Jornal Estado de Minas

Falhas em hospitais já causaram incidentes com 6,3 mil pessoas em BH neste ano

Infecções hospitalares, erros de dosagem ou na aplicação de medicamentos, uso incorreto de equipamentos, entre outros casos do tipo são responsáveis por uma epidemia em hospitais brasileiros. Os chamados eventos adversos provocaram 302,6 mil mortes em instituições públicas e privadas do país, segundo dados do Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil, divulgado ontem. Isso significa dizer que 829 brasileiros morrem em unidades de saúde por esse tipo de falha, o que representa três mortos a cada cinco minutos. Pelo estudo, feito em 133 locais, essa foi a segunda causa de morte mais frequente no país, atrás apenas das doenças cardiovasculares. O termo não indica necessariamente um erro, negligência ou baixa qualidade, mas se refere a incidentes que em 60% dos casos poderiam ter sido evitados.

Em Belo Horizonte, os dados também chamam a atenção: somente nos primeiros oito meses deste ano, 6.356 pessoas sofreram algum tipo de evento adverso nos hospitais públicos, particulares e da saúde suplementar, número que já representa 82,6% de todo o ano passado. Nem todos os casos resultam em morte. A Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte não informou o número de óbitos. Além disso, a média diária tem sido crescente nos últimos anos.
Enquanto em 2015 o índice foi de 9,3 eventos adversos diários por essa razão, o índice chegou a 21 em 2016 e a 26,4 entre janeiro e outubro deste ano. Em 2014, com 378 eventos adversos, a média era de apenas um por dia. A diferença, entretanto, é tratada pela Secretaria Municipal de Saúde como resultado de capacitação oferecida a gestores e técnicos da rede para melhorar as notificações. Os principais tipos de incidentes/eventos adversos notificados na rede de hospitais de BH são classificados como falhas durante a assistência à saúde, úlcera por pressão, queda do paciente, falha na identificação do paciente, entre outros.

No Brasil, apesar de alta, a taxa está abaixo dos 400 mil óbitos por ano registrados nos Estados Unidos por eventos adversos, apesar de aquele país ter população 55% maior que a brasileira. Nos EUA, os números representam 1.096 mortes por dia por essa causa, o que a colocam como o terceiro principal motivo de morte no país, atrás de doenças cardiovasculares e do câncer.

“O número de mortes por eventos adversos em hospitais brasileiros representam uma epidemia. Uma epidemia que assola também o mundo inteiro e que tem causas evitáveis”, afirma o médico Renato Couto, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos responsáveis pelo estudo. Ele ressalta, no entanto, que o número de mortes por essa causa tem sido crescente porque o país consegue tratar de mais pessoas, e de forma melhor, que décadas atrás.
“Há 40 anos, por exemplo, não tínhamos muito o que fazer para tratar pacientes e muitas pessoas morriam das doenças que tinham. Hoje temos tecnologia e medicamentos, mas ainda precisamos melhorar procedimentos e resultados e isso é um processo”, afirma.

Ele acrescenta que a diferença do Brasil para outras nações de primeiro mundo é que nesse último caso a sociedade está envolvida na solução do problema e o hospital é só o cenário. “Assim, a instituição não é a culpada e todos os funcionários da saúde e sociedade civil se unem para diminuir as mortes por eventos adversos.” O médico destaca também que falta clareza sobre o assunto e medidas efetivas para enfrentá-lo. “No caso brasileiro, apesar dos esforços, há pouca transparência sobre essas informações e, sem clareza sobre o tamanho do problema, fica muito difícil começar a enfrentá-lo.”

O estudo contratado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) foi produzido pela Faculdade de Medicina da UFMG. Segundo o superintendente executivo do IESS, Luiz Augusto Carneiro, é preciso estabelecer um debate nacional sobre a qualidade dos serviços prestados na saúde, com base em parâmetros de mensuração de desempenho dos prestadores. Ele lembra que, quando alguém escolhe um determinado hospital para se internar, essa decisão se baseia apenas em uma percepção de qualidade, na recomendação de um médico ou na opinião de conhecidos. Mas ninguém tem condições de garantir que aquele prestador realmente é qualificado, simplesmente porque não temos indicadores de qualidade claros e amplamente conhecidos, como acontece em outros países. “Não há como saber quantas infecções hospitalares foram registradas no último ano, qual é a média de óbitos por diagnóstico, qual é a média de reinternações e por aí afora”, critica Carneiro.

Ainda de acordo com o Anuário, as vítimas mais frequentes de eventos adversos são pacientes com menos de 28 dias de vida ou mais de 60 anos.
As infecções hospitalares respondem por 14,7% das ocorrências.

DIAGNÓSTICO PREOCUPANTE


Entenda a representatividade de ‘eventos adversos’, como infecção hospitalar, uso incorreto de equipamentos ou falhas na dosagem de medicamentos, no total de mortes registradas em hospitais particulares do país

Eventos adversos, como são definidos incidentes que na maioria das vezes poderiam ter sido evitados, são a segunda maior causa de morte no país, atrás apenas das doenças cardiovasculares

Causas de mortes por dia em hospitais do Brasil
» Eventos adversos – 829 (3 mortos a cada 5 minutos)
» Doenças cardiovasculares - 950
» Câncer - 480 a 520
» Acidentes de trânsito - 129
» Mortes violentas - 164 (por homicídio e latrocínio, entre outros)

Tipo de evento adverso mais frequente
» Infecção Hospitalar - 14,7%
» Causas não infeciosas – 85,3%

O estudo
» Intervalo da pesquisa – 1/7/2016 a 30/6/2017
» 133 hospitais em todas as regiões do país
» 7.685.748 beneficiários
»  240.128 internações

Raio-x da internação no Brasil (207,7 milhões de moradores)
» 19,1 milhões de brasileiros internados em hospitais ao longo de 2016
» 1,4 milhão sofreram ao menos um evento adverso
» 302,6 mil brasileiros faleceram em hospitais públicos ou privados como consequência de um evento adverso em 2016
» 70% dos óbitos dessas vítimas são determinados pelo evento
» R$ 10,9 bi gastos com eventos adversos poderiam ter sido mais bem aplicados
» 28 dias de vida ou mais de 60 anos são as faixas etárias das vítimas mais frequentes de eventos adversos
» 60% das falhas são evitáveis

Raio-x da internação no mundo
» 421 milhões de internações hospitalares anualmente
» 42,7 milhões de eventos adversos

Raio-x da internação nos EUA (323,1 milhões de moradores)
» 400 mil óbitos por ano por eventos adversos, ou 1.096 por dia.
» 3ª causa de morte mais comum no país, atrás de doenças cardiovasculares e do câncer

Fonte: Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) e Faculdade de Medicina da UFMG.