Jornal Estado de Minas

Restauração em matriz de Conceição do Mato Dentro revela pinturas originais

Matriz de Nossa Senhora da Conceição, do século 18, terá parte do restauro liberado no início de novembro - Foto: Jair Amaral/EM/DA Press

Conceição do Mato Dentro – A primeira sensação é de encantamento. Depois, vem o impacto de cada detalhe. Finalmente, surge a necessidade premente de entender toda a história contada nas paredes e ao longo do tempo – desde a construção, no início do século 18. A Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Conceição do Mato Dentro, na Região Central, traz à tona um tesouro para aguçar os sentidos, especialmente o olhar que não se cansa de admirar cada centímetro de beleza. Na capela-mor, durante trabalho de restauração, a surpresa: especialistas encontraram 10 pinturas contando a vida de Nossa Senhora e de Jesus – as cenas bíblicas estavam escondidas sob camadas de tinta. A expectativa é de que o serviço termine em 2018, antes de 8 de dezembro, data consagrada à padroeira do município, localizado a 175 quilômetros de Belo Horizonte.

No próximo dia 7, às 16h, uma etapa importante do restauro dos elementos artísticos iniciada há dois anos – anteriormente, foram executadas as partes civil e arquitetônica – poderá ser contemplada, já livre dos andaimes, das passarelas e de outros materiais de proteção. Concluída, a Capela do Bonfim, dentro do templo, exibirá o esplendor das pinturais parietais originais (feitas diretamente sobre o reboco) recriando a Paixão de Cristo.
No forro estão a figura de Verônica, as representações das três virtudes (fé, esperança e caridade) e dos cinco sentidos emoldurando a Sagrada Família. A capela, que funciona como sacristia, tem um arcaz, igualmente restaurado, de madeira escura com fechaduras e puxadores das gavetas dourados. Típico de igrejas antigas, o móvel se destina a guardar vestes litúrgicas e alfaias.

Tombada em 1948 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e interditada desde 2005, a matriz apresentava uma série de problemas estruturais e nos elementos artísticos. Entre as questões mais graves estavam a torre, a cobertura e o madeirame, que cedia lentamente, com risco de ruir, conforme documentou o Estado de Minas em reportagens. Os recursos para salvar a construção provêm da mineradora Anglo American, por meio de uma medida compensatória firmada com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Os serviços em andamento estão a cargo da Cantaria Conservação e Restauro, com supervisão do Iphan.


Para o administrador paroquial e reitor do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinho, padre João Evangelista dos Santos, a conclusão do restauro da única matriz da cidade, vinculada à diocese de Guanhães, terá um significado muito especial. “É o fim de uma história de luta, de um tempo de muito sofrimento”, resume. Segundo ele, já foram gastos cerca de R$ 10 milhões de reais na obra, incluindo recursos da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, da empresa e um aporte de R$ 350 mil da prefeitura. “A paróquia, sozinha, não teria condições de bancar a obra.”
A equipe de restaurações, liderada por Dulce Senra, descobriu arte parietal em que são contadas histórias de Nossa Senhora e de Jesus - Foto: Jair Amaral/EM/DA Press
COLETIVO
O trabalho ganha cada vez mais intensidade no interior da igreja, onde atua uma equipe de 40 pessoas, entre restauradores e auxiliares (alguns da cidade) e técnicos. “A expectativa é conclusão no fim do ano que vem, mas igrejas antigas sempre surpreendem, pois têm a estrutura de madeira e adobe. Pode-se encontrar uma viga podre ou outro tipo de problema”, diz o coordenador da obra pela empresa, o engenheiro civil Alexandre Leal. Ele destaca a umidade como um fator de risco para as pinturas do século 18 e adianta que foi feita a revisão na cobertura e tomadas providências de segurança, a exemplo de parte elétrica, sistema contra raios e incêndios – projeto luminotécnico está previsto. Em agosto já havia sido reativado o relógio.

 

 

Bandeirante, o precursor

 

Segundo os estudiosos, a edificação começou por iniciativa do bandeirante paraguaio Gabriel Ponce de Leon, que chegou à região em 1702.

“No ano seguinte, a mulher dele mandou vir de Itu (SP), a imagem da padroeira”, conta Rosângela Domingues, integrante da Cantaria, destacando que, em sinal de agradecimento por ter encontrado ouro, o desbravador pediu para ser enterrado na frente do altar-mor da igreja. Em 1722, o templo já realizava cultos, mas as obras se estenderam por todo o século 18, devido à falta de recursos para terminá-la. Só com o auxílio real as intervenções foram concluídas em 1807.

Em cada detalhe, a riqueza única

 

À frente da equipe de restauradores, Dulce Senra, da Cantaria, se entusiasma com cada novo detalhe da empreitada, em especial da capela-mor (com ações adiantadas) e no retábulo colateral direito. “Estamos restaurando as tábuas do arco-cruzeiro e ainda vamos fazer o retábulo do lado esquerdo”, conta Dulce. Na capela-mor, ela vai mostrando as cenas da vida de Maria: do lado direito, a anunciação, a visita a Santa Isabel, a adoração dos pastores e os reis magos encontrando o recém-nascido; do esquerdo, outras passagens da vida de Jesus, como o batismo, o falso pastor e o verdadeiro pastor, a tentação de Cristo, com recriação de azulejaria. No alto, no forro, está a Assunção de Nossa Senhora, original que foi repintado com um Nossa Senhora da Conceição e depois pelo Divino Espírito Santo. “Tudo é contado de forma bem linear, mas a autoria é desconhecida”, explica Dulce.

Os olhos não se cansam de descobrir, num misto de curiosidade e deslumbramento, as cenas em policromia e também com douramentos e trabalhos em prata encobertas por camadas de tinta em 1816 e em 1933, de acordo com pesquisa dos restauradores. Conforme estudos, o artista que fez as pinturas retratadas nos azulejos copiou as gravuras do livro de Bartolomeo Ricci, de 1607.

Muito usadas como modelo pelos artistas coloniais, “as gravuras de Ricci estão nas parietais da matriz e reproduzidas com muita fidelidade ao original, com algumas modificações em que o autor coloca sua interpretação pessoal”. Os especialistas ficaram surpresos, pois não havia registros sobre os elementos artísticos da igreja.

Quem acompanha a intervenção só tem elogios. “Fico feliz só de ouvir o som do relógio. Estou ansioso para que as portas sejam reabertas e a gente possa rezar lá dentro. É importante a conservação do patrimônio”, diz o aposentado Nardy José Barroso de Oliveira, de 56 anos, morador ao lado da igreja. Basta chegar à janela da casa para Nardy ver a edificação, da qual a mãe Jacy Barroso, de 85, foi zeladora. “A chave da matriz ficava aqui. Estamos muito felizes”.

Desde a interdição da Matriz Nossa Senhora da Conceição, missas e outras cerimônias religiosas são realizadas no santuário, na Igreja do Rosário e capelas. Em nenhum momento a comunidade católica deixou de se preocupar com o templo barroco ou se esquece de sua história.

 

Acordo viabilizou reforma

A restauração dos elementos artísticos da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Conceição do Mato Dentro, na Região Central, se tornou possível graças ao termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público de Minas Gerais, por meio dos promotores de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, ex-coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), hoje na comarca de Santa Luzia, na Grande BH, e Marcelo da Matta Machado, de Conceição do Mato Dentro.

O valor histórico e cultural é ressaltado pela comunidade, e as pinturas internas, representando cenas da Paixão de Cristo, foram consideradas “uma das mais encantadoras e delicadas do patrimônio de arte religiosa do país” pelo primeiro presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o advogado, jornalista e escritor Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969).

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