A fé reúne as famílias, promove o encontro de gerações e faz a festa nos lares católicos brasileiros. Na casa da aposentada Maria Efigênia Martins dos Santos, moradora do Bairro São Geraldo, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, hoje é dia de muitas comemorações, com alvorada, procissão e presença dos quatro filhos, 10 netos, parentes, amigos e vizinhos. “Gosto de rezar por todos. E já recebi muitas graças de Nossa Senhora Aparecida, verdadeiros milagres”, conta Maria Efigênia com a camisa da padroeira do Brasil e um sorriso de quem conhece o poder das palavras. Nas paróquias (veja programação), as atividades serão durante todo o dia, com toque de sinos, carreatas e coroação de Nossa Senhora.
Logo perto do portão, está um das referências da devoção católica de Maria Efigênia. Pintada de azul, há uma capelinha em forma de oratório, construída para duas finalidades muito especiais: em outubro, abrigar a imagem de Nossa Senhora Aparecida, e, no mês seguinte, o presépio, com as imagens do nascimento de Jesus. “Já testemunhei dois milagres envolvendo meus filhos. Vidas salvas do desabamento de um barranco e de um incêndio. Entrego tudo nas mãos dela e de Deus”, revela a aposentada.
Nessa história tem lugar especial o neto Rodrigo Martins, de 17, que, desde a infância, acompanha os passos da avó e a ajuda a preparar a capelinha para os festejos religiosos. Dessa vez, o estudante montou o altar com uma estrutura dourada, incluindo flores, anjos, o Divino Espírito Santo, e, para dar as boas-vindas aos visitantes, pendurou no muro da frente bandeiras recortadas de uma toalha de mesa trazida de Aparecida (SP). “Ele era bem pequeno, tinha seis meses, e já ia comigo às procissões”, recorda-se Maria Efigênia.
“Se me perguntassem, quando menino, se eu preferia uma festa do dia das crianças ou de Nossa Senhora Aparecida, responderia com certeza que ficaria com a segunda”, diz Rodrigo, com o terço na mão e os olhos voltados para o altar iluminado por velas. Mineiramente, muitos devotos se referem à padroeira como Nossa Senhora “da” Aparecida” e chamam a cidade paulista de Aparecida “do Norte”, o que, sem dúvida, soa mais forte, já que o ponto cardeal significa direção, caminho e rumo na vida. Em todo canto, não é raro ouvir homens e mulheres chamando a padroeira de Mãe Aparecida.
Está quase na hora da novena das 19h e Rodrigo confere os últimos detalhes na capelinha. Perto do telhado, ele mostra um tijolinho que veio de Aparecida e uma relíquia, com um pedaço do manto da padroeira, que é trocado anualmente. “Acho que o mais importante é ter fé. Durante a reza, estamos unidos”, revela o jovem.
AMOR MAIOR
Brincos, pingente, chaveiro e muitas imagens no altar doméstico. A professora de matemática Ana Maria Adalberto Carvalho, casada com o geógrafo Ricardo Carvalho e mãe de Mariana Aparecida, de 32, e Ricardo, de 29, guarda com muito carinho as lembranças de viagem a Aparecida e também objetos recebidos de pessoas queridas, como uma peça luminosa que ganhou da sogra. “Nossa Senhora Aparecida é a grande intercessora do povo junto a Deus”, acredita Ana Maria.
Na sala da casa no Bairro Idulipê, em Santa Luzia, a professora explica que a devoção à padroeira do Brasil entrou em sua vida de forma espontânea. “Não há exatamente uma data, mas sou dessas fervorosas, de ir à igreja, de rezar em casa, enfim, o tempo todo em oração”, conta Ana Maria, revelando uma passagem de sua vida que, felizmente, não deixou sequelas. Em 1984, numa escola da Região Norte de BH, foi professora de uma menina que estava com rubéola e sentava na primeira carteira da sala de aula. “O problema é que eu estava grávida e ainda não sabia.”
As consultas com a ginecologista recomendaram cautela, já que se a mãe estivesse com rubéola a criança poderia nascer cega, surda ou com outros problemas. “Mas, como a médica era muito conscienciosa e experiente, foram feitos muitos exames e houve monitoramento constante. “Conversamos muito e resolvemos levar a primeira gravidez adiante. Foi um período difícil, rezei muito para Nossa Senhora Aparecida. E Mariana nasceu muito saudável, tanto que se chama Mariana Aparecida em homenagem à santa”, afirma Ana Maria, que não teve a doença contagiosa.
Já no Bairro Serra, na Região Centro-Sul de BH, os irmãos José Carlos Cardoso, de 53, dono do bar Zé Pretinho, e Adilson Cardoso, de 43, mantêm acesa, noite e dia, a chama da devoção. Na verdade, é tanta que as letras NSA estão na camisa de trabalho dos dois. Com um jeito carinhoso, José Carlos também mostra total intimidade com a santa protetora. “Converso, com ela, chamo de ‘Pretinha’. Rezo todos os dias pedindo ajuda”, conta o dono do bar, que tem um oratório no canto, e, nos momentos de maior dificuldade, pede “uma força”.
Quase anoitecendo, o movimento do bar no começo e o popular Zé Pretinho conta que, quando se separou da mulher, levou consigo apenas as duas imagem de Nossa Senhora Aparecida. O irmão Adilson fortalece a devoção e, de repente, mostra o braço esquerdo com a tatuagem da santa encontrada há 300 anos nas águas do Rio Paraíba do Sul (SP) e que se tornou Nossa Senhora Aparecida.
Sempre sorridente, Zé Pretinho eleva uma imagem colorida, presente de uma amiga que chegou de Fortaleza (CE) e outra pequena, em 3D. “Em casa, tenho mais 10”, conta o homem que, pela sua fé, confessa que nunca fica doente e vive em paz. Unidos, os irmãos fazem a festa para a criançada em 27 de setembro, quando vestem de Cosme e Damião e distribuem balas e confeitos para a garotada do bairro.