Os momentos de terror vividos por uma funcionária do Centro de Saúde João XXIII, no Bairro Vila Oeste, Oeste de Belo Horizonte, em pleno horário de almoço, em 19 de setembro, não saem da cabeça da mulher que trabalha no setor de limpeza da unidade.
Acostumada a cumprir o horário de descanso nos fundos do posto diariamente, há dois anos, ela teve uma arma de fogo apontada para a cabeça, por causa de um telefone celular. “Quando os dois bandidos pediram o telefone da minha amiga, inicialmente ela não deu e um disse para o outro atirar. Na hora, só pensei no pior”, relata a mulher de 37 anos, aliviada pelo fato de o assalto ter terminado sem tiros e sem feridos.
A situação vivida pela funcionária entra para as estatísticas da Guarda Municipal de BH e se junta a casos de furto, lesão corporal e ameaça, que estão crescendo em unidades de saúde, e não se restringem à capital, mas se repetem em outras cidades da região metropolitana.
Números da violência
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Para a entidade, isso se deve à saída dos porteiros que eram contratados pela prefeitura. As unidades sofrem também com arrombamentos, como o ocorrido na segunda-feira passada no Centro de Saúde São Marcos, na Região Nordeste da capital, que teve computadores e forno micro-ondas, entre outros objetos, levados por bandidos.
Mas são os ataques em que servidores e usuários das unidades de saúde são vítimas que mais preocupam. E o medo se repete em cidades da Grande BH, com destaque recente para Betim, onde médicos têm sido presas fáceis de bandidos armados.
Para os servidores, o que resta nesses assaltos, além do trauma, é o prejuízo financeiro, que não paga o dia de trabalho, como relata uma funcionaria do Centro de Saúde da Vila Oeste. “Eles levaram meu celular de R$ 900, que eu nem terminei de pagar. Entraram com o uniforme de uma determinada empresa e disseram que era assalto. Foram três vítimas no posto, todas funcionárias”, diz S.E., de 37 anos.
Duplo ataque
Segundo a Polícia Militar, existe a suspeita de que os mesmos bandidos que roubaram celulares no Centro de Saúde João XXIII tenham atacado também, momentos antes, o Centro de Saúde João Pinheiro, no bairro homônimo, na Região Noroeste da cidade, usando uma motocicleta. “Eu não estava no momento do assalto, mas minha colega ficou bastante assustada”, contou uma servidora do Posto João Pinheiro.No primeiro caso, também foram levados aparelhos de celular de vítimas. Em 2 de outubro, segundo representantes do Sindbel, uma reunião com a Guarda Municipal estava agendada para as 8h na unidade, mas a corporação não mandou representantes.
Usuários dos serviços cobram mais segurança e reclamam do medo gerado por esse tipo de ocorrência. A servidora pública estadual Waleska de Sousa Araújo, de 47, esteve no Posto João Pinheiro com a filha, Raissa de Sousa Araújo, de 22, e a neta, Alice, recém-nascida, e disse que as condições do bairro favorecem a ação de bandidos.
O presidente do Sindbel, Israel Arimar, destaca que o risco para pacientes e trabalhadores dos centros de saúde aumentou em Belo Horizonte a partir de 2016, quando a prefeitura cortou o vínculo com porteiros que trabalhavam nas unidades. “De lá para cá, começamos a notificar situações mais violentas, como assaltos em que bandidos colocam armas na cabeça das pessoas”, afirma.
A diretora de comunicação do Sindbel, Inês de Oliveira, destaca que a entidade vem tentando junto a prefeitura três situações: o retorno dos porteiros, intensificação da fiscalização física e a reforma de unidades, inserindo barreiras à entrada de pessoas que não tenham algum propósito nos postos de saúde. Porém, afirma, ainda não há indicativo de implantação de qualquer uma das medidas.
“Essa situação prejudica o atendimento, já que os servidores alvo dos crimes normalmente são liberados do serviço ou até entram de licença. Além disso, temos aumento de doenças relacionadas ao trabalho, pois os afastamentos passam a ser comuns, pelo medo gerado por essa violência”, afirma Inês.
Recentemente, segundo a dirigente sindical, uma funcionária do Centro de Saúde Cícero Idelfonso, no Bairro Vista Alegre, sofreu um sequestro relâmpago quando voltava do almoço.
Em nota, a Guarda Municipal informou que desde 2 de outubro, “está com as atenções voltadas para os postos de saúde das regionais Noroeste e Oeste da capital, com patrulhamento reforçado nas imediações de todas as unidades locais”. “O esforço diferenciado é decorrente exatamente dos episódios ocorridos nos centros de saúde João Pinheiro e João XXIII, na tarde de sexta-feira, 29 de setembro”, informou a corporação. Sobre a reunião citada pelo sindicato, a Guarda informou que não foi comunicada.
Também em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que as duas unidades que foram alvo dos assaltos estão funcionando normalmente. Após as duas ocorrências, as vítimas foram liberadas do expediente. A pasta informou que monitora a situação de forma frequente e trabalha para atender a todas as demandas. “Desde junho deste ano, a SMSA implantou um fluxo de abordagem a episódios de violência nos serviços, que direciona o trabalhador ou usuário na tomada de decisão em caso de violência. Esse fluxo vai nortear quais providências e quem acionar em cada tipo de ocorrência”, diz o texto enviado pela pasta.
Pressão em alta
Ocorrências registradas pela Guarda Municipal em unidades de saúde de BH
161 - Janeiro a agosto de 2016
185 - Janeiro a agosto de 2017
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