Jornal Estado de Minas

Prefeitura de Mariana vê nova mineradora como saída para melhorar finanças

Enquanto a Fênix Mineração quer extrair ouro desviando o curso do Rio Gualaxo do Norte, em Mariana, na Região Central do estado, a prefeitura da cidade histórica se vê imersa em problemas financeiros, diante da queda na arrecadação, dois anos depois do rompimento da Barragem de Fundão. Com R$ 10 milhões a menos nos cofres depois da paralisação das atividades da Samarco, a cidade está ávida por recursos, mas a administração afirma seguir os mesmos trâmites anteriores à tragédia para avalizar a mineração. O prefeito, Duarte Júnior, já assinou uma declaração de conformidade para que a Fênix busque as licenças ambientais necessárias para desenvolver a mineração de ouro no manancial já impactado pela lama, com base em uma autorização do Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (Codema).

Mariana, dois anos depois: veja todas as matérias da série


A aposta do prefeito para sair do sufoco é a votação do Código Ambiental do município, texto com 300 artigos que está emperrado há quatro meses na Câmara Municipal de Mariana. O documento pretende ampliar a atuação da prefeitura, principalmente com relação à fiscalização das atividades que impactem o meio ambiente, e garantir contrapartidas ao município, financeiras ou ambientais. Enquanto isso não ocorre, a entrada de empresas na cidade, independente do ramo de atuação, é vista como chance de reequilibrar as contas.

ANÁLISE
Antes de o prefeito assinar a carta de conformidade que consta no processo de licenciamento prévio e de instalação da mineradora de ouro Fênix, houve apreciação do tema pelo Codema. Em uma das reuniões, de dezembro do ano passado, a conselheira Maria de Fátima Mello foi contra o empreendimento, por entender que o retorno é baixo para uma atividade perigosa e danosa ao meio ambiente. Em uma segunda reunião, em março deste ano, os conselheiros aprovaram o empreendimento. Na ocasião, Maria de Fátima não esteve presente.

- Foto: Arte EMDuarte Júnior disse que a declaração da prefeitura cumpre os preceitos administrativos para andamento do processo.
Para ele, a análise ambiental cabe à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), que deve avaliar se há algum risco para o Rio Gualaxo diante dos dois desvios previstos. “Não tenho esse conhecimento técnico e acredito que, se houver risco, é óbvio que a Semad não deve autorizar”, afirma.

‘Sempre fomos um município minerador’


O prefeito de Mariana, Duarte Júnior, destaca que é importante levar a tragédia de Mariana em consideração na hora de avaliar novos empreendimentos, mas ele acha que não é possível barrar ações que aumentem os recursos do município. “A gente entende que tudo o que possa estar dentro das normas legais, não vamos nos opor. Sempre fomos um município minerador. E, se estiver dentro das normas, sem danos à população, não vamos nos pautar dessa forma, pelo que ocorreu”, diz o prefeito.

Segundo o chefe do Executivo municipal, com a paralisação da Samarco, a arrecadação anual com a Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (Cefem) caiu de R$ 27 milhões para R$ 17 milhões, com impacto em serviços essenciais, como a escola integral. O secretário municipal de Meio Ambiente, Rodrigo Carneiro, admite que a carta de aceitação do projeto de mineração de ouro, obrigatória para o avanço do licenciamento ambiental, levou em consideração “tudo o que a cidade estava passando com a falta de tributos”. O secretário também afirma que o desvio previsto no curso do Rio Gualaxo vai, na realidade, retomar condições que o manancial tinha antes da inundação pela lama.

O professor Alberto Fonseca, do Departamento de Engenharia Ambiental da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), acredita que o fato de o Rio Gualaxo do Norte ter sido praticamente soterrado pela lama da Samarco não cria necessariamente uma barreira para a atividade minerária no local.

O que mais preocupa o especialista em análises de impactos ambientais é o que vai ocorrer depois da saída da mineradora do local, caso ela realmente obtenha autorização para retirar ouro da região.

"Infelizmente, a história brasileira tem mostrado uma situação preocupante, pois é muito frequente que a proposta de mitigação e compensação de impactos não seja desenvolvida plenamente", afirma Fonseca. O resultado disso, conforme o professor, é a ausência de sanções que imponham barreiras ao funcionamento das empresas e, por isso, o futuro dessas áreas mineradas, normalmente, é de degradação.

AÇÕES Engenheiro geólogo que atua como consultor da Fênix, Carlos Henrique Ramos Mello ressalta que todo o impacto gerado tem medidas de controle previstas, que serão analisadas pela Semad, que pode solicitar ainda outras ações, caso entenda que o que está nos estudos não seja suficiente. “É muito importante destacar que não vai ter atuação da empresa se houver qualquer descaracterização do que ficar acordado. Tudo que for posto em papel vai ser cumprido”, sustenta.

A área que a Fênix pretende atuar tem 23 hectares, segundo a empresa, e pertence à Fazenda Gama, propriedade que fica na zona rural de Mariana. Para conseguir a autorização de uso do terreno para tocar o processo de licenciamento, a Fênix teve que recorrer à Justiça, já que a real dona da fazenda, a Saint Gobain Canalizações, não se manifestou sobre os pedidos da mineradora.

O Estado de Minas procurou a Samarco e a Fundação Renova, entidade responsável pela reparação dos danos ao meio ambiente causados pela tragédia de Mariana, para que se manifestassem sobre o assunto, mas ambas informaram que não têm relação com o processo de licenciamento ambiental da Fênix e não quiseram se pronunciar. O EM também entrou em contato com o Ministério Público de Minas Gerais, com o Departamento Nacional de Produção Minerária (DNPM) e com a Saint Gobain Canalizações, que não responderam aos questionamentos.



Rastros do desastre

Desde ontem, o Estado de Minas percorre o caminho da lama que, há dois anos, foi liberada pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, para mostrar que os reflexos do desastre continuam presentes nas vidas e nas comunidades atingidas. A primeira reportagem da série mostrou que a memória de Bento Rodrigues continua sendo consumida pelos efeitos da tragédia e que esse e outros povoados se transformaram em cidades fantasmas.

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