A luz da tarde realça ainda mais o manto azul-bordado da padroeira do Brasil. Brilha na mesma intensidade dos olhos emocionados da professora Neide Pinto Eudes, de 65 anos, devota confessa de Nossa Senhora Aparecida e testemunha de muitas graças alcançadas pela família e por amigos. Ao lado do marido, João Eudes, engenheiro, Neide segura com firmeza a imagem que acompanha, de longa data, o casal e os dois filhos, e depois prepara o altar doméstico para a reza do terço nesta quinta-feira, que tem uma aura especial para os católicos. Com muitas missas, procissões, demonstrações de fé e o tradicional foguetório ao meio-dia país afora, a Igreja celebra hoje os 300 anos da descoberta por três pescadores, nas águas do Rio Paraíba do Sul (SP), da peça quebrada, feita em terracota, de Nossa Senhora da Conceição, que então se tornou Nossa Senhora Aparecida. Hoje, no Santuário Nacional de Aparecida (SP), são esperadas cerca de 200 mil pessoas; em BH, haverá missa às 9h na Praça da Cemig, na Cidade Industrial, no município vizinho de Contagem.
Vestindo uma camiseta com a foto da imagem original existente no santuário – “Lembrança de uma amiga” –, Neide conta com orgulho que Nossa Senhora Aparecida é “madrinha” dos filhos –, Cibele, professora, casada, e Cristiano, comissário de bordo. “Quando eles foram batizados, fizemos essa consagração, assim como ocorreu com meu marido logo depois do nascimento. Ele é do Sul de Minas, onde a devoção é grande. Por isso, ao pedir proteção no dia a dia, chego aqui no altar e falo para ela: ‘A senhora é a madrinha. Então, cuide deles’”, conta a professora, mostrando uma intimidade que está presente no coração de milhões de brasileiros. “É nossa mãe. A imagem reflete a humildade e solidariedade do povo”, afirma a professora, mostrando as quatro imagens que tem na sala da casa no Bairro Ana Lúcia, em Sabará, na Grande BH.
A Arquidiocese de Belo Horizonte, com 28 municípios, está dividida em quatro regiões episcopais, uma delas dedicada a Nossa Senhora Aparecida, englobando os bairros Cabana, Vista Alegre e Nova Cintra, na capital, e Brumadinho, Betim e Contagem. No total, são 11 paróquias em homenagem à santa e cinco templos distribuídos por BH. O responsável por essa área, o bispo auxiliar dom Otacílio Ferreira de Lacerda, também à frente do Vicariato de Ação Social e Política, ressalta a força crescente da fé popular. “Nossa Senhora Aparecida ocupa um lugar especial no imaginário e no coração dos brasileiros. Tem também uma identificação com o povo negro, pois foi retirada das águas no tempo da escravidão.”
Dom Otacílio, que será o celebrante na missa campal hoje, na Praça da Cemig, conta que a imagem tem uma série de simbolismos. “Os olhos estão abertos, indicando que Maria está atenta à realidade do povo, da mesma forma que as mãos postas apontam para a atitude de oração a Deus. Já os lábios, com um ligeiro movimento de sorriso, remetem à ideia de que Maria é a cantora da esperança dos pobres.” Como a peça foi encontrada segmentada e depois colada (veja arte na página 15), dom Otacílio diz que se trata da “união de Cristo com a Igreja, sendo Cristo a cabeça e os fiéis, o corpo”. Para o religioso, apenas devoção não basta. “Devoção sem compromisso é estéril. Ela só é boa quando imitamos as virtudes, as qualidades de Maria, e nos aprofundamentos na fé.”
OUTRAS NOVENAS
Nossa Senhora é apenas uma, embora com centenas de títulos recebidos mundo afora, conforme devoção e aparições. Curioso é que, enquanto os brasileiros celebram hoje os 300 anos da aparição de Nossa Senhora da Conceição em águas paulistas, a população do distrito de Córregos, em Conceição do Mato Dentro, na Região Central de Minas, comemora com novena iniciada na sexta-feira passada a padroeira Nossa Senhora Aparecida, imagem que está no altar e, de acordo com a tradição oral, “apareceu” em 1722 em um cemitério, onde foi erguida a matriz.
O fato pouco conhecido surpreende visitantes, mas, na conversa com os moradores, vê-se que o mais importante é a história de fé. “Quando rezo, invoco Nossa Senhora Aparecida de Córregos”, diz Maria Odete de Almeida, que divide o tempo entre o cartório de registro de imóveis e o cuidado permanente com a igreja. Com a camisa da padroeira do Brasil, ela mostra a imagem da santa branca – na verdade, Nossa Senhora do Rosário – no altar-mor e duas dedicadas à padroeira do Brasil nos retábulos laterais.