Uma máquina que nunca para, trabalha a todo vapor e que tem sofrido em suas engrenagens o peso da crise financeira na saúde enfrenta, desde a última semana, um de seus maiores desafios. O Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, referência em Minas no atendimento a politraumatizados, intoxicação e queimados, ativou seu protocolo de catástrofe para receber 11 vítimas do incêndio na creche em Janaúba, no Norte de Minas, no último dia 5, que já provocou 11 mortes. Essa não é a primeira vez que o plano de contingência para atendimento a múltiplas vítimas é acionado, mas, agora, ocorreu em meio a um problema que se arrasta há cerca de três anos. Na unidade, funcionários convivem com atraso e parcelamento de salários, faltam médicos e outros profissionais de saúde, equipamentos estragados demoram a ser consertados ou repostos e até mesmo insumos chegam a faltar nos estoques, o que atrasa procedimentos e cirurgias. Há ainda deficiências na infraestrutura física. Funcionários sustentam que a situação afeta o trabalho e cobram melhorias e investimento na unidade de urgência e emergência que realiza 340 atendimentos por dia.
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Família de professora morta em Janaúba fala de sua devoção a Nossa Senhora AparecidaMenino ferido em incêndio na creche de Janaúba recebe alta em Belo HorizonteCriança vítima da tragédia em Janaúba tem alta médica em Montes ClarosIntegração da Fazenda Samambaia aumenta área do Parque Estadual do SumidouroConfira o estado de saúde das vítimas da tragédia de Janaúba ainda internadasUm dia antes do incêndio, o diretor do João XXIII, Sílvio Grandinetti, já havia detalhado a situação preocupante da unidade a integrantes da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais que visitaram o hospital. Na ocasião, foi constatado, segundo parlamentares, que o sistema elétrico apresentava defeitos, elevadores estavam em estado crítico, o projeto de segurança e incêndio está defasado e que em alguns casos falta até água quente para banho de pacientes. A carência de pessoal e a falta de verba também ficou constatada na visita à instituição. Somente no quadro de médicos, o déficit observado foi de 65 profissionais. “Perdemos profissionais em função das condições precárias de trabalho, e não temos governabilidade sobre o pagamento dos salários, que é feito pela Secretaria de Estado de Planejamento”, informou a assessoria de imprensa da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), por meio de nota.
Na ocasião, o diretor disse ainda que o HPS precisar de uma obra estrutural no valor de R$ 100 milhões, mas que não há perspectiva para chegada do recurso. Ele explicou que o custo de manutenção mensal do estabelecimento é de R$ 5 milhões, mas que o faturamento não chega a R$ 3 milhões.
INSATISFAÇÃO “Todos os funcionários se esforçam para oferecer o melhor para o atendimento aos pacientes. Mas é inevitável que toda essa situação acabe afetando o atendimento, porque a demanda é enorme e diária. O hospital está sempre cheio e, paralelamente a isso, equipes estão desfalcadas por causa de aposentadorias e afastamentos, e as reposições não ocorrem sempre, sob alegação de que o estado não está podendo contratar por causa de Lei de Responsabilidade Fiscal”, afirma o coordenador do Serviço de Cirurgia Plástica do João XXIII, Marcos Mafra. Além disso, há a questão dos salários, que vêm sofrendo atrasos e têm sido pagos de forma parcelada. De acordo com o coordenador, em razão de todos os problemas, funcionários estão trabalhado com sobrecarga e insatisfeitos.
“Algumas pessoas começaram a adoecer e isso tem sido visto nitidamente na rotina do hospital”, afirmou. Ele disse ainda que uma unidade que funciona a todo vapor exige manutenções permanentes, mas elas não vêm ocorrendo na mesma velocidade de que o hospital necessita. “Tudo isso envolve gastos.
O médico que, assim como tantos profissionais do HPS teve a rotina de trabalho alterada desde o dia do incêndio na Creche Gente Inocente, desabafa sobre a última semana em que pacientes gravíssimos chegaram ao hospital. “Foi uma semana de muita comoção, de muita dor. Nenhuma das crianças chegou consciente. Todas estavam entubadas e tinham estado grave. As que tiveram alta nos últimos dias estavam muito assustadas”, contou. O cirurgião acrescenta que, mesmo com toda a situação de crise, todos os funcionários que estavam de folga e foram convocados ao trabalho diante do quadro de emergência compareceram e até mesmo quem não foi chamado se prontificou a ajudar.
A respeito do atendimento às vítimas de Janaúba, especificamente, o médico conta que todos os esforços foram empenhados pelo hospital, mas reconhece que há situações pontuais em que, por demanda excessiva e falta de recursos, algum tipo de serviço é protelado. “Neste momento, há uma cobrança muito grande da sociedade e também de nós, profissionais, para resolução dos problemas das crianças e dos dois adultos (internados na unidade). Estamos trabalhando muito rapidamente e da melhor forma.
ESFORÇO Segundo a Fhemig, a atual situação do Hospital João XXIII, assim como de outras unidades assistenciais da fundação, “está sendo devidamente analisada, com a urgência que o tema requer”. “Lembramos que tanto Minas Gerais quanto os demais estados e a própria União enfrentam uma severa crise econômica, o que levou Minas a decretar calamidade financeira, exatamente com o objetivo de retomar investimentos em áreas prioritárias, como a saúde. Ainda assim, a Fhemig está envidando todos os esforços para a melhoria da estrutura do João XXIII”, afirma a nota.
O texto acrescenta que houve investimento de R$ 6 milhões na compra de outro tomógrafo, novos monitores, camas, adequação dos elevadores e da caldeira da unidade. .