Documentos obtidos pelo Estado de Minas revelam que, entre os impactos ambientais previstos, destacam-se a possibilidade de alteração da qualidade da água do rio e a interrupção da regeneração da vegetação, especialmente das matas ciliares, que representam uma das principais proteções de um rio contra o processo de degradação. Especialistas advertem que é necessário analisar os impactos e também ressaltam o risco para o futuro, já que, historicamente, a mineração no Brasil tem o costume de deixar áreas degradadas sem o cumprimento de condicionantes ambientais acordadas. Outro problema é a incapacidade do poder público de fiscalização. A empresa responsável pelo empreendimento afirma que não haverá beneficiamento de ouro no local, o que eliminaria riscos de contaminação. O material removido do solo e subsolo será devolvido como forma de tapar as cavas de mineração que pretende abrir no local. Assim, sustenta a mineradora, não restará material exposto nem haverá barragem (veja arte na página 14).
Os pedidos de licença prévia e licença de instalação do empreendimento, de responsabilidade da Fênix Mineração Ouro Preto Ltda., que já atua na extração de areia no município de Piranga, na Zona da Mata, foram protocolados em 31 de março deste ano, um ano e meio depois da tragédia da Samarco, mas a empresa sustenta que já vem, desde 2009, se preparando para atuar na região. Antes do pedido da licença, a empresa já conta com o aval da Prefeitura de Mariana, que assinou uma declaração de conformidade e, também, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). A autarquia considerou satisfatório, em junho de 2015, o Plano de Aproveitamento Econômico apresentado pela Fênix, exigindo a licença de instalação do empreendimento para garantir a portaria de lavra.
"Pode potencializar ainda mais os impactos que já foram gerados e agravar a situação atual de qualidade das águas das bacias dos rios Piranga e Doce, a partir da elevação de turbidez"
Edson Valgas, secretário-executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce
Segundo a Semad, o processo ainda não foi analisado pelos técnicos da Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Supram) Metropolitana e, com base na nova legislação ambiental do estado, a concessão das duas licenças será definida pelo superintendente do órgão a partir do parecer de técnicos. Não haverá necessidade de votação no Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), pois o empreendimento foi enquadrado como classe 3 (em uma escala que vai de um a seis do menor para o maior impacto ambiental). Ainda segundo a Semad, caso sejam aprovadas as viabilidades locacional e ambiental e as medidas de controle, o empreendedor deverá, posteriormente, solicitar a licença de operação para iniciar a atividade no local.
DANOS O principal dano admitido no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no Relatório de Impacto Ambiental (Rima) são dois desvios no Rio Gualaxo do Norte, entre Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, os dois primeiros subdistritos de Mariana por onde a lama passou soterrando e destruindo casas e matando pessoas. Nesse caso, a empresa está obrigada a solicitar a outorga para os desvios, documento que consta no processo de licenciamento ambiental. Se a análise dos técnicos apontar que o desvio é de grande porte, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce terá que se manifestar.
O secretário-executivo do comitê, Edson Valgas, informou que é importante ter a oportunidade de analisar os estudos ambientais e as medidas mitigadoras e compensatórias propostas pelo empreendedor para conhecer e monitorar todos os riscos e evitar novos desastres. Porém, ele já adianta que os impactos previstos são consideráveis. “Pode potencializar ainda mais os impactos que já foram gerados e agravar a situação atual de qualidade das águas das bacias dos rios Piranga e Doce, a partir da elevação de turbidez. A partir do que eles forem extrair, com certeza, vão gerar efluentes. Nesse processo precisamos ter cautela e, de fato, avaliar os riscos potenciais”, afirma.
No local onde a empresa pretende atuar, o Rio Gualaxo a custo se recupera e ainda exibe marcas visíveis da passagem da lama. Uma camada espessa dos rejeitos se acumula nas margens do curso d’água, onde também é possível observar a vegetação brotando em meio à capa grossa e rígida, resultado do acúmulo de toneladas de rejeitos de minério. Entre os pontos inicial e final de previsão do primeiro desvio do rio, visitados pela reportagem do EM, também é possível perceber algumas ações de contenção do material da Barragem de Fundão, como barreiras de pedras e de biomantas, espécie de tela de composição orgânica para fixar a vegetação ciliar, tão necessária para garantir a vitalidade do rio. O povoamento mais próximo em linha reta é o distrito de Camargos, que também pertence a Mariana, distante 7,6 quilômetros. Bento Rodrigues está a 8,3 quilômetros e Santa Rita Durão, outro distrito da cidade histórica, a 9,7 quilômtros.
Veja as ruínas de Paracatu de Baixo
GARIMPO O Estado de Minas procurou o responsável direto pela empresa Fênix Mineração, Henrique Costa, mas ele não foi localizado. Segundo apurou o EM, ele também é dono de uma empresa de mineração de ouro na Guiana Francesa. Quem conversou com a equipe de reportagem foi o engenheiro geólogo Carlos Henrique Ramos Mello, que tem procuração para responder pela Fênix na tramitação administrativa dos processos ambientais. Ele sustenta que a intenção de atuar no Rio Gualaxo vem de muito tempo antes da tragédia de Mariana, com pesquisa mineral e aquisição do direito minerário, que, antes, era exercido no local por uma cooperativa de garimpeiros. “O grande problema da região é a invasão garimpeira. O garimpo clandestino é perigosíssimo. Se o empreendimento da Fênix for autorizado, vai ter uma empresa que será responsável por tudo que ocorrer no local em questão”, argumenta.
O engenheiro afirma, ainda, que a mineradora está seguindo as determinações da legislação de Minas Gerais e que só vai atuar se a Semad entender que é possível. “O desvio do rio é justamente para que a turbidez que vai ser gerada no processo não caia na água. Não haverá beneficiamento no local. Portanto, não existe risco de contaminação”, sustenta. Mello argumenta que, em um contexto de degradação causada pela lama, a empresa pode até exercer um papel de apoio na recomposição do meio ambiente, já que a previsão é que todo o material removido para abertura de 10 cavas a céu aberto seja usado para tampar os buracos, incluindo a própria lama da Samarco.
DEPOIMENTO
Guilherme Paranaiba, repórter
Desolação
“A visita ao Rio Gualaxo do Norte dois anos depois do rompimento da Barragem de Fundão me trouxe de volta o mesmo sentimento da época da tragédia. A marca da lama no alto de árvores distantes do leito do rio e a falta da vegetação protegendo as beiradas do manancial me relembraram o tamanho da devastação causada no local. A impressão que tenho é de que as marcas ficarão impressas para sempre na natureza da região. Impossível não sentir impacto ao encontrar um manancial completamente desprotegido, com pouca água e pouca vida, indicando que há muito para se recuperar se quisermos ter o rio de volta.”