Jornal Estado de Minas

Média de suicídios entre estudantes de medicina e residentes é maior que a da população em geral

Pressão, responsabilidade e o medo do fracasso, uma mistura que, há anos, leva estudantes e médicos recém-formados a tirarem a própria vida. A questão é discutida há décadas no círculo médico, mas extrapolou os muros das faculdades de medicina depois do autoextermínio de dois alunos de uma instituição de Minas Gerais num período de apenas 10 dias, sendo o último deles na manhã de terça-feira. Estudos científicos mostram um número assustador: a média de suicídios entre quem ainda está cursando medicina e quem acabou de concluir o curso é quatro a cinco vezes maior que a da população em geral em todo o mundo. Outro dado é que um em cada quatro tem sintomas depressivos.

Neurocirurgião e professor da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana (Faseh), em Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), Sérgio Gonçalves de Oliveira relata que o assunto foi um dos temas do 55º Congresso Brasileiro de Educação Médica (Cobem), mês passado, em Porto Alegre (RS). “Esse é um assunto que se discute há anos, desde 1968. E desde 1976 já há estudos científicos no mundo todo falando sobre suicídios entre estudantes de medicina e os residentes (médicos recém-formados que estão se especializando). Grandes revistas norte-americanas e o Jornal de Medicina, lido no mundo todo, publicaram várias matérias sobre isso”, diz.

Em 1991, levantamento apontou as características dos alunos que tiraram a própria vida: o estudante que quer o melhor desempenho escolar; pessoas mais exigentes; mais propensas a sofrer pressões; pouca tolerância a falhas; quem sente maior culpa pelo que não sabe; aqueles que paralisam diante do medo de errar; quem pensa em abandonar o curso, mas não tem coragem de fazê-lo. Todos esses fatores levam à depressão e ao suicídio.

Nos artigos científicos, estudantes falam em esgotamento, ansiedade, depressão, internações psiquiátricas, uso de álcool e drogas.
Segundo Sérgio Oliveira, este ano se observou aumento maior em comparação com anos anteriores, apesar de números absolutos não terem sido levantados. “Não há estudos quantitativos ou qualitativos  nem uma forma de numerar os casos. Há tentativas de autoextermínio e aquelas em que se consegue atingir o objetivo. Várias tentativas não são computadas. Só vamos saber quando o estudante morre”, diz.

O médico relata que numa das instituições mais importantes do país, a Universidade de São Paulo (USP), houve este ano um número grande de tentativas de autoextermínio, principalmente entre alunos do 4º ano de medicina, o que levou o assunto ao centro dos debates no Cobem. Entre os motivos, estão as pressões que se multiplicam nessa etapa, quando se aproxima a prova de residência. “O aluno vai escolher a especialização e são poucas vagas.
Elas são em número menor que a quantidade de alunos que se formam. O estudante quer se inserir no mercado, já fazendo a especialização de que gosta. E aí vêm as disputas e ele fica mais vulnerável”, afirma o neurocirurgião.

Para o professor do 6º período de medicina, o salto de casos em 2017 é explicado pelo momento pelo qual o país está passando, de insegurança e instabilidade. “O momento coincide com o em que ele deve decidir o que quer para vida dele. E já estudou por tanto tempo que é muito difícil sair de uma especialidade e ir para outra.”

Sérgio Oliveira relata ainda que é grande o número de alunos que fazem uso de antidepressivos e, diante de tantas evidências, as instituições têm atuado cada vez mais na tentativa de ajudar os estudantes. Por isso, em toda elas há um núcleo de apoio ao estudante de medicina. Segundo o médico, a chave está no controle emocional.

“Sempre pergunto aos meus alunos quem foi ao cinema, quem está lendo um livro interessante. Mostro que ele tem que sair, se divertir, ter outros envolvimentos e uma vida pessoal.
O fato de estudar muito é só a gota d’água num copo que já está cheio”, avisa. Nesse trabalho multidisciplinar também é fundamental o envolvimento da família: “Quando fala que tem que internar, fazer tratamento, às vezes, a família nega. É chato, mas acontece. O que pesa no futuro médico é a perda da liberdade pessoal. O estudante se isola da família e dos amigos. O tempo dele é para estudo. Por isso, os familiares devem ficar atentos às mudanças de comportamento”..