O Ministério Público Federal (MPF) instaurou ontem procedimento para apurar denúncias de suposto uso fraudulento de cotas raciais para ingresso no curso de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por estudantes que não teriam direito ao benefício. Além da ação da procuradoria, está em andamento sindicância aberta pela própria instituição de ensino, após matéria publicada no ano passado pelo Estado de Minas, cujo resultado poderá responder a algumas questões, mas deve abrir novas controvérsias. Foi o que ocorreu em outras iniciativas que buscaram fazer uma triagem entre estudantes autodeclarados negros, pardos ou indígenas no processo seletivo para instituições federais de ensino superior. Na Federal de Uberlândia (UFU), projeto pioneiro para tentar barrar o uso indevido das cotas se transformou em batalha judicial, após eliminar a maioria dos candidatos à ação afirmativa baseada no perfil étnico.
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O professor Dennys Xavier, que ocupava na época o cargo de diretor de processos seletivos, conta que desde que assumiu o cargo em janeiro suspeitou de mau uso da política de cotas, por causa de reclamações informais. “Formalmente, pouco chegava, pelo fato de os alunos terem receio de sofrer retaliação dos colegas ao denunciar. O espírito do sistema de cota é a reparação histórica fundada em preconceito racial. Mas o que vimos são alunos brancos, muito distantes de ser considerados pardos, entrarem no sistema de cota”, diz.
A partir dessa percepção foram montadas na UFU duas bancas, com três pessoas cada uma (um técnico, um professor e um aluno) – todos estudiosos e envolvidos em movimentos étnicos e raciais. O candidato tinha que responder a uma única pergunta: “Você já sofreu algum tipo de preconceito racial?”.
Após o primeiro resultado da triagem, não foi possível preencher as vagas reservadas a pardos, negros e indígenas. Por isso, foi preciso uma segunda chamada com o restante das pessoas que se autodeclararam e que tinham condição de ingressar na universidade para passar pela avaliação da comissão, de acordo com Xavier, que após o processo diz ter sido exonerado do posto. “A Lei de Cotas é de 2012. Em cinco anos, nunca fizemos qualquer tipo de verificação. Posso dar garantia de que isso ocorre em todas as universidades federais. A lei não diz como o gestor deve proceder. Por exemplo, o que é pardo? Qual é o critério para determinar que uma pessoa é parda? Se não houver comissão que valide ou não as autodeclarações enquanto a lei estiver em vigor, ela será uma fraude.”
Pesquisadora do programa Ações Afirmativas na Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, militante negra e professora na educação básica da rede municipal de Belo Horizonte, Aline Neves Alves afirma que as políticas temporárias, de ações afirmativas, têm o caráter de corrigir desigualdades históricas. “Algo reconhecido em diferentes esferas do Estado e fruto de reivindicações dos movimentos sociais negros do país. A entrada de cotistas, autodeclarados negros e negras, está em curso há alguns anos e já existem experiências e pesquisas a respeito que precisam ser compartilhadas e aprimoradas”, afima.
Entrevista
Armindo Quillici Neto, pró-reitor de Graduação da UFU
‘‘Ninguém foi coagido’’
Considerando que a lei fala somente em autodeclaração para o acesso às cotas, sem exigir ou formular mecanismos de comprovação, a desclassificação de estudantes após avaliação de uma comissão não pode ter a legalidade questionada?
Não é ilegal. As entrevistas tiveram acompanhamento do Ministério Público Federal, que já as reivindicava da UFU.
Foram chamados outros alunos para ocupar essas vagas ou elas estão ociosas?
Houve uma mudança de vagas entre as modalidades, especialmente de outras modalidades para as cotas.
A comissão teve o aval da Reitoria?
Sim, teve autorização.
A universidade pensa em reverter essas situações e confirmar a matrícula desses alunos?
Não, o assunto já está encerrado e as pessoas que não ficaram satisfeitas devem recorrer judicialmente.