Enquanto nos anos 2000 a frota de carros que circulava na capital mineira era de 508.731veículos, no ano passado o número saltou para 1.206.940, segundo os dados mais atualizados do Departamento de Trânsito (Detran-MG). O resultado é um trânsito a cada dia mais caótico e estressante para os belo-horizontinos. Você já pensou em ir ao trabalho de bicicleta? Conscientizar a população sobre o uso excessivo de veículos motorizados e tentar reduzi-lo foi o objetivo do Dia Mundial sem Carro ontem na cidade. Para chamar a atenção para a causa, o trecho da Rua Gonçalves Dias entre a Paraíba e a Rio Grande do Norte, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, foi interditado para o trânsito de carros e aberto para que as pessoas pudessem curtir atividades de lazer, cultura e educação. A Semana da Mobilidade BH foi organizada por diversos coletivos que discutem o assunto em Belo Horizonte.
Carlos Edward Campos, integrante da BH em Ciclo conta que a programação é voltada para chamar as pessoas a refletirem sobre deixar o carro na garagem. “A ideia é que tentem isso hoje para se tornar um hábito. Se não todo dia, pelo menos eventualmente. É possível se locomover de bike por Belo Horizonte”, garante. Carlos vendeu o carro há quatro anos e, desde então, tem a bicicleta como meio de transporte. “Não é com um dia que vamos mudar a cabeça das pessoas, é com campanhas educativas, eventos para chamar a atenção para a causa. Quem está no carro precisa entender que o ciclista também tem direitos”.
A Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) quer aumentar o percentual de usuários de bicicleta no total de deslocamentos em Belo Horizonte. O alvo da empresa, que gerencia o trânsito da capital, são as viagens de até seis quilômetros. A meta é que esse indicador seja de 8% até 2030. Mas há um longo caminho a ser percorrido, pois segundo a pesquisa mais recente, concluída em 2012, o indicador era de 0,4%. Carlos Edward pontua que os últimos levantamentos mostram que, infelizmente, o número de ciclistas em Belo Horizonte está estagnado. “Temos percebido que o número deles diminuiu na periferia e aumentou na Região Centro-Sul. Precisamos pensar por que está acontecendo isso”, diz. Além do mais, segundo ele, o número dos usuários de ônibus caiu devido aos preços cobrados pelas passagem. Consequentemente, o número de motociclistas aumentou, por ser um transporte barato.
DEMANDA A coordenadora de Sustentabilidade e Meio Ambiente da BHTrans, Eveline Previsan, avalia que existe uma demanda reprimida de pessoas que querem usar a bicicleta como meio de transporte. “Há uma série de pessoas que estariam dispostas a largar o carro, mas que não o fazem por causa das condições atuais. Se tivesse mais estrutura, haveria mais pessoas de bicicleta na rua. Quanto mais nós oferecermos espaços seguros para esse tipo de veículo, mais ciclistas chegarão”, aposta. Pensando nisso, a prefeitura aposta em estratégias como a ampliação de ciclovias. O Plano Diretor de Mobilidade Urbana da cidade (PlanMob-BH) identificou cerca de 400 quilômetros de rotas cicláveis (ciclovias e/ou ciclofaixas) na capital mineira. Por enquanto, menos de 25% foram implantadas. Segundo a BH em Ciclo, o valor gira em torno de 81 quilômetros de extensão.
O arquiteto e urbanista Sérgio Myssior, integrante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais (CAU/MG) pontua que falta uma boa sinalização e infraestrutura para os cliclistas. “Também é preciso investir em programas permanentes de educação para o trânsito, pois os motoristas não costumam respeitar muito os pedestres e ciclistas. As principais vias não contam com ciclovias ou ciclofaixas, como a Nossa Senhora do Carmo, a Cristiano Machado, Antônio Carlos, Contorno, Afonso Pena, entre outras”, lembra. O circuito também não é interligado nem conta, ainda, com os investimentos em integração modal. “Não faz sentido investir recursos públicos em infraestrutura que priorize somente o automóvel. Ele é muito importante, faz parte da nossa necessidade, economia e cultura, mas não pode ser o principal agente de transporte e investimentos da cidade. A prioridade deve ser sempre as pessoas, começando da acessibilidade para os pedestres, com foco naqueles com mobilidade reduzida, no transporte coletivo e no transporte ativo e não motorizado”, conclui o arquiteto.
Se compararmos a utilização do espaço físico nas cidades, o transporte público é aquele que leva o maior número de pessoas e consome o menor espaço físico. Por exemplo, para transportar 48 passageiros, precisamos de apenas um ônibus, ocupando 50 metros quadrados. “Se o meio for o automóvel, precisaremos de 40 carros e cerca de 1 mil metros quadrados. Se for de bicicleta, seriam 48 unidades e cerca de 100m2. Já que precisamos otimizar o espaço existente nas ruas, nada mais racional do que investir no transporte não motorizado (ou ativo como os profissionais costumam chamar) e no transporte coletivo de qualidade”, conclui o arquiteto.
O fato é: seja para locomoção ou para prática de atividade física, a bicicleta, magrela, bike ou bici proporciona inúmeros benefícios ao usuário. A aposentada Níncia Araújo, de 78 anos, acredita que as pessoas ficam mais próximas. “Com os carros, a máquina fica entre as pessoas. Com o movimento das bicicletas, a relação com a comunidade é outra. Além de diminuir o estresse, o trânsito, é um ganho para a saúde”, afirma a aposentada. Na manhã de ontem, Níncia caminhava com a cachorra Googlina e se surpreendeu com o evento: “Precisamos de mais encontros e campanhas de conscientização. Pode observar: 99% dos carros são ocupados apenas por uma pessoa e, a cada dia, mais veículos transitam pela cidade ”.
Morte no trânsito
Um ciclista de 16 anos morreu ao ser atropelado por um ônibus do transporte público na noite de quinta-feira, em Betim, na Grande BH. O jovem foi arrastado e acabou parando embaixo do veículo. Segundo a Polícia Militar, o condutor do ônibus informou que estava trafegando pela Rua Dom Bosco, no bairro de mesmo nome, quando escutou um barulho forte. Em seguida, parou o ônibus ao ser avisado por passageiros e pedestres de que havia atropelado um ciclista. Testemunhas disseram aos policiais que o atropelamento ocorreu no cruzamento com a Rua Francisco Belém. O condutor teria parado o ônibus e, ao arrancar, o ciclista foi atingido e arrastado. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) constatou a morte do jovem. Populares que estavam no local ameaçaram o motorista do ônibus, que teve de deixar o local e só voltar quando as viaturas da Polícia Militar chegaram.