O governo federal revisa o sistema de cotas raciais na tentativa de impedir fraudes na política de ingresso às universidades públicas do país. Ontem, ao anunciar que haverá cobrança de mais rigor para verificar a condição de alunos que se autodeclararem negros, pardos ou indígenas no processo seletivo, o secretário especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Juvenal Araújo, atribuiu à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a responsabilidade por supostas irregularidades no acesso de alunos a vagas reservadas no curso de medicina da instituição. “A universidade não acatou a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou, por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, de 2012, que não é suficiente o aluno se autodeclarar pardo ou negro para ter direito à cota. É necessária a criação de mecanismos para impedir as fraudes.” Araújo disse ainda que vai pedir à UFMG o cancelamento da matrícula de pelo menos um dos estudantes envolvidos nas denúncias.
Entre os mecanismos para combate a fraudes, informa o titular da secretaria vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, está a criação das comissões de triagem, que para ele não devem ser vistas como “tribunais raciais”, muito menos punição. “Elas são para garantir as vagas para as populações negras e indígenas”, afirmou o secretário, lembrando que as ouvidorias são outro mecanismo importante nesse contexto. Ele adiantou que está sendo proposta pelo Ministério de Direitos Humanos ao Ministério da Educação a edição de uma portaria para que as universidades criem os grupos de avaliação.
Porém, onde comissão do tipo chegou a operar, a polêmica não apenas continuou, como foi parar no Judiciário. Em sua edição de ontem, o Estado de Minas mostrou que na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), projeto pioneiro para tentar barrar o uso indevido das cotas raciais se transformou em batalha judicial, após eliminar a maioria dos candidatos à ação afirmativa baseada no perfil étnico. Pelo menos três calouros ingressaram com ação na Justiça depois de aprovados em vestibular próprio da instituição para começar a estudar neste semestre, mas desclassificados por não obedecer aos critérios estabelecidos para comprovação de raça e etnia. Entre os candidatos convocados pela comissão, metade não compareceu. Dos 50% restantes, metade foi reprovada."As cotas não correm risco, são um assunto superado. Agora discutimos os mecanismos de controle. Inclusive, estamos com uma agenda na própria UFMG para discutir a questão dos mecanismos de controle dos alunos"
Juvenal Araújo, secretário especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
Reunião com a reitoria
Segundo o secretário Juvenal Araújo, estão sendo feitos estudos e consultas para que as comissões estejam aptas a aprimorar o sistema de cotas, a exemplo do que já existe no serviço público “com êxito”. “As cotas não correm risco, são um assunto superado. Agora discutimos os mecanismos de controle. Inclusive, estamos com uma agenda na própria UFMG para discutir a questão dos mecanismos de controle dos alunos”, disse o secretário. As denúncias relativas à Federal surgiram a partir de movimentos negros que contestam a entrada de alguns alunos pela modalidade racial da Lei de Cotas. O assunto foi mostrado em reportagem do Estado de Minas em abril do ano passado, o que motivou a criação de uma sindicância na instituição. O resultado do trabalho deve ser divulgado este ano.
Política não corre risco, diz secretário
Segundo o secretário de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Juvenal Araújo, o caminho não é eliminar das cotas os estudantes que se autodeclaram pardos ou fazer uma seleção via teste de DNA. “Hoje, a entrada na universidade ocorre por meio dos ‘aspectos fenotípicos’ do candidato. Mas nós fizemos uma consulta pública e tivemos alguns seminários para definir esse mecanismo. É colocado em debate se vamos continuar com a questão do fenótipo (aspectos físicos) ou se vamos aperfeiçoar o mecanismo de controle. É preciso um mecanismo que seja efetivo e que funcione em todo o território brasileiro.”
Conforme a lei que regula o sistema de cotas, cabe à Secretaria Nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial o acompanhamento e avaliação do programa. “Precisamos aperfeiçoar o mecanismo de controle de combate às fraudes no sistema de cotas. Um sistema que evite ao máximo a fraude ou a dificuldade para o aluno negro ingressar. Essa banca é a mesma orientada pela Universidade Federal de Uberlândia. Só o sistema de autodeclaração não é suficiente”, afirmou. A UFMG, por meio de sua assessoria, informou ontem que não comentaria as declarações do secretário.
ABALO A denúncia de que estudantes do curso de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) teriam fraudado o sistema de cotas raciais, autodeclarando-se pardos ou negros, provocou celeuma no Câmpus Saúde, na Região Hospitalar de Belo Horizonte. Mas alunos desconversam quando o assunto gira em torno da reserva de vagas por critérios étnicos.
Também na tarde de ontem, o advogado Gilberto José da Silva, pai da estudante do primeiro período de medicina Rhuanna Laurent Silva Ribeiro, de 19 anos, que se viu envolvida em denúncias de ter burlado o sistema de cotas, revelou que a filha, abalada emocionalmente com a situação, precisou de atendimento no Núcleo de Apoio Psicopedagógico aos Estudantes da Faculdade de Medicina (Napem). “Ela ainda não conseguiu reiniciar as aulas. Estamos fazendo um grande esforço para que ele não desista da faculdade”, disse Gilberto. A universitária, que se autodeclarou parda, reiterou a condição em entrevista ao Estado de Minas: “Eu me autodeclarei parda, pois é o que sou. Descendo de negros e índios. Esta é a minha etnia, o meu contexto familiar. Nunca me autodeclarei negra”. A assessoria de imprensa da Faculdade de Medicina informou que o serviço está aberto a qualquer estudante, e acrescentou que não pode informar se qualquer dos envolvidos nas acusações cancelou sua matrícula no curso.