Jornal Estado de Minas

TRAGÉDIA DE MARIANA

Obras de manejo de rejeitos em Paracatu de Cima estão comprometidas

Contenções feitas para barrar a entrada de minério de ferro no Rio Gualaxo do Norte já não estão funcionando mais - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press

Mariana – Na beira do manancial de águas vermelhas, a grossa camada de rejeito depositada após o rompimento da Barragem do Fundão, há dois anos, foi recortada e estratificada pela erosão do rio, ingressando novamente no seu leito. Esse ciclo de erosão e redepósito de lama e minério de ferro supera com facilidade uma série de obstáculos e peças de drenagem ali postadas pela Fundação Renova justamente para impedir ou pelo menos reduzir a infindável recirculação desse material contaminante. Essa situação, encontrada pela reportagem do Estado de Minas, por si só já indicaria a necessidade de ações mais robustas. Mas para a força-tarefa dos ministérios públicos Estadual (MPE) e Federal (MPF) o caso é ainda mais preocupante por estar na chamada “Área 8”, que servirá de modelo de recuperação a todos os demais 16 trechos dentro do plano de reparação da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. A região referida corre por um vale do Rio Gualaxo do Norte, em Paracatu de Cima, um subdistrito de Mariana.

Os problemas nesse segmento, que funciona como laboratório, dois anos após o acidente, foram identificados também por duas auditorias externas contratadas pela força-tarefa. Uma delas, o Instituto Lactec, faz o levantamento dos danos e necessidades de correção. A outra, a Auditoria Rumble, acompanha as ações da Renova para garantir que se desenvolvam a contento.

De acordo com Andressa de Oliveira Lanchotti, procuradora de Justiça e membro da força-tarefa pelo MPE, vários problemas foram encontrados, gerando notificações ao Comitê Inter-Federativo (CIF) formado pelo Ibama, ICMBio, ANA, estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. “As duas auditorias encontraram uma série de questões que não foram abarcadas e outras não tratadas de forma satisfatória, no que diz respeito à Área 8, que serve de modelo”, afirma a procuradora de Justiça.
Para Lanchotti, um dos aspectos mais sensíveis é justamente o manejo de rejeitos que ainda se encontram na calha dos rios atingidos e em suas margens. “A recuperação do Rio Doce, de forma geral, está muito morosa. O plano de manejo e de remoção de rejeitos era muito conceitual, não tinha cronograma prático. Isso teve de ser refeito e agora é que foi aprovado pelo CIF e deve começar a ser refeito na Área 8.” Ainda de acordo com a procuradora de Justiça, a retirada do rejeito, pura e simples, não é a saída para todos os trechos. “Você vai impactar outras áreas que vão receber esse rejeito, por isso é preciso ter estudos técnicos para dizer o local melhor para receber esse rejeito ou se ele deve permanecer onde está”, diz. O MPF não permitiu acesso aos laudos das duas auditorias externas contratadas.

RECONFORMAÇÃO Dentro da Área 8, segundo relatórios da Fundação Renova, foram feitos trabalhos de manejo de rejeitos e de recuperação ambiental por equipes de bioengenharia.
Foram relacionadas para as ações no segmento técnicas de reconformação do solo, restituição dos sistemas de drenagem, coveamento, adubação, semeadura manual, aplicação de biomanta e retentores de sedimentos. Contudo, na última semana, a reportagem não encontrou mais nenhum trabalho sendo realizado ao longo do Rio Gualaxo do Norte. As estruturas instaladas apresentavam um aspecto de abandono, algumas delas já deterioradas, o que contrastava com o grