Amanhã, quando o Sol ardente abrir seus olhos sobre Janaúba, ainda coberta de luto pela morte de nove crianças, pela professora que não vai voltar para a escola, pelo ato inexplicável do vigia que tocou fogo na creche lotada, encontrará na cidade do Norte de Minas dezenas de famílias com a difícil tarefa de recomeçar. Umas sem seus pequenos, outras com a preocupação dos que ainda lutam pela vida em um hospital, todas elas com o desafio de iniciar a semana tentando retomar a rotina ao mesmo tempo em que lidam com a dor da ausência, somada à dura realidade de um município castigado pela seca, pela pobreza, pela violência, pela falta de infraestrutura e de emprego.
Durante quatro dias, a reportagem do Estado de Minas conviveu de perto com famílias que tiveram filhos mortos ou feridos na tragédia. Descobriu que, nas condições adversas, a dor do massacre é multiplicada. Se “valeu a pena ter sobrevivido”, mesmo aquelas mães que agradecem a Deus pela salvação dos que escaparam do massacre passaram a sofrer ainda mais depois da tragédia. Há casos de mulheres que tiveram que largar o serviço, já que, sem a creche, interditada, não têm onde deixar os pequenos. Outras, traumatizadas, têm medo de confiar a segurança dos filhos a outra instituição.
Cássia Medeiros de Jesus, de 32 anos, é uma das faces dessa soma de dificuldades. “Não estou conseguindo dormir. A casa ficou muito ruim sem a minha Lindinha”, diz a mãe de Yasmin Medeiros Salvino, de 4 anos, uma das vítimas do ataque à creche, que morreu na Santa Casa de Montes Claros no dia seguinte ao incêndio. Sofrimento já não é novidade na vida dela, mas a angústia aumentou mais ainda com a perda da caçula – irmã de Thais, de 13, João Paulo, de 9, e Mateus, de 7."Começar de novo E contar comigo Vai valer a pena Ter amanhecido Ter me rebelado Ter me debatido Ter me machucado Ter sobrevivido"
Trecho da música Começar de novo, de Ivan Lins
As crianças são filhas de pais diferentes, mas a mãe as cria sozinha. Mora com as três em barracão cedido pela mãe dela, de quatro cômodos, em um beco sem asfalto do Bairro Rio Novo. É lá, debaixo do calor potencializado pelo telhado de amianto sem forro, que Cássia busca se conformar com inesperada partida da sua Lindinha, como chama a caçula, e ainda sem saber o que será do futuro, diante de tanta dificuldade.
Desempregada há dois anos, Cássia aponta um calhamaço de contas de luz e água que se acumulam há meses, somando cerca de R$ 400 em uma dívida que ela nem sonha como vai pagar. “Não sei nem porque não cortaram a luz e a água ainda”, disse, salientando que também deve a duas farmácias um total de R$ 370, dinheiro referente a remédios comprados para tratar das infecções de garganta da pequena.
Além da dor de mãe, ela sabe que a morte trágica da filha vai pesar em sua vida também do ponto de vista financeiro. “Eu recebia R$ 360 de pensão da Yasmin”, conta ela – apesar de acrescentar que o pai da menina, que vive em Pedro Leopoldo com outra família, até a semana passada não tinha enviado o dinheiro referente a setembro.