Jornal Estado de Minas

Vítimas da tragédia em creche de Janaúba estavam em festa do Dia das Crianças

Janaúba – Juan Pablo Cruz dos Santos; Luiz David Carlos Rodrigues; Ruan Miguel Soares Silva; Ana Clara Ferreira Silva; Renan Nicolas dos Santos Silva. Como os seis alunos que nunca mais responderão à chamada na Creche Gente Inocente, de Janaúba, cerca de 40 crianças na faixa de 3 a 6 anos foram levadas ontem à unidade por seus pais – a maioria trabalhadores simples – com muita expectativa. Seria dia de pula-pula e outras brincadeiras, parte dos preparativos para a comemoração do Dia das Crianças. Mas, em vez da festa, tornaram-se personagens de uma tragédia que nunca mais sairá da memória da cidade.

O que se sabe sobre o massacre de crianças em Janaúba


Às 9h30min, o vigilante Damião Soares dos Santos, de 50 anos, entrou na creche e, usando gasolina, ateou fogo à sala onde os alunos estavam. Além das seis crianças mortas no incêndio, das mortes do próprio vigia e de uma professora, outras 21 crianças e duas educadoras precisaram de atendimento, muitas delas em estado grave.

A tragédia parou Janaúba, cidade de 71 mil habitantes, distante 560 quilômetros de Belo Horizonte). As vítimas inicialmente foram levadas para o hospital regional do município e para o Hospital Fundajan. Para prestar socorro, foram convocadas equipes do Samu e médicos de municípios vizinhos. A cidade também teve um grande movimento com a chegada e partida de helicópteros e aviões das polícias Militar e Civil e do Corpo de Bombeiros, que transferiam feridos com quadros mais graves para hospitais de Montes Claros e da capital.



Na porta do Hospital Regional de Janaúba houve grande concentração de pessoas, entre parentes das crianças da creche, pais em busca de informação sobre o estado de saúde dos filhos, curiosos, policiais, equipes médicas e de imprensa.
Diante da desinformação das famílias, até um carro de som foi usado para divulgar os nomes das crianças que deram entrada nas duas maiores unidades de saúde da cidade.

A solidariedade também prevaleceu. Atendendo ao apelo das equipes de saúde, dezenas de pessoas se concentram em frente ao laboratório do Hospital Regional para doar sangue. As polícias Militar e Civil de Montes Claros também fizeram pedidos pela imprensa e em redes sociais, solicitando doação de sangue para as vítimas da tragédia.



SEM DEFESA As vítimas da tragédia estavam em uma sala de cerca de 40 metros quadrados na Creche Criança Inocente, adaptada em uma casa no Bairro Rio Novo. Segundo testemunhas, às 9h30min Damião chegou à creche e, como era conhecido, passou facilmente pelo portão de entrada, com uma mochila nas costas, sem gerar desconfiança. Ele se dirigiu até a diretora da unidade, que estava em sua mesa de trabalho, adaptada na mesma sala onde se encontravam as crianças em atividade de recreação.

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Damião fez algumas perguntas à diretora sobre o seu afastamento temporário do serviço. De repente, abriu a mochila e retirou de dentro dela um pote usado para a venda de sorte, que estava cheio de gasolina. Imediatamente, começou a espalhar o combustível em direção às crianças e pela sala.

Na sequencia, ateou fogo. As chamas se espalharam rapidamente, sem que as crianças conseguissem escapar.

"Encontrei meu filho morto"


“Eu acordei cedo e fui trabalhar. Meu filho foi para a creche e achei que à tarde estaria com ele de novo. Mas acabei encontrando ele morto, com o corpo todo queimado, no hospital.” O relato dramático é do trabalhador rural Paulo Pereira dos Santos, de 28 anos, pai do menino Juan Pablo Cruz Santos, de 4 anos, uma das seis crianças mortas no incêndio da Creche Gente Inocente, em Janaúba. “Dá muita revolta na gente saber que uma criança inocente pagou com a vida pelos problemas de outra pessoa”, disse o lavrador, referindo-se ao vigilante Damião Soares dos Santos, que ateou fogo à unidade de ensino infantil usando gasolina e também morreu.

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Juan Pablo era o único filho de Paulo Santos e da doméstica Ana Paula Cruz Santos, casados há cinco anos. Eles vivem no Bairro Santa Terezinha, afastado três quilômetros do Centro de Janaúba e próximo a plantações de banana, onde trabalha Paulo. Ontem a casa simples foi tomada por uma profunda tristeza, que deve aumentar ainda mais hoje, quando o corpo de Juan Pablo será velado na moradia.

Para agravar a comoção na família, Renan Nicolas dos Santos Silva, que também morreu, era primo e vizinho de Juan Pablo.

