Andar com o celular à mostra ou manter bolsas e mochilas com o equipamento visível é uma conduta cada vez mais arriscada em espaços públicos de Belo Horizonte. Com criminosos que se aproveitam de uma série de brechas legais para voltar ao crime até 24 horas depois de assaltar, os telefones portáteis ocupam fatias progressivamente maiores no conjunto de objetos tirados de seus donos em BH, segundo registros de ocorrências policiais. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) mostram que, enquanto em 2015 os aparelhos representavam 50% de tudo que foi roubado na capital, de janeiro a agosto deste ano esse percentual subiu para quase 60%. O avanço indica que os smatphones, cada vez mais modernos e caros, tornaram-se a principal aposta dos ladrões para gerar liquidez rápida no mercado clandestino. Não é à toa que, a cada hora, mais de quatro pessoas em média registram queixa na polícia depois de perder seus celulares para o crime – nessa conta não entram casos em que as vítimas não comunicam o delito às autoridades.
No caso dos furtos, como é definida a subtração de um bem sem que haja ameaça ou o conhecimento da vítima, a Sesp também registra maior representatividade dos celulares no quadro geral. Em 2015, os aparelhos eram 17% do universo geral, mas de janeiro a agosto deste ano o percentual chegou a 22%. Em BH, a área mais visada para esse tipo de crime é o Hipercentro, com destaque para as vias entre a rodoviária e a zona boêmia da Rua dos Guaicurus, segundo a Polícia Civil. O Ministério Público editou recomendação para que os promotores de todo o estado atuem nas audiências de custódia de forma a tentar evitar ao máximo que um ladrão preso em flagrante seja solto, mas, segundo o próprio MP, a liberação ocorre com frequência.
Quando o assunto é roubo, crime que envolve emprego de violência ou ameaça contra a vítima, há uma redução no total de ocorrências quando analisados os oito primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano anterior, seguindo tendência geral de crimes contra o patrimônio no estado. Porém, enquanto a queda no número de roubos em geral foi de 14%, no caso específico dos celulares a redução foi menor, de 9%, o que contribuiu para que essa modalidade aumente sua representação no contexto geral dos crimes do tipo. Já com relação aos furtos, além de os celulares estarem mais representativos, houve aumento absoluto nos casos de janeiro a agosto de 2017 na comparação com o mesmo intervalo do ano passado (veja quadro).
Cada vez mais modernos e com maior valor agregado, os smartphones atraem criminosos pela liquidez certa e rápida, segundo a Polícia Civil, já que equivalem praticamente a roubar dinheiro. O delegado Rodrigo Damiano, titular da delegacia responsável por apurar os casos registrados em todo o Hipercentro, destaca que o mais comum é que esses aparelhos abasteçam o mercado de peças. “A gente tem se deparado muito com isso. Quando chegamos à loja o celular já está desmontado”, afirma o policial. A situação tem motivado uma mudança de estratégia da polícia. Um dos expedientes adotados são os pedidos de mandados de busca e apreensão, e não só o investimento em flagrantes, que representam perda de tempo quando malsucedidos. “Se a pessoa não tem comprovação da origem daquele bem, eu faço a apreensão da loja inteira, para não perder mais essa viagem”, afirma o policial, destacando que todos os meses a delegacia fiscaliza de três a quatro pontos que comercializam celulares em sua área de atuação.
Vítima de furto de celular no Mercado Central de BH em março deste ano, uma jornalista de 54 anos que já morou na capital mineira, mas hoje vive nos Estados Unidos, sabe que seu celular, um iPhone 6 da marca Apple, está em uma das lojas que vendem telefones em um dos mais conhecidos shoppings populares da capital, pois ele já foi rastreado três vezes no local. Ela prefere não se identificar, pois relata que tentou entrar em contato com o próprio número usando outro celular e recebeu de volta a ligação de uma mulher que se identificou como funcionária da Apple, solicitando informações sigilosas, sob o argumento de que o aparelho tinha sido encontrado e seria devolvido.
As informações sobre o rastreamento do celular foram repassadas a policiais civis e militares da 1ª Área Integrada de Segurança Pública (Aisp) do Barro Preto, segundo a vítima, mas ela diz que nenhuma providência foi tomada. “O que incomoda não é a perda do celular, mas essa sensação de invasão. Você acha que a polícia não sabe exatamente onde estão as pessoas que vendem telefones roubados? A gente fica com a sensação de impunidade”, desabafa a jornalista.
‘Reposição de estoque’ é ágil
O delegado Rodrigo Damiano sustenta que o caso em questão está sendo investigado, mas diz que não é tão simples encontrar um aparelho só pelo fato de ele ter sido rastreado no shopping popular. Segundo o policial, milhares de aparelhos estão no centro de comércio, distribuídos por vários boxes, o que impede uma localização exata. “Não é igual a um carro, que se consegue encontrar facilmente por meio de um rastreador. Nós já tivemos casos de levar a vítima ao shopping e ela mesmo perceber a dificuldade de fazer isso. Eu teria que pedir mandado de busca para todas as lojas”, afirma.
O policial acrescenta ainda que, se a polícia fizer uma operação em uma loja e apreender 50 celulares, na semana seguinte o mesmo ponto estará com outros 50, pois a “capacidade de reposição” é muito grande. “Tem que cassar o alvará de funcionamento. Se a pessoa trabalha com mercadoria ilegal, como pode continuar tendo um alvará para operar no mesmo local e com a mesma atividade?”, indaga, lembrando que as administrações dos shoppings também deveriam tomar medidas com relação a lojistas flagrados com mercadoria ilegal.
A Prefeitura de Belo Horizonte informou que, quando é acionada pela Polícia Civil, faz a interdição do estabelecimento. Neste ano, a PBH informa ter interditado 29 lojas na cidade por razões diversas.