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Estado de Minas

Aumento de áreas irrigadas em Minas pode pressionar mananciais já comprometidos

Áreas com sistema intensivo de uso da água devem crescer 84% no estado, elevando riscos sobre os rios já assoreados. Bacia do São Francisco, superexplorada, tende a ser uma das mais afetadas


postado em 05/10/2017 06:00 / atualizado em 16/10/2017 11:47

Canal de entrada do São Francisco no Projeto Jaíba, maior iniciativa de agricultura irrigada na América Latina, precisou ser desassoreado(foto: Luiz Ribeiro/EM/DA Press - 20/8/17)
Canal de entrada do São Francisco no Projeto Jaíba, maior iniciativa de agricultura irrigada na América Latina, precisou ser desassoreado (foto: Luiz Ribeiro/EM/DA Press - 20/8/17)

A área total destinada à agricultura irrigada em Minas Gerais deverá avançar 84,15% até 2030, levando o estado à segunda posição no ranking nacional de expansão das terras com uso artificial de água nas lavouras. Essa é a perspectiva para Minas indicada pelo Atlas Irrigação, documento produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA). A extensão do território mineiro irrigado deverá sair de 1,1 milhão de hectares, de acordo com levantamento relativo a 2015, para quase 2 milhões de hectares em 2030, o que liga o alerta de especialistas em preservação do meio ambiente, devido à pressão sobre os recursos hídricos, que já passam por uma crise sem precedentes e são alvo de conflito em várias regiões de Minas.

A estimativa preocupa especialmente em razão das condições em que se encontra o Rio São Francisco, manancial que completou ontem 516 anos desde que foi descoberto pelo navegador espanhol Américo Vespúcio, e atingiu o pior nível de degradação já registrada em sua história na forma de assoreamento, poluição e falta de chuvas. Em sua edição do dia 24 do mês passado, o Estado de Minas revelou com exclusividade que o curso d’água recebe anualmente 23 milhões de toneladas de sedimentos, com base em estudo conjunto do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

No atlas da irrigação elaborado pela ANA, só Tocantins aparece à frente de Minas Gerais em taxa de aumento percentual de área irrigada no período de 15 anos analisado pelo estudo. O estado do Norte do Brasil sairá de 127 mil hectares para estimados 256 mil hectares irrigados, nas projeções da agência reguladora, o que equivale a dobrar o território em que a água será usada na agricultura de forma artificial.

"Temos modelos extremamente obsoletos e que demandam quantidade de água absurda. O exemplo máximo é a tecnologia de pivô central, que é absolutamente defasada e que consome muita água"

Marcos Vinícius Polignano, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Velho Chico

Em extensão de área que será irrigada, no entanto, nenhum estado ganha mais hectares até 2030 do que Minas. O estado terá, se a projeção se confirmar, pouco menos de 1 milhão de hectares irrigados a mais para o cultivo de alimentos (910.851). Dos mais de 3 milhões de hectares que devem se tornar irrigados em todo o Brasil em 15 anos, 29% estarão em Minas Gerais.

A situação retratada no estudo da ANA preocupa o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, maior afluente do São Francisco em extensão, Marcus Vinícius Polignano. Os danos ao estado podem se agravar se o aumento de áreas irrigadas significar também crescimento do desmatamento da vegetação nativa do estado, segundo o ambientalista.

“Antes de se pensar em projetos de irrigação, é necessário ter em mãos o mapa em que já observamos problemas de demanda de água para que essa irrigação não seja para áreas onde já existem conflitos. Não adianta irrigar com água de rios que já estão com problemas”, afirma o especialista.

TECNOLOGIA QUESTIONADA Especialista em recursos hídricos e coordenadorexecutivo do Atlas Irrigação, Thiago Fontenelle destaca que a expansão das áreas irrigadas leva em consideração apenas territórios que já foram desmatados e que recebem pastagens ou então onde é desenvolvida a agricultura não irrigada, conhecida como irrigação de sequeiro. Não há previsão de irrigação em área de mata nativa.

