Janaúba – Onze mortos, sendo nove crianças e dois adultos, e 48 feridos. O saldo da tragédia na Creche Gente Inocente, em Janaúba, na Região Norte de Minas, que abalou o país e repercutiu mundo afora, gerando manifestação até do papa Francisco, poderia ter sido muito pior, não fosse a intervenção imediata de pessoas para prestar socorro às vítimas. Alguns evacuaram a área, outros prestaram primeiros atendimentos e houve quem, em uma atitude aparentemente simples de arrombar um cadeado, evitasse que o massacre fosse ainda pior. Ao lado do símbolo maior de heroísmo, a professora Heley de Abreu Silva Batista, de 43 anos, que salvou várias crianças quando já estava com o corpo em chamas e acabou não resistindo aos ferimentos, outros permaneceram anônimos em meio às próprias lembranças do horror vivido no último dia 5.
Imediatamente ele correu até sua casa, do outro lado da Rua Rozenda Pereira, no Bairro Rio Novo, apanhou uma ferramenta semelhante a um alicate chamada torquês e arrombou a corrente, facilitando o acesso à sala, localizada a três metros, e o resgate das vítimas. “Na hora do pânico, a chave não apareceu, mas quem é que conseguia encontrar alguma coisa num desespero daquele?”, lembra José Lourival. O prédio da creche não tinha extintor nem sistema de prevenção de incêndio. A construção conta com uma única porta de saída lateral e as janelas têm grades. Pedreiros que chegaram ao local antes dos bombeiros tentaram apagar o fogo com baldes e chegaram a arrancar torneiras para apressar o processo. Porém, não conseguiram debelar as chamas, que se propagaram rapidamente devido ao forro de PVC, material altamente inflamável. As placas de plástico se derreteram e tiras do material em chamas caíram sobre quem estava na sala.
José Lourival diz que carrega certa alegria por ter facilitado o acesso ao interior da creche e ajudado a salvar vidas. Mas está traumatizado por causa do que presenciou. “A pior coisa foi ver as crianças no meio do fogo. Foi horrível. Uma cena muito triste e muito dolorida, que não vai sair tão cedo da minha memória”, afirma, emocionado.
“Eu fico triste e ao mesmo tempo orgulhoso por ter aberto o portão e ter salvado muita gente. Para a gente que mora na mesma rua, a 30 ou 40 metros de distância da creche, é muito difícil toda hora olhar para o prédio e lembrar do que ocorreu”, disse.
MOBILIZAÇÃO O massacre mobilizou outros vizinhos, que guardam ainda as lembranças dos momentos difíceis do dia do massacre. “Foi muito ruim. Nem gosto de me lembrar daquilo”, afirma o estudante Mateus Ribeiro. Ele conta que havia acabado de chegar com a família do enterro de um parente quando ouviu os gritos. “Apareceu uma mulher aqui pedido socorro, querendo ligar para o Corpo de Bombeiros”, relatou Mateus, que se deslocou rapidamente para a creche, em chamas. “Tirei do prédio duas criancinhas na faixa de 2 anos. O fogo ainda não tinha chegado nelas, mas já estava perto”, revela. Gerlice Batista de Jesus, tia de Mateus, foi uma das primeiras a ligar para os bombeiros. “Eles vieram rápido. Demoraram entre 10 e 15 minutos.”
Como ela, militares, profissionais de saúde, funcionários da Creche Gente Inocente e outros anônimos contribuíram para tornar o horror daquele dia um pouco menor. A professora Heley de Abreu, que deu a própria vida para salvar seus alunos, teve sua coragem reconhecida ao deixar o nome gravado no centro de educação infantil que será construído no lugar da unidade incendiada. Joaquim Barbosa da Silva, de 45, Arley Teixeira Alves, de 31, e um colega trabalhavam na construção de uma casa a 100 metros da creche quando perceberam o tumulto e também se mobilizaram. Arley levou vítimas para a rua. Joaquim, que percebeu que o prédio só tinha uma porta de saída naquele momento, chegou a ficar na portaria para impedir o retorno de meninos e meninas para dentro da unidade de ensino e também contribuiu para salvar vidas.