Ainda diante da perplexidade provocada pelo massacre, moradores se aglomeraram em rente a hospital em busca de notícias - Foto: Luiz Ribeiro/EM/DA PressNa manhã de ontem, Ana Paula levou Juan de bicicleta pelos oito quilômetros que separam sua casa da creche. Mas não teve como buscar o filho. Paulo conta que estava trabalhando quando soube pelo rádio do incêndio na creche. Saiu desesperado e foi até o hospital, em busca de informações. Depois de perguntar muito, por intermédio de um policial militar tomou conhecimento de que o filho estava entre as vítimas. A mãe só veio a saber da triste notícia no fim da tarde. Ficou desesperada.



SEM EXPLICAÇÃO Ao acordar, Fernanda da Conceição Rodrigues também não podia imaginar o sofrimento que o dia lhe reservava. Mantendo a rotina, ela se levantou por volta das 6h, preparou o café e arrumou a roupa do caçula, Luiz David Carlos Rodrigues, de 4 anos, antes de levá-lo para a creche no vizinho Bairro Rio Novo. “Ele estava muito alegre. Disse que na creche ia ter ‘brincadeira de pula-pula’, por causa da comemoração do Dia das Crianças“, conta Fernanda, também mãe de Alisson, de 12.

Fernanda foi para o trabalho em uma casa de família enquanto o marido dela, Warlei Carlos Barbosa, batalhava no ofício de trabalhador rural.
Ainda no serviço, Fernanda soube que foi o filho foi uma das vítimas da tragédia. “Isso é uma coisa que deixa a gente sem saber o que falar. Não tem explicação”, foram as poucas palavras que a mãe conseguiu expressar.

Entre os moradores de Janaúba, permanece no ar uma pergunta que continua sem resposta: por que o vigilante Damião Soares dos Santos provocou a tragédia? A polícia também continua atrás dessa

 

Mortos


Juan Pablo Cruz dos Santos, de 4 anos (aluno)
Luiz David Carlos Rodrigues, de 4 (aluno)
Ruan Miguel Soares Silva, de 4 (aluno)
Ana Clara Ferreira Silva, de 4 (aluna)
Renan Nicolas dos Santos Silva, de 6 (aluno)
Helley Abreu Batista, de 43 (professora)
Damião Soares dos Santos, de 50 (vigia)



A morte de uma heroína


Na noite de ontem, o Corpo de Bombeiros e a Prefeitura de Janaúba informaram que a professora Helley Abreu Batista, de 43 anos, não resistiu às queimaduras que atingiram quase 100% de seu corpo. Ela trabalhava no Centro Infantil Gente Inocente e, segundo o prefeito da cidade, Carlos Isaildon Mendes (PSDB), foi “uma verdadeira heroína”. “Ela entrou e saiu três vezes da sala de aula para tentar salvar as crianças”, disse.

Helley era funcionária efetiva do centro infantil e morava no município de Nova Porteirinha, separado de Janaúba por um rio. O corpo da professora ficou tão queimado que precisou ser reconhecido pelo marido por meio da arcada dentária. Outra tragédia recente marcou a vida da família: no ano passado, o casal perdeu uma filha, vítima de afogamento.

Enquanto a professora ainda lutava pela vida em Janaúba, em Belo Horizonte a tragédia levou a direção do Hospital de Pronto Socorro João XXIII a adotar o “protocolo de catástrofe”, com remanejamento de pacientes, para liberar leitos na ala pediátrica. De acordo com o gerente assistencial da unidade hospitalar, o médico Marcelo Lopes Ribeiro, foi montada uma estrutura para receber 16 feridos, sendo 14 crianças. Quatro deram entrada em estado grave a partir da 19h30 de ontem, e eram esperadas mais quatro na madrugada.

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Com uso de dois helicópteros do Corpo de Bombeiros e um da Polícia Militar, houve transferências de pacientes de maior gravidade também para Montes Claros. No começo da noite, em três aviões com instrumentos de tratamento intensivo operados por uma empresa particular que presta serviço para o governo estadual, teve início a “ponte aérea pela vida”, com o transporte das primeiras quatro crianças até o Aeroporto da Pampulha e na sequência para o Hospital João XXIII, que é referência no tratamento de queimados.

“Recebemos quatro crianças.
Todos correm risco de morte iminente. Um dos pacientes, um menino que chamamos de número 1, chegou primeiro em helicóptero vindo do aeroporto. Com 80% do corpo queimado, foi levado de imediato ao bloco cirúrgico. A menina, número 2, que também foi transportada em helicóptero, com 35% de queimadura no corpo e vias aéreas, também foi submetida a cirurgia”, explicou Marcelo.

As outras duas crianças, que chegaram ao hospital em ambulâncias da Unidade de Suporte Avançado do Samu, apresentavam quadro de queimadura das vias aéreas e, segundo o médico, foram levadas para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).

Como parte do protocolo, foi aberta uma “sala de catástrofes” para atender a demanda. Marcelo Ribeiro informou que psicólogos e assistentes sociais foram mobilizados para receber os familiares dos pacientes. “Tem muita gente ligando e perguntando o que pode ser feito. Temos um setor de apoio ao paciente e as pessoas então são orientadas, já que essas famílias vão precisar ser acolhidas”.

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