O menino Bryan Caique Oliveira Medeiros completa 2 anos hoje. Até quatro dias atrás, não estava programada nenhuma festa. Mas a família resolveu fazer uma comemoração. “Agora, pelo menos um bolinho vou comprar para festejar. Ele nasceu de novo”, diz Tamires Oliveira Ferreira, de 26, mãe do garoto, justificando o motivo da mudança de ideia repentina: Bryan era atendido pela Creche Gente Inocente, que foi incendiada pelo vigilante Damião Soares dos Santos, de 50, na manhã de quinta-feira passada, causando uma tragédia que chocou o Brasil e o mundo. O menino foi retirado da unidade uma semana antes e com isso escapou do massacre, cujo número de mortes chegou a 10, sendo oito crianças, a professora Helly Abreu Batista e o autor. Além disso, deixou mais de 40 feridos.
“Por um pouquinho, a gente estaria no mesmo desespero de outras famílias que tinham filhos atingidos pelo incêndio na creche”, afirma a mãe do garoto. “A gente passa dificuldades e não preparou festinha nenhuma. Mas, agora, vamos ter que comemorar (o aniversário) para festejar a vida de nosso filho. Ele tinha tudo para estar no meio daquela tragédia e graças a Deus não estava”, afirma Tamires, que trabalha como atendente em uma padaria e mora no Bairro dos Barbosas com o marido, o pedreiro Marcio Medeiros da Costa, de 30. Bryan é o filho único do casal, que está junto há nove anos.
Brian era levado para a creche Gente Inocente e permanecia na unidade, em tempo integral, no berçário. Foi o pai que decidiu retirar o filho pequeno da creche exatamente uma semana antes do triste acontecimento. “Percebi que meu filho estava muito triste por ficar o dia inteiro sem a convivência com a gente. Era melhor tirá-lo de lá (da creche) antes que ficasse doente”, diz Marcio.
O pedreiro conta que dois dias antes do incêndio provocado pelo vigilante Damião, uma servidora da creche ligou para a casa dele e pediu que levasse o filho à creche para as comemorações da Semana da Criança. Por sorte, o pedido foi recusado.
Tamires afirma que Bryan, embora ficasse no berçário, sempre era levado por uma funcionária da creche – amiga dela – para a sala onde Damião jogou gasolina nas crianças e espalhou o combustível pelo chão para em seguida atear fogo – conforme testemunhas, a professora Helley se atracou com ele, tentando impedir que ele riscasse o fósforo (e não isqueiro, conforme foi divulgado). “Por isso, meu filho tinha grande chance de estar no meio da tragédia. Foi Deus que o salvou. Não tem outra explicação”, afirma Tamires, acrescentando que na mesma semana da tragédia doou o uniforme e mochila de Bryan para outra criança.
“Se o Bryan estivesse lá (na creche) e tivesse ocorrido algo ruim com ele, nem sei o que seria da gente. A nossa vida teria acabado. Sem esse menino, a vida não teria mais sentido. A alegria da nossa casa é ele”, declara Marcio, emocionado.
Ele se lembra que a mulher teve um problema de cisto no ovário e precisou fazer tratamento durante quase sete anos para engravidar. “Quando ele ‘veio’, foi até uma surpresa para mim”, revela Tamires, ao lembrar da gravidez no meio do tratamento.
O desfecho de sorte do filho do casal diante da tragédia também emocionou outras pessoas da família. Na manhã seguinte após o ataque às crianças e o incêndio na creche, no meio da movimentação de policiais, perícia e imprensa, uma cena quase passou despercebida em frente à unidade de ensino infantil. Uma mulher, discreta, colocou dois vasos de flores (violeta) no muro em frente a creche. A mulher em questão era a doméstica Helenice Olliveira, tia de Bryan.
“Estou prestando uma homenagens às mães sofridas e também agradecendo a Deus pela salvação do meu sobrinho”, disse Helenice, que foi ate o local em companhia do irmão, o marceneiro Everaldo Oliveira Ferreira. “Como mãe também fico muito chocada. A gente nunca imaginava que fosse acontecer uma coisa dessas aqui”, diz a mulher, que tem quatro filhos: Ingrid, de 13; Yasmin, de 11; Cauã, de 9 e Isaac, de 5.
Dormiu até mais tarde
Perdeu a hora, ganhou a vida do filho. Assim a balconista Gisele Silva da Soledade define o ocorrido com ela no dia da tragédia na creche Gente Inocente. O único filho de Gisele, Pietro Gabriel Silva Souza, de 4 anos, era aluno da mesma turma da professora Helley Abreu Batista, que foi atacada pelo vigilante Damião Soares dos Santos. A criança escapou do massacre porque na manhã de quinta-feira passada Gisele não acordou a tempo e não levou o filho para a instituição que foi incendiada. “Acho que foi Deus que me fez dormir até mais tarde. Não era a hora do Pietro. Agradeço muito a Deus por continuar com meu filho”, emociona-se Gisele, que é mãe solteira. “Mas também estou muito sentida com os sentimentos das mães que perderam os coleguinhas do meu filho”, afirma.
Ela conta que sempre acordou exatamente às 6h13 para vestir o filho, preparar o café e levá-lo para a creche, onde o horário de entrada pela manhã é 7h, com tolerância até 7h15. “Tenho mania de logo depois de acordar ficar cinco minutos mexendo no celular. Mas, naquele dia, dormi de novo. Aí, quando acordei, eram mais de 7h e não dava mais tempo de levar o Pietro para a creche”, relata a balconista.
Gisele mora com o filho e outras pessoas da família do pai dela, o agricultor Generino Romualdo, que também é dono de um pequeno açougue, no Bairro dos Barbosa. Generino sempre tem o hábito de acordar pela manhã e chamar atenção de Gisele para se levantar e levar o neto Pietro para a escola, antes de se deslocar para uma pequena propriedade rural, perto da área urbana.
Mas ele diz que, justamente na quinta-feira, esqueceu de “lembrar” a filha de levar o menino para a creche. “Acordei e fui para a roça. Esqueci de chamá-la”, conta Generino. O pequeno agricultor diz que ainda pela manhã tomou conhecimento do incêndio e correu para creche. A essa altura, nem se recordava mais que não tinha despertado a filha para cuidar do neto naquele dia. O seu desespero aumentou porque procurou o garoto na creche e não teve nenhuma informação. Logo depois veio o alívio. A própria Gisele disse a ele que não tinha levado Pietro a creche porque “perdeu a hora”.
“Primeiro, chorei de desespero, porque não encontrava meu neto na creche. Depois, chorei de alegria ao saber que ele estava bem. Isso é obra de Deus”, diz Generino, afirmando que foi a primeira vez que saiu de casa pela manhã e se esqueceu de acordar a filha. “Para mim, é como se fosse aquela história do sujeito que perdeu o avião e depois o avião caiu”, compara o morador de Janaúba, que se emociona ao relembrar o fato.
Outra mãe que comemora o “renascimento” da filha é Patricia Silva Santos, de 27. A única filha dela, a pequena Ana Vitoria Silva Santos, de 5, foi transferida da creche Gente Inocente para outra unidade de ensino infantil há poucos meses. “Eu trabalhava de babá. Como deixei o serviço, achei que ela não precisava mais ficar na creche em tempo integral e a levei para outra escolinha, mais perto de casa”, conta Patricia, que também mora no Bairro dos Barbosa.
A babá diz que também sofreu com o massacre das crianças na creche. “Na hora, fiquei pensando nas crianças e nas outras mães. Também pensei como seria se minha filha estivesse lá. A única coisa que me veio à cabeça foi imaginar o fogo pegando no cabelo dela”, recorda Patricia.
Estava na creche e escapou
Do mesmo bairro da babá Patricia, a costureira Jucélia Conceição Santos, de 26 anos, mãe de Talisson Romualdo da Silva, de 3, também comemora o “salvamento” do único filho. Mas, em outra situação: Talisson estava na creche incendiada e que agora será demolida. Ele escapou ileso.
Jucélia conta que era para Talisson estar com outras crianças na sala onde o vigilante Damião derramou combustível e ateou fogo. Por sorte, no momento do ataque, o filho dela e outras crianças estavam outro local, ao ar livre. “O Talisson e outras crianças tinham brincado de cama elástica. Eles estavam “tomando banho de mangueira”, sendo cuidados por uma auxiliar, para depois voltar para a sala”, relata a costureira. “O meu filho foi salvo por um milagre de Deus”, acredita Jucélia.