Fontenelle destaca que, apesar de tratar de projeções, o Atlas traz tendência bem realista, levando-se em consideração média anual de aumento de 220 mil hectares que tem sido cumprida nos últimos anos no Brasil. “O estudo é importante justamente para sabermos se nessas áreas há suporte para a demanda e com isso emitir ou não outorgas. A outorga serve exatamente para identificar se há disponibilidade daquilo que o empreendedor está pedindo”, afirma o especialista. Ele também destaca que o maior uso da água é regulado pelos estados.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)
A ANA faz a gestão diretamente na calha dos rios federais. Afluentes que nascem e deságuam dentro de um único estado são de responsabilidade dos governos estaduais. No caso de Minas Gerais, Fontenelle afirma que a Bacia do Rio São Francisco não é a área de maior expansão da irrigação no estado. “Embora o aumento na área do São Francisco também deva ser forte, muitos desses territórios previstos no Atlas em Minas ficam nas proximidades do Triângulo Mineiro, que drenam mais para a Bacia do Rio Paraná”, acrescenta.

O coordenador do Atlas Irrigação observa que não se pode desconsiderar o fato de que a agricultura irrigada melhora as condições anteriores do solo, pois ela se instala em áreas ou de pastagens ou da produção agrícola em sequeiros. “Normalmente, quando o irrigante se instala, ele não leva só irrigação, mas também melhor manejo, melhores insumos, assistência técnica e extensão. É um pacote que traz manejo e produção do solo muito melhores, gerando muito mais riqueza”, argumenta.

A despeito da visão até otimista de Fontenelle, a própria tecnologia usada nos sistemas de irrigação é questionada por ambientalistas, a exemplo de Marcos Vinícius Polignano, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Velho Chico. Polignano diz que essas irrigações preocupam. “Temos modelos extremamente obsoletos e que demandam quantidade de água absurda. O exemplo máximo é a tecnologia de pivô central, que é absolutamente defasada e que consome muita água”, diz Marcus Vinícius.

REGULAMENTAÇÃO Em nota encaminhada ao EM, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), por meio de sua assessoria de imprensa, informou que o estado já trabalha com deliberação normativa diante da situação de escassez de água. O Conselho de Recursos Hídricos de Minas aprovou em 2015 medida que criou diretrizes e critérios gerais para definir situação crítica de escassez e estado de restrição de uso de recursos hídricos superficiais.

“Essa deliberação impõe restrições de volumes diários outorgados a todos os usos consuntivos da água, com variações nos percentuais de redução no volume diário de outorga, sendo: 20% do volume para as captações de água para consumo humano, dessedentação animal ou abastecimento público; 25% para a irrigação; 30% para consumo industrial e agroindustrial; e 50% do volume outorgado para as demais finalidades”, diz a nota.

Outra resolução conjunta do Igam e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) estabelece condições para a implantação de sistema de medição para monitoramento dos usos e intervenções em recursos hídricos. A nota informa ainda que o Igam não tem informações sobre a base do estudo feito pela ANA e que, portanto, seria precipitado fazer qualquer avaliação a respeito dos dados.

USUÁRIO VORAZ Os sistemas de irrigação são os maiores e mais dinâmicas usuários da água dos mananciais no Brasil e no mundo, segundo a ANA. A maior parte da água é evapotranspirada por plantas e solos e não retorna diretamente aos corpos hídricos em um curto espaço de tempo. Ainda segundo a agência reguladora, a agricultura irrigada é responsável pela retirada de 969 mil litros de água por segundo e pelo consumo de 745 mil litros por segundo. Considerando-se os demais usos, esses volumes correspondem a 46% da vazão total retirada (2.105m³/s) e a 67% da vazão de consumo (1.110 m³/s).

Sina do São Francisco


Causas do assoreamento do Rio da Integração Nacional, que nasce em Minas

» Irrigação

» Remoção da vegetação nativa, o que faz enfraquecer a estrutura
do solo

» Com a terra mais exposta, a superfície impermeável aumenta e muda o escoamento e a dinâmica da água

» Urbanização descontrolada

» Projetos de infraestrutura de grande impacto

Fonte: Relatório Modelo da Bacia do São Francisco/Usace/Codevasf


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