Jornal Estado de Minas

Professor da UFMG morto em ônibus era contra violência e defensor do meio ambiente

- Foto: Arte EM

Amigos e familiares são unânimes: ele não espelhava e não tinha qualquer ressonância com a violência, mal-estar ou indisposição com o outro. Homem pacato, trabalhou a vida toda em prol da saúde pública. E acreditava nela. Acreditava também num ambiente mais puro, mais harmonioso e grandioso. Tanto que, há 20 anos, ao lado de dois amigos e colegas de profissão, fundou o projeto Manuelzão, um dos ícones na busca pela revitalização dos rios. Além da família, a medicina era a grande paixão. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sua segunda casa. Abolia o carro.

Preferia ir trabalhar de ônibus. Dizia serem os automóveis antiecológicos e queimadores de muito combustível. E foi justamente dentro de um coletivo que a história de um homem tido como brilhante foi interrompida. Às 8h15, era atacado ontem com 10 facadas que lhe tiraram a vida, numa tentativa de assalto na parte dianteira da linha 9805 (Renascença/Santa Efigênia), a caminho do trabalho, o professor e médico Antônio Leite Alves Radicchi, de 63 anos.


O professor entrou no ônibus da linha 9805 (Santa Efigênia/Renascença) por volta das 8h, no ponto da Praça Muqui, próximo ao número 111, como costumava fazer diariamente, no Bairro Renascença, na Região Nordeste de BH. Nove pontos depois, na Rua Tamboril, já no Concórdia, Alexandre Siqueira de Freitas, de 26, embarcou junto com a mulher. Testemunhas contaram que Alexandre começou a discutir com Antônio logo ao entrar no coletivo. Minutos depois, o suspeito ordenou ao motorista que parasse o veículo, pois o médico desceria.
Nesse momento, segundo o boletim de ocorrência, Alexandre puxou a mochila da vítima, que teria reagido. Diante disso, Alexandre sacou uma faca e golpeou o professor aproximadamente 10 vezes.


A confusão chamou a atenção de moradores e comerciantes da Rua Juazeiro, no Bairro São Cristóvão, onde o veículo parou. “Tinha acabado de abrir a loja. No ponto de ônibus estavam três pessoas. Quando olhei pela janela, vi o criminoso fazendo o movimento de dar as facadas. O professor ainda estava sentado no banco quando foi atingido”, disse uma testemunha que conversou com o Estado de Minas e pediu anonimato.


Segundo a testemunha, Alexandre correu em direção a um aglomerado. “Peguei um porrete que eu tinha em meu estabelecimento e corri atrás dele. Quando vi que não conseguiria alcançá-lo, voltei e peguei meu carro.

Rodei por várias ruas e não consegui encontrá-lo”, contou. A PM fez buscas na região do Bairro Concórdia e prendeu Alexandre e a mulher dele. O motorista do 9805 dirigiu até a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Odilon Behrens, onde deixou a vítima. Segundo a assessoria de imprensa da unidade, Radicchi morreu por volta das 14h30.


Em conversa com os policiais, Alexandre contou uma versão que não convenceu a família da vítima nem as testemunhas do crime. Ele alegou que o professor e outros cinco homens o agrediram em um bar na Rua Jacuí na noite de domingo. Parentes afirmam que Antônio não frequentava bares nem tinha saído na noite anterior ao crime. Já pessoas que presenciaram a cena dizem que o agressor queria roubar o celular e a mochila do passageiro. Na casa de Alexandre foram encontradas a jaqueta e o boné usados por ele na hora do crime, com marcas de sangue.


- Foto: Arte EMA mulher dele alegou que entrou no ônibus junto com o companheiro, mas não presenciou o crime, pois ele pediu para ela descer do coletivo momentos antes. O casal foi encaminhado para a Central de Flagrantes da Polícia Civil. O delegado Emílio Oliveira os autuou em flagrante por latrocínio – roubo seguido de morte.

Os dois foram encaminhados para o sistema prisional.

