Jornal Estado de Minas

Aumento do consumo é fator determinante para a escassez da água em Minas

Enquanto diminuía o volume de chuva em Minas Gerais nos últimos seis anos, período em que a pouca precipitação que caía era mal distribuída, crescia a pressão sobre os recursos hídricos disponíveis – e em baixa. A diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Marília Carvalho de Melo, revela que nos últimos cinco anos (2013/17) os pedidos de outorga para captações de água subiram nada menos que 44% em relação ao quinquênio anterior (2008/12), segundo dados do órgão que ela dirige. Uma situação ainda mais preocupante quando se considera que essas solicitações refletem apenas os usuários que registram regularmente suas demandas junto ao poder público. Não reflete, portanto, as captações clandestinas ou não autorizadas.

A maioria dos 265 municípios mineiros que tiveram decretada situação de emergência neste ano em função da estiagem está no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha, áreas historicamente castigadas pela falta de chuvas. Porém, a carência de água afetou praticamente todo o estado. Neste ano, foi declarada escassez hídrica em 12 porções hidrográficas de Minas, a maior parte delas nas bacias do Rio São Francisco (sete) e Rio Doce (quatro). “Quanto à abrangência de área da restrição imposta, a Bacia do Rio Doce teve o maior percentual da sua área declarada em situação de escassez hídrica, com 33,92%. Em seguida, as bacias dos rios Jequitinhonha, com 16,61%, e São Francisco, com 8,73% de suas áreas em restrição”, explica a diretora-geral do Igam.

Para o ex-ministro do Meio Ambiente José Carlos Carvalho, o esgotamento dos recursos hídricos em Minas Gerais tem como causa a ideia da abundância de água, com uso indiscriminado e  sem a contrapartida de medidas preservacionistas.
“Em Minas Gerais e no Brasil, somos vítimas do falso conceito da inesgotabilidade dos recursos da natureza. Também somos vítimas do conceito da abundância de água. Com essa cultura, não se criou a mentalidade de que era necessário proteger os recursos hídricos”, afirma.

Ele salienta que é preciso criar outra cultura em relação à gestão e ao uso da água. “Com a nova realidade, surge também um fato novo: vamos começar a fazer a gestão da água baseada na escassez.” José Carlos Carvalho salienta que, com “toda uma legislação e uma política baseadas no conceito da abundância”, o abastecimento público no Brasil sempre foi baseado no consumo, sem levar em consideração a oferta de água. “A política baseada no consumo elástico e ilimitado (de água) morreu. Terão que ser realizadas obras de infraestrutura para reter mais água e aumentar a oferta, como barraginhas”, observa.

'Água não nasce no reservatório'


Carvalho também assinala que, até agora, o debate em torno da crise hídrica que afetou grandes centros, como Belo Horizonte, São Paulo e o Distrito Federal, “sempre discutiu a falta d’água do reservatório para a torneira”. “Essa é uma visão equivocada, baseada na premissa de que a água nasce no reservatório.

A água vem das nascentes, dos pequenos riachos e das propriedades rurais. Se não houver uma política de proteção ambiental junto com a política do uso racional dos recursos da Terra, não vamos superar esse problema. Podem ser feitas obras de infraestrutura, mas teremos novos reservatórios secos no futuro, se não for equacionada a capacidade do solo de produzir água”, recomenda.

Na mesma linha, o biólogo e professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais Célio Valle afirma que a escassez de água em um estado que até pouco tempo era rico no recurso, como Minas Gerais, é consequência do uso ilimitado dos recursos naturais, sem observar a necessidade da preservação.  “Estamos destruindo tudo, sem pensar que a Terra tem limites. É preciso tratá-la com mais carinho, sabendo que a água é fundamental para a vida”, avalia Célio Valle, ex-diretor de Biodiversidade do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais.

 

 

ANÁLISE DA NOTÍCIA

Recuperação ainda que tardia

Roney Garcia

A crise hídrica não é fenômeno recente. Ela se anuncia – e não apenas em Minas – há anos. Menosprezada por um sistema que por séculos privilegiou buscar recursos em outras fontes, em vez de recuperar as que definham, a escassez mostrou sua cara de terra rachada com mais evidência em 2014. Não podia mais ser ignorada, mas a mais vigorosa resposta a ela foi – de novo – espetar canudos de abastecimento nas profundezas da terra ou em rios um pouco mais distantes, à espera da bonança da próxima chuva. Que não veio, ao menos no volume necessário.

Enquanto o nível pluviométrico baixava, pedidos de licença para uso de água subiam à taxa de 44% em Minas. Número já assustador, mas que mascara milhares de poços perfurados sem conhecimento oficial e sugadores clandestinos que irrigam seus negócios com água “barata” que faltará rio abaixo. Ainda que tardia, a criação de um grupo especial com a missão de enfrentar o desafio no estado surge como uma nuvem de esperança em um horizonte que parece caminhar aceleradamente para passar da emergência à calamidade. Resta esperar que as ações não só acompanhem a urgência que a situação exige, como sejam capazes de envolver toda a sociedade.

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