Há duas bandeiras do Brasil: uma pintada no chão e outra tremulando no alto do mastro. E tem também um pé de mamão carregado de frutos, jardineira em flor e estante com livros arrumados no maior capricho, sob um flamboaiã. A Praça Antônio Xavier, triângulo verde de 260 metros quadrados, é um “pedaço da natureza”, segundo moradores das ruas Irmãs Kennedy, Afonso Pena Júnior e Vereador Teixeira de Azevedo, no Bairro Cidade Nova, na Região Nordeste de Belo Horizonte. Quem cuida do espaço público é um catador de material reciclável e pedreiro – homem avesso a fotografias, de pouca conversa e fã do anonimato. Nas celebrações dos 120 anos de BH, cujo ponto alto será dia 12, o “jardineiro fiel” cumpre seu papel de embelezar a cidade e tratar bem das plantas.
Os bancos de alvenaria estão limpos, o chão livre de ciscos, e o ambiente parece mesmo um jardim caseiro. O tabuleiro de damas ganhou tampinhas vermelhas e pretas, de garrafa PET, que fazem as vezes das peças. “A gente costuma jogar nos fins de semana até com o cuidador da praça. Em certas ocasiões, familiares vêm visitá-lo”, conta Ronaldo. Por uma questão de respeito ao “jardineiro fiel”, que preserva tanto o anonimato e guarda seu material na parte de cima da praça, o repórter se comprometeu com os moradores a não citar o nome do benfeitor. “É melhor assim”, sorri Ronaldo, acrescentando que o homem tirou o espaço público do abandono.
LIVROS A cada centímetro quadrado o visitante faz uma descoberta na Praça Antônio Xavier. A mais inusitada fica sob a copa ainda com as flores vermelhas do flamboaiã. Na estante, com uma enigmática cabeça de boneca no alto, estão livros diversos: New York, New York, Os ratos, A mulher do próximo, O homem ao zero, Monsignore e outros arrumados por ordem de tamanho. “Veja esse: O bairro dos estranhos”, aponta Ronaldo, explicando que muita gente chega para fazer doações ou para curtir a leitura.
Morador há 40 anos de uma casa localizada de frente para a Antônio Xavier, o designer Eugênio Pacheco conta que o cuidador faz muito bem ao bairro. “Forneço mudas e troco ideias com ele. Realmente, antes o mato ficava alto, ninguém tomava providências. Melhorou muito. Se todas as praças da cidade tivessem um benfeitor assim, o resultado seria muito melhor”, diz Eugênio, dono da cadelinha Elke Maravilha, que logo se entrosa com Huck. Ao passar e cumprimentar os vizinhos, a pedagoga Elizabeth dos Santos elogia o serviço prestado pelo “rapaz”. Na opinião de Elizabeth, o lugar está “lindo” e representa um “ponto de encontro” do bairro.
Rosas, margaridas e outras flores de cores fortes dão um ar bem particular ao bairro, embora muita gente torça o nariz para o carrinho de material reciclável do jardineiro. “Alguns falam mal, mas não concordo. Basta ver o espaço tão bem cuidado para refletir sobre a importância desse zelador espontâneo”, diz um comerciante da região. Mensagens positivas estão por todo lado: Feliz Natal e Feliz Ano Novo saúdam a comunidade em lugares bem discretos. “Na época da Copa do Mundo, a praça ficou cheia. E foi aí que surgiram as bandeiras”, conta uma moradora.
PARCERIAS De acordo com os técnicos da Administração Regional Nordeste, de 2013 a 2015, a Praça Antônio Xavier foi adotada por um morador do Bairro Cidade Nova, mas o contrato expirou. A ideia é reativar a parceria. Na Região Nordeste da cidade, há 91 praças, e, na atual gestão, está sendo feita uma “reorganização” do setor para garantir a preservação do ambiente urbano. A água que molha o jardim é de uma torneira existente no gramado.