Um roubo de proporções inéditas, executado com planejamento, audácia, agressividade, alto poder de fogo e que terminou com a fuga de assaltantes que até a noite de ontem não haviam sido sequer identificados, evidencia um novo nível de desafio para as forças de segurança. Diferentemente dos costumeiros ataques em pequenas cidades do interior, criminosos colocaram em xeque na madrugada de ontem a resistência da oitava maior cidade de Minas, ao atacar uma transportadora de valores em Uberaba, no Triângulo Mineiro, de onde roubaram quantia que pode chegar a R$ 20 milhões segundo fontes extraoficiais – o valor não foi informado pela empresa ou pela polícia.
A ação é a primeira em uma cidade desse porte depois que a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) anunciou, em 17 de outubro, protocolo definindo ações específicas para oito instituições de segurança em caso de ataques do tipo. Segundo a Polícia Militar, esse protocolo foi acionado principalmente com planos de cerco na região e ação de perícia mais qualificada, para levantar informações no local do crime.
Segundo a Cemig, cinco transformadores foram danificados por tiros, cortando o fornecimento de energia elétrica na região. “Eles estudaram muito a geografia da região e se posicionaram primeiro, para depois fazer a contenção, dificultando a ação imediata dos militares”, afirmou o coronel Peres. A PM confirma que um inocente foi atingido por um tiro, mas foi socorrido e passa bem.
As estimativas da Polícia Militar dão conta de aproximadamente 20 bandidos envolvidos na ação. Foi confirmado o uso de fuzis 556 e 762, conforme as cápsulas recolhidas no local. Além dos seis carros incendiados – os quais ainda não se sabe se também foram usados para transportar criminosos –, seis veículos foram abandonados em uma região de sítios e chácaras chamada de Morada do Sol, a 3 quilômetros do Centro de Uberaba. Cinco deles são veículos potentes, blindados e de luxo e um é caminhão-baú de menor porte, onde foram encontradas cerca de 10 bananas de dinamite não detonadas. Todos os carros, à exceção de um entre os queimados, estavam sem placas. A única que foi encontrada era de São Paulo.
Durante todo o dia ontem, policiais civis, militares e federais trabalharam em diligências na cidade e na zona rural na tentativa de identificar e prender os ladrões.De acordo com a Polícia Civil, testemunhas relataram que os bandidos tinham sotaque paulista, no entanto, nenhuma das forças de segurança confirma que o grupo seja do estado vizinho. Em nota, a Sesp informou que está coordenando os esforços na área de inteligência juntamente às forças de segurança do estado para combater esse tipo de crime.
Terror em Uberaba
Para inibir reação, quadrilha incendiou carros e pneus em cruzamentos estratégicos, além de fechar outros com correntes e material para furar pneus. Quartel da PM também foi cercado por assaltantes, que mantiveram unidade sob fogo enquanto comparsas explodiam cofre da Rodoban. Confira pontos-chave da ação:
MANHÃ DE MEDO Assustados com a madrugada de terror, moradores de Uberaba tinham medo de sair de casa na manhã de ontem. “O clima ficou tenso e tivemos que fazer anúncios nas rádios e por meio de redes sociais, tranquilizando a população”, informou major Renato Silva, da 5ª Região da PM.
O prefeito Paulo Piau (PMDB) afirma que o medo permanece. “É de se entranhar que uma cidade do porte de Uberaba, por onde circulam cerca de 400 mil pessoas, entre população fixa e flutuante, seja isolada por bandidos para uma ação criminosa que ainda era típica de cidades pequenas”, afirmou.
Para ele, isso é um prenúncio de que a ousadia do crime pode começar a se espalhar por outras grandes cidades. O prefeito também critica o efetivo de Uberaba, segundo ele de 400 policiais. “É o mesmo número de 15 anos atrás. A defasagem é muito grande”, afirma. A PM não quis comentar questões relacionadas a efetivo, por “questões estratégicas”.
ANÁLISE DA NOTÍCIA
Muito além da reação
A ação da quadrilha que atacou em Uberaba representa um novo patamar de ofensivas contra instituições do sistema financeiro e um novo nível de afronta às forças de segurança – não apenas do estado, mas também federais. Se antes ladrões buscavam pequenos municípios, onde acuavam poucos policiais em instalações acanhadas, desta vez não hesitaram em agir em uma das cidades-polo de Minas, combinando violência e artilharia pesada – característica marcante de bandos da Bahia – e alto nível de organização e planejamento – aspecto mais comumente ligado a facções paulistas. Armas de guerra, logística elaborada e planejamento detalhado, aliados ao fator surpresa, neutralizaram a capacidade de reação do poder público por horas. Com isso, provavelmente atrasaram também o acionamento do protocolo de segurança contra roubos do tipo, que envolve várias forças policiais e foi divulgado há menos de um mês pelo estado. O assalto à Rodoban não cobra somente a prisão dos responsáveis: exige do poder público uma resposta de magnitude proporcional, em termos de organização e capacidade de reagir, mas, sobretudo, de se antecipar à ousadia crescente dos assaltantes. (Roney Garcia)