Dois anos após a tragédia de sua subsidiária em Mariana, no maior desastre socioambiental da história do país, a mineradora Vale obteve do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) licenças para construir e operar a barragem conhecida como Maravilhas 3, em Itabirito, a apenas 55 quilômetros de Belo Horizonte, com capacidade 3,2 vezes maior que a quantidade de lama vazada da Barragem do Fundão. Mas o futuro do empreendimento será decidido em batalha judicial, pois o Ministério Público de Minas Gerais conseguiu liminar suspendendo o andamento do projeto, sob o argumento de que ele tem potencial para ameaçar diretamente populações e até o abastecimento de água da Região Metropolitana de BH.
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Tanto a decisão do Copam de liberar licenças para o empreendimento quanto a liminar concedida pelo juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de BH, Michel Curi e Silva, ocorreram anteontem. A batalha judicial reacende a discussão em torno das barragens em Minas às vésperas da data de dois anos da tragédia de Mariana, que se completam em 5 de novembro de 2015, quando 19 pessoas morreram.
O MP argumentara que Maravilhas 3 será construída a cerca de 1 quilômetro dos residenciais Vale dos Pinhais e Estância Alpina. A título de comparação, a Barragem do Fundão foi erguida a seis quilômetros de Bento Rodrigues, o primeiro povoado destruído pelo estouro da represa da Samarco. Os promotores afirmam que a localização da nova represa projetada pela Vale fere a Portaria 526/13, que trata da “zona de autossalvamento”, como é classificada a área em que socorristas não conseguem chegar antes da destruição da lama, caso uma estrutura desse tipo entre em colapso.
Na prática, o perímetro de autossalvamento é um raio de 10 quilômetros abaixo de represas. Mas pode ser uma distância menor, desde que a lama o percorra em até 30 minutos.
O parecer é assinado pela conselheira Maria Teresa Viana de Freitas Corujo. No documento, ela ironiza o tempo de dois minutos, calculado para que moradores das áreas mais próximas à nova barragem tentem escapar: “Nem dá para fazer uma oração antes de morrer”. Maria Teresa cita ainda um estudo da VogBR, a mesma empresa de engenharia que atestou a segurança da Barragem do Fundão antes de seu rompimento. O documento informa que, caso ocorra o colapso de Maravilhas 3, há possibilidade de Maravilhas 2, já em atividade, ser abalada. Nessa hipótese, a tragédia pode ser maior.
“Para a avaliação dos efeitos da onda de cheia formada pela ruptura hipotética de Maravilhas 3, a VogBR analisou o cenário considerado de maior impacto à jusante (…). Segundo os resultados dos estudos, a cheia gerada pela ruptura de Maravilhas 3 deverá atingir o maciço de Maravilhas 2 com velocidade máxima de 8,75 m/s e profundidade máxima de 25,3m, chegando à elevação do nível de água no maciço a aproximadamente 1.235,30 metros. Portanto, segundo os estudos realizados, a onda de cheia deverá atingir até a metade do segundo banco da Barragem Maravilhas 2, a partir do seu pé”, informou o parecer da conselheira.
“Há propriedades que poderão ser atingidas em pouco mais de um minuto, sem qualquer chance de evacuação.
Ameaça ao Rio das Velhas
Os promotores e a conselheira criticam pareceres dos órgãos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) que resultaram nas licenças concedidas pelo Copam à nova barragem da Vale. Alegam, por exemplo, que o Parecer 1017343/2017 não informa o risco, em caso de colapso, dos rejeitos atingirem o Rio do Peixe e o Rio das Velhas. Ainda na hipótese de estouro da barragem, há possibilidade de a captação em Bela Fama, da Copasa, ser atingida, pois o local está na área considerada de autossalvamento.
A estação bombeia água para a casa de 70% dos moradores da capital, 98% dos habitantes de Nova Lima e todas as moradias em Raposos, em um total de aproximadamente 48% da população da região metropolitana. Esses e outros números foram apresentados pelos promotores ao magistrado, que deferiu a liminar, proibindo a Vale de praticar qualquer ato que objetive a implantação de Maravilhas III. Já o governo de Minas deve se abster de conceder qualquer licença ou ato normativo relativo à represa.
O juiz estipulou multa diária de R$ 500 mil em caso de desobediência. “Como se não bastasse a recente tragédia ambiental, sem precedentes, que destruiu rios e ceifou vidas humanas em 2015, com o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, envolvendo empresa controlada pela Vale, deveria ser suficiente para rechaçar a utilização de vetustas barragens de rejeitos, há muito ultrapassadas por tecnologias existentes e disponíveis para o mesmo fim”, escreveu em sua decisão o juiz Michel Curi e Silva
Procuradas pelo Estado de Minas para se posicionar sobre o assunto, tanto a Vale quanto a Semad se limitaram a responder que não foram notificadas da decisão judicial que suspendeu a concessão de licenças.