Jornal Estado de Minas

Mapa inédito reúne dados sobre todos os trechos inclinados de Belo Horizonte

Sinalização aponta rua com declive acentuado: falta de infraestrutura de acessibilidade dificulta ainda mais a mobilidade nessas vias - Foto: Leandro Couri/EM/DA PressBelo Horizonte é a capital dos relevos, das montanhas e dos morros. Independentemente do bairro em que se esteja, sempre haverá uma ladeira para subir. A declividade média de Belo Horizonte é de 8,28%, segundo dados divulgados pela BHTrans. Se já é difícil para os pedestres encarar rampas íngremes durante o trajeto, imagina para os cadeirantes e deficientes com problemas de locomoção. Mais de 13 anos depois da edição do decreto federal que determina normas de acessibilidade nas cidades, as dificuldades vividas por quem tem algum tipo de limitação física ainda são nítidas. Os problemas incluem calçadas mal projetadas, rampas que não funcionam e falta de estrutura em locais inclinados. Ontem, integrantes do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência tomaram posse e encaminharam carta com propostas para melhorar os acessos. Na ocasião, foi apresentado o Mapa de Declividades de Belo Horizonte.

Trata-se de um banco de dados que contém informações de todos os trechos da cidade, que poderão ajudar e enfrentar os desafios de acessibilidade.

Cadeirante a vida toda, depois de contrair poliomelite ainda quando criança, Mariane Ester, de 43 anos, considera que a inclusão em BH melhorou nos últimos anos, mas aponta muitos problemas. “É um desafio diário, todos os dias a gente mata um leão. Há lugares na cidade que são adaptados e você está no paraíso. Mas basta andar dois quarteirões para fora desse espaço e tudo muda. A acessibilidade é muito precária e muita gente se escora no argumento de que a geografia da cidade não favorece. Alguns países que também têm o relevo acidentado enfrentaram o desafio e venceram. Tenho o direito de ir e vir e uma cidade mal estruturada o tira de mim”, comentou.
Para vencer os obstáculos, conta, a saída muitas vezes é optar por trajetos mais longos.

Sair de casa é um desafio para Mariane, já que várias vias não estão adaptadas para cadeirantes: "Todos os dias a gente mata um leão" - Foto: Túlio Santos/EM/DA PressO mapa, que promete ajudar essa população, foi elaborado pelo Instituto de Geociências da UFMG, em parceria com o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento e a BHTrans. A autarquia recebeu o documento em julho de 2016, detectou algumas inconsistências, que foram revistas e devidamente ajustadas. A diferença dele para outros mapas que já estão disponíveis no mercado é que fornece as declividades trecho a trecho. Ele foi elaborado com base no mapa de curvas de nível (metro a metro) e fornece três índices de declividade (tanto em graus quanto em porcentagem) para cada trecho de via da cidade: mínima, média e máxima. O novo banco de dados já está disponível e vai estimular a criação de aplicativos que permitam a seleção de percursos, em função da capacidade de cada pessoa para caminhar e/ou pedalar.

“Com essa informação, que está disponível no site para ser baixada por qualquer pessoa, alguém pode desenvolver um aplicativo que sugira uma rota acessível para cada cidadão, de acordo com as suas necessidades. Por exemplo, o cidadão selecionaria a opção ‘cadeira de rodas’ e indicaria que só pode trafegar em ruas com, no máximo, 8% de inclinação. A partir daí o aplicativo pode traçar uma rota adequada para ele. Sem esta base de dados, ninguém poderia desenvolver um aplicativo desse tipo”, contou Marcos Fontoura, assessor da BHTrans.  As pesquisas apontam que a Pampulha tem trechos mais suaves (média de 5,65%).