PERFIL Antônio trabalhava no Núcleo de Educação em Saúde (Nescon) da UFMG, no Departamento de Medicina Preventiva e Social. Foram 30 anos de universidade e quase 40 como médico. “Ele era contra qualquer tipo de violência. Sempre falava que a gente nunca deve reagir. É inacreditável o que ocorreu”, diz a cunhada de Antônio, Maria do Carmo Ferreira Radicchi, de 48. Cunhado dele, o médico Anderson Leonardo Rodrigues, de 43, foi aluno de Antônio, conhecido por seu engajamento na saúde pública, e que também foi professor do internato rural, ajudou a formar vários professores e a melhorar as condições de saúde de municípios por onde os futuros médicos passavam. “Estou perdendo um cunhado e um professor. Ele teve uma história dedicada à sociedade e recebeu isso como pagamento: ser assassinado por um drogado”, diz, emocionado e indignado.


Segundo Anderson, o professor gostava de pegar ônibus, que ele tomava próximo de casa e ia direto à Região Hospitalar, na Faculdade de Medicina da UFMG. “Ele não gostava de carro, porque achava antiecológico e dizia que queimava combustível demais”, lembra. Antônio não clinicava mais e tinha (regime de) dedicação exclusiva na UFMG.

“É revoltante o que ocorreu. Qualquer marginal acaba com a vida de pessoas brilhantes e boas. Neste país, a vida não tem valor.”

Professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social e coordenador do Manuelzão, Marcus Vinícius Poliano se lembra de quando Antônio, o professor Apolo Heringer e ele fundaram o projeto de meio ambiente. “Antônio era uma pessoa pacífica e, por isso, nossa indignação, pois de modo algum merecia uma morte dessa”, diz. Ontem, na Faculdade de Medicina, o clima era de tristeza, indignação e um choque coletivo. “Um homem tranquilo e extremamente sereno. Jamais o vimos levantar a voz contra colega de trabalho, funcionário ou aluno. Era um cara incansável”, relata. De memória impressionante, lembrava-se de cada aluno. Tido como exemplo, preferiu não se aposentar, embora tivesse o tempo necessário, para continuar ensinando sobre saúde e meio ambiente.


Marcos foi, provavelmente, a última pessoa a falar com Antônio, ontem, às 8h06, exatos seis minutos depois que o colega havia embarcado no 9805. A ligação foi para prevenir o amigo, sempre pontual, de que se atrasaria para a banca de mestrado, marcada para as 9h. “Como sempre muito solícito, ele me tranquilizou, dizendo que tocava o barco até minha chegada”, contou. Pouco antes do horário marcado para início da apresentação, o telefone tocou. Eram colegas procurando Marcos e também ligando para o celular de Antônio. “Começamos a procurá-lo, mas jamais imaginaríamos esse desfecho. Quarenta e cinco minutos entre meu telefonema e o início da banca a história de vida de uma pessoa mudou absolutamente por nada. Estamos chocados, diz. “Nunca esperamos que chegue tão perto. A sociedade está contaminada por uma violência que não poupa ninguém, nem as pessoas de bem. Uma vida inteira deixa de existir em fração de segundos sem absolutamente qualquer explicação”


Por meio de nota, o Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG lamentou o falecimento do professor. Antônio deixa mulher, quatro filhos, uma neta, e uma legião de admiradores e saudade. O corpo será velado na Faculdade de Medicina da UFMG, a partir das 11h. O enterro será no Cemitério do Bonfim, em horário ainda não definido até o fechamento desta edição.


Ao comentar o crime, a Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Guarda Municipal, sustentou que mantém ações preventivas em ônibus do Move em dois corredores da capital. Mas informou que o assalto que resultou na morte do professor ocorreu fora do horário da chamada Operação Viagem Segura, mantida nos horários de pico do transporte coletivo nas avenidas Antônio Carlos e Nossa Senhora do Carmo. Segundo o órgão, são feitas 60 abordagens por dia durante o trabalho. Além disso, a Guarda informou manter a Operação Sentinela em três praças da Região Central de BH – Sete, da Estação e Rodoviária – como forma de prevenir assaltos e outros crimes. A corporação tem ainda o trabalho de guarda de prédios públicos da administração municipal e do entorno desses locais.

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