que o tombamento da construção dificulta a transação. “É um dos empecilhos, pois lá não pode ser construído, por exemplo, um prédio. A casa não pode ser modificada”, afirmou Simão.

A história do Vila Rizza começa no fim da década de 1920, quando o major Antônio Zeferino da Silva comprou uma porção de terra entre a Avenida do Contorno e as ruas do Ouro e Pouso Alto, na Serra. O major encomendou a arquitetura a Humberto Hermeto Pedercini Marinho. Já o nome do imóvel foi uma homenagem à neta do proprietário, Rizza Porto Guimarães.

No Santo Antônio, quarteirão que já foi endereço de Guimarães Rosa tem destino incerto (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)
Assim como o imóvel da Serra, cinco casarões na Avenida Amazonas, no quarteirão entre as ruas Aimorés e Mato Grosso, no Bairro Santo Agostinho, aguardam destino e chamam a atenção de quem passa pelo endereço, devido ao nível de degradação. As construções foram erguidas entre 1936 e 1939, em estilo eclético, e pertencem à Sociedade Inteligência e Coração, mantenedora do vizinho Colégio Santo Agostinho, desde 2003.


O pipoqueiro Célio de Castro torce para que os imóveis sejam revitalizados. Ele trabalha na região desde 1969, quando as cinco casas tinham aparência bem diferente da de hoje: “A arquitetura delas é muito interessante. São casinhas lindas, mas que precisam de uma repaginada. Hoje, os imóveis, que estão pichados e com vidraças quebradas, são moradias de sem-teto”, disse o homem.

Há dois anos, a Sociedade Inteligência e Coração (SIC) informou a intenção de construir um edifício no local. Os andares seriam ocupados, por exemplo, por escola de idiomas e biblioteca. Na parte em que não há construção, a previsão seria fazer um estacionamento para professores e funcionários do colégio, que funciona no quarteirão vizinho. Das cinco casas, quatro são tombadas pelo patrimônio histórico, informa a entidade, e o quinto será demolido. “Os projetos (relativos aos imóveis) estão prontos e aprovados pelo Patrimônio Histórico municipal. Atualmente, a  mantenedora do Colégio Santo Agostinho está em fase de negociação para início da restauração das quatro casas e de construção de um edifício nos fundos dos terrenos, que foram unificados. O alvará de construção já foi expedido pela Prefeitura de Belo Horizonte”, informou a SIC. As casas tombadas serão restauradas e a ideia é usá-las em projetos culturais, acrescentou.


SANTO ANTÔNIO
Outro conjunto de casinhas que aguarda desfecho fica no quarteirão formado pelas ruas Congonhas, Santo Antônio do Monte e Leopoldina, no Bairro Santo Antônio, na Região Centro-Sul. Os imóveis foram cenário para gravação do filme O Menino Maluquinho, inspirado na obra homônima do escritor mineiro Ziraldo, dirigido por Helvécio Ratton em 1995.


A construtora Canopus tentou erguer quatro prédios de 27 andares cada no local, com quatro apartamentos por pavimento. A empresa, porém, suspendeu o projeto até que a prefeitura defina quais usos poderão ser dados ao espaço. Desde 2014, parte do quarteirão está coberto por tapumes de metal. Uma das casinhas, a de número 415 da Rua Leopoldina, foi moradia do escritor e médico João Guimarães Rosa (1908-1967). Também foi lá que funcionou o Bar do Lulu, point de Belo Horizonte nas décadas de 1980 e 1990. O Estado de Minas fez contato com a empreiteira para detalhar os projetos para o conjunto de imóveis, mas não obteve retorno.

 

 

Palavra de especialista

 

Yuri Melo Mesquita, diretor de Patrimônio Cultural, Arquivo Público e Conjunto Moderno da Pampulha da Fundação Municipal de Cultura

 

Referências para a cidade

“Todos os imóveis têm valor social para Belo Horizonte. São pontos de memória. Há interseção de várias temporalidades neles. Há cruzamentos do modo de viver do passado e do presente, ou seja, um ponto de interseção da memória. São elementos que nos possibilitam ter raízes com a nossa cidade. É uma forma de dar lastro para a experiência, um ponto de memória, de referência para manter vivo o patrimônio.”