As regiões com maior concentração de trechos íngremes são o Aglomerado da Serra, o Taquaril, o Morro das Pedras e o Aglomerado Santa Lúcia.
As regionais com maior declividade média são a Centro-Sul (9,60%) e Leste (9,76%). Mas o relevo não justifica a falta de estrutura para lidar com a dificuldade, afirma Marcos. “Sempre que falamos sobre a mobilidade de pessoas com deficiência e até mesmo de ciclistas na capital as pessoas argumentam que não tem jeito, porque a cidade é inclinada. Mas temos pensar: que inclinação é essa que não tem jeito? Somos todos diferentes, mas o direito à cidade tem que ser o mesmo para todos”, defende.

A bancária conta que mora no Bairro Dom Bosco, na Região Noroeste, e trabalha próximo da Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul. “Perto de casa é muito difícil, lá não é acessível. Todos os dias é uma peleja. Já no entorno do meu local de trabalho é ótimo, perto da Rua da Bahia. Mas se eu quiser ir à Praça da Liberdade, não consigo. A prefeitura constrói rampas, mas algumas são ‘pra inglês ver’. Se eu estiver, por exemplo, no quarteirão do prédio da Vale e quiser atravessar para a praça, não consigo, por causa dos degraus”, disse.
A bancária observa que a inclusão não é só para quem tem deficiência. É necessária acessibilidade para o cego, o surdo e até para quem está incapacitado temporariamente de se mover. “Além disso, as pessoas envelhecem e vivem cada vez mais. Isso quer dizer que essa dificuldade vai atingir um grupo cada vez maior”, concluiu.



CARTA Mariane Ester ajudou a elaborar a Carta pelo direito a uma cidade para todas e todos. O documento pede várias melhorias, entre elas educação, formação e informação para a cultura cidadã. Entre as demandas que o grupo considera como as mais relevantes estão a avaliação prioritária das condições das calçadas, especialmente em relação às com pedras portuguesas; o desenvolvimento de pisos táteis que sejam testados e aprovados pelos usuários; e a eliminação das barreiras para o uso das rampas de acesso à calçada, que não podem ter declividades acentuadas. A carta foi feita depois da oficina “Mobilidade urbana e direito à cidade”, no evento “Programa BDMG Pró-Equidade”.

“É muito comum você encontrar pontos de ônibus em áreas íngremes. São diversos problemas que podem ser apontados. A última colocação dos pisos táteis foi feita sem consultar os cegos e há obstáculos como árvores e bancas de jornal que acabam provocando acidentes. Além disso, o piso não é tátil o suficiente para uma pessoa que usa tênis”, disse Denise Martins Ferreira, membro do Conselho Municipal e Estadual de Defesa de Pessoas com Deficiência.
A secretária municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, Maíra Colares, explica que o mapa será um importante instrumento para o diagnóstico da situação e execução de políticas públicas. “Com base nos dados, vamos fazer um plano municipal voltado para atender as pessoas com deficiência. A intenção é de que ele seja lançado no primeiro trimestre de 2018”, concluiu.


Declividade média em cada regional (%)
Pampulha     5,65
Venda Nova  7,23
Noroeste      7,94
Barreiro        8,09
Norte           8,21
Oeste          8,93
Nordeste      9,00
Centro-Sul    9,60
Leste            9,76


Padronização desde 2004


As normas de acessibilidade são determinadas pelo Decreto Federal 5.296, de 2 de dezembro de 2004, que estabelece padrões de locais acessíveis e, seguindo requisitos da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), dá diretrizes de como devem ser construídos os pontos de acessibilidade. Para facilitar o entendimento do decreto, a Prefeitura de Belo Horizonte, com o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura de Minas Gerais (Crea-MG), elaborou cartilhas com as diretrizes de acessibilidade dentro das cidades e das edificações, que descrevem como devem ser a sinalização, espaço necessário para mobilidade em cadeira de rodas, acesso e circulação, travessia de pedestres, faixas elevadas, mobiliário urbano (cabines telefônicas, bancas de jornal, abrigos em pontos de ônibus, semáforos), esquinas, rampas, escadas e passarelas, estacionamento, construção, manutenção e conservação de passeios, parques, praças e espaços públicos e turísticos, além da acessibilidade ao transporte coletivo..