Belo Horizonte se transformou em uma cidade com congestionamentos marcados no calendário. Basta um feriadão para que os arredores do Terminal Rodoviário Israel Pinheiro, no Centro da capital, se tornem intransitáveis, criando um nó que se irradia para os viadutos e túneis do Complexo da Lagoinha e deles para algumas das principais artérias de tráfego da capital. Seguindo a fórmula, o retorno do recesso de Nossa Senhora Aparecida teve ritmo de procissão ontem, desafiando a paciência de motoristas diante de uma estrutura insuficiente e de um esquema de trânsito incapaz de dar vazão ao fluxo de ônibus – urbanos e rodoviários –, carros de passeio, táxis e veículos a serviço de aplicativos de transporte. O próximo cenário caótico do tipo não é difícil de prever: tem tudo para ocorrer em 6 de novembro, segunda-feira após o feriado prolongado de Finados.
Enquanto isso, para o próximo feriadão está previsto o mesmo esquema de trânsito que visivelmente não dá conta do desafio. Tanto que a cada recesso se repetem as cenas vistas ontem: logo cedo, o grande número de ônibus de viagem buscando acesso à rodoviária provocou paralisia e lentidão em corredores importantes, como os viadutos e túneis do Complexo da Lagoinha, o Elevado Dona Helena Greco, a Praça Rio Branco, as avenidas Pedro II, Antônio Carlos, Cristiano Machado, Olegário Maciel, Afonso Pena, do Contorno e Santos Dumont, além de ruas como Tupinambás, Caetés, Curitiba, Saturnino de Brito, Paulo de Frontin, Rio Grande do Sul, São Paulo e Guaicurus. Na Afonso Pena, o trânsito estava tão intenso que as vias da esquerda, usadas preferencialmente por ambulâncias, ficaram travadas, retendo muitos desses veículos de emergência, mesmo com as sirenes acionadas, em um dos principais corredores de acesso à região dos hospitais.
No Centro, vários cruzamentos importantes da Afonso Pena, da Amazonas e da Contorno ficaram fechados pela quantidade de veículos que não conseguia atravessar a tempo, muitos deles parados sobre as faixas de pedestres. Essa situação criou ainda mais problemas para quem tentava atravessar e tinha de fazê-lo entre carros e ônibus, sob a ameaça de veículos arrancando de repente e de motociclistas impacientes costurando pelas brechas que encontravam. No entorno da Praça da Rodoviária, os pontos de ônibus e também dos táxis-lotação tinham filas que davam voltas em quarteirões, devido ao acúmulo de passageiros, já que os veículos tinham muita dificuldade de chegar até os locais de embarque e desembarque.
O motorista Evanildo Santos, de 43 anos, conduzia um ônibus de passageiros vindo de Campo Grande para a capital mineira e, segundo ele, esperou o dobro do tempo normal na chegada a BH. “Peguei a direção de Uberaba para cá e só na entrada da cidade levei meia hora para atravessar, por causa de filas de ônibus. Isso é culpa da BHTrans, e vai acontecer sempre. Tinha de haver vias exclusivas para os ônibus de viagem saírem logo do Centro”, disse.
A doméstica Jose de Andrade Pereira, de 47, chegou com as filhas de 9 e 12 de uma visita à mãe, em Vitória. Elas contam que deveriam ter chegado até as 7h30, mas que, devido ao trânsito intenso, só conseguiram desembarcar às 10h na rodoviária de BH. “Isso é um absurdo. Todo mundo ficou nervoso dentro do ônibus, dando palpites e em tempo de partir para cima do motorista. Isso tinha de ser resolvido. Agora cheguei cheia de malas, com problemas no pescoço. Meu marido veio, esperou e foi embora. Tive de ligar para ele voltar aqui para nos buscar. Minha filha vai até perder pontos em um trabalho que tinha de entregar na escola. Quando tinha a rodoviária na Estação José Cândido era muito melhor”, criticou.
A desativação do 1º de abril
Parece ironia, mas no dia 1º de abril deste ano, as alegações da Codemig para encerrar as atividades da Estação José Cândido da Silveira, um apoio à rodoviária do Centro de BH, no Bairro Santa Inês, Região Nordeste, foram justamente a “insatisfação dos usuários” e a “impossibilidade de fazer melhorias no local, por se tratar de um imóvel pertencente à União”. Essa estação de suporte estava em funcionamento desde 2012 e chegou a receber 63 embarques e desembarques diários. O fluxo médio de passageiros era de 1,4 mil pessoas/dia – número que dobrava em feriados. A operação era de 8% da capacidade de partidas e chegadas da rodoviária de BH, com embarques e desembarques para viagens interestaduais rumo a Espírito Santo, Belém, Brasília, Campos dos Goytacazes (RJ) e São João da Barra (RJ). Todo esse movimento foi redirecionado ao terminal da região central.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Osias Batista Neto, consultor em transporte e trânsito
Falta estrutura
O principal problema dos congestionamentos relacionados à volta de feriados no Hipercentro de Belo Horizonte é o fato de a nova rodoviária, prevista para ser construída no Bairro São Gabriel, ainda não ter saído do papel. Atualmente, em nenhuma cidade do país se constrói terminal rodoviário no Centro. Mas o projeto da obra, prevista para ficar próxima ao Anel Rodoviário de BH, está parado por questões judiciais ligadas a desapropriações na região. Paralelo a isso, o entorno da atual rodoviária não comporta o grande volume de ônibus que saem e chegam dos mais variados destinos durante feriados prologados. Apesar de a BHTrans ter planos operacionais, sistemas de câmeras e agentes trabalhando especificamente para essas ocasiões, vejo que é preciso aprimoramento, além de maior divulgação para que os motoristas de carros particulares conheçam bem as rotas de chegada e saída do terminal. Outro fator é que neste ano os passageiros podem ter feito um uso maior do transporte por aplicativo, cujos motoristas são particulares e não têm o mesmo conhecimento dos esquemas operacionais de tráfego para feriados.