O trabalhador rural Paulo Pereira dos Santos, de 28 anos, se preparava para dar um presente para o filho no Dia das Crianças, mas não poderá mais agradar à criança. Amanhã, pretende comparecer ao Cemitério São Lucas, em Janaúba, Norte de Minas, onde está sepultado o corpo do garoto Juan Pablo Cruz dos Santos, de 4 anos, e de outras oito crianças que morreram queimadas no massacre da creche Gente Inocente, que também deixou uma professora e o próprio autor da tragédia mortos. O vigia Damião Soares Santos, de 50 anos, ateou fogo a alunos e depois ao próprio corpo. “Vou ao cemitério para acender uma velinha para meu filho, como se estivesse abraçando ele”, murmura Paulo. Na semana que era para ser de festa e alegria, restou aos familiares das vítimas o luto, já que a crueldade praticada contra as crianças não sai da cabeça de ninguém. A tragédia aumenta ainda mais o sofrimento de um povo assolado pela seca, que já é considerada a pior da história de Janaúba, onde desde fevereiro não chove de forma significativa.
Leia Mais
Bombeiros reprovam duas escolas de Janaúba no quesito de segurançaDom Walmor celebra missa em homenagem a vítimas da tragédia de JanaúbaParentes de vítimas da tragédia de Janaúba recebem 4 toneladas de doaçõesCriança que se feriu em tragédia de Janaúba deixa hospital de Belo Horizonte'Tragédia absurda', diz Papa Francisco em mensagem ao bispo de JanaúbaDuas crianças feridas em creche de Janaúba deixam Hospital Odilon BehrensDuas crianças feridas em creche de Janaúba deixarão hospital de BH nesta quarta-feiraCruz Vermelha vai doar mais de 1,3 mil brinquedos para crianças em Janaúba'Mateus foi o último que consegui tirar', conta pedreiro que ajudou a salvar crianças em JanaúbaJuan Pablo estava muito feliz, porque, no dia anterior à tragédia, pela primeira vez ele foi a uma piscina. Em comemoração à Semana da Criança, a escola promoveu uma série de atividades. Como parte delas, na quarta-feira os alunos foram brincar no Clube Caiçara. “Eu comprei para ele biscoito, pipoca e também uma sunga. Ele estava muito feliz por ter conhecido o clube.
A família é carente, mora no Bairro Santa Terezinha, que fica a cinco quilômetros da área urbana. Todos os dias, Ana Paula saía de bicicleta e levava o filho à creche, ritual que cumpriu normalmente naquela manhã de 5 de outubro. O pai saiu para trabalhar na roça, em uma plantação de bananas. De lá, tomou conhecimento da tragédia e se deslocou para a creche, onde ficou sabendo que seu filho estava no hospital. Por volta do meio-dia, foi informado de que o menino tinha morrido. Ana Paula está grávida do segundo filho e Paulo pensa em batizá-lo fazendo homenagem ao garoto vítima do massacre.
Entre a dor e a esperança
Dor parecida em uma data que deveria ser marcada pela alegria é compartilhada por Sebastiana Maria de Jesus, de 56. Ela disse que vive uma mistura de sofrimento e alívio, porque quatro netos estavam matriculados na creche.
“Esta Semana da Criança está sendo muito triste. É como se nem existisse.” O desabafo é da aposentada Ilda Maria da Conceição Rodrigues, de 62, avó do menino Luiz Davi Carlos Rodrigues, de 4, outra criança que morreu. “Esses dias estão sendo péssimos”, acrescenta Dilcivania da Conceição Rodrigues, tia de Luiz Davi. A avó afirma que a memória do neto não sai da sua cabeça. “Ele era o xodó da nossa casa”, diz, lembrando-se da felicidade do neto com o passeio ao clube no dia anterior, onde pela primeira vez brincou em um escorregador.
Os momentos de angústia e tristeza também são relatados por Elenilsa Merelo Martins, que era professora da maioria das crianças que morreram. “A Semana da Criança seria marcada por muitas alegrias e acabou se tornando uma semana de tristeza imensa, de muita dor”, diz a professora.
Planos desfeitos e vigília no hospital
A mesma sensação de abatimento que recai sobre Janaúba na Semana da Criança percorreu os 557 quilômetros que separam a cidade de Belo Horizonte, onde 11 meninos e meninas e duas professoras seguem em tratamento em três hospitais. Desde sexta-feira, a empregada doméstica Gabriela Silva Souza, de 20 anos, dorme em uma poltrona ao lado do filho, Arthur Souza Oliveira, de 2, que chegou a BH transferido para o Hospital João XXIII, mas mudou de unidade pela segunda vez, fazendo a maior parte do tratamento no Hospital Odilon Behrens.
O motivo de ela ficar 24 horas ao lado do filho é que ele pergunta por ela e pelo pai o tempo todo. Por isso a mãe foi orientada a ficar, para acalmar a criança. “Ele vai passar o Dia das Crianças aqui no hospital e isso me deixa muito triste. Ele queria muito ganhar um brinquedo e ter uma festinha, mas não vou poder fazer, porque não tenho condições. Tinha planejado comprar um carrinho que ele sempre me pediu, mas não vai dar”, afirma Gabriela.
Como gastou um dinheiro que não estava previsto no deslocamento entre Montes Claros e Belo Horizonte, Gabriela ficou sem recursos para fazer a vontade do filho, que deve ter alta nos próximos dias, mas ainda apresenta uma mancha no pulmão em virtude da inalação da fumaça no incêndio. “O Arthur teve dois delírios, falando que o fogo vai pegar ele.
Ao todo, 23 pessoas ainda seguem em tratamento em seis hospitais das cidades de Janaúba, Montes Claros e Belo Horizonte. Confira a situação de cada uma delas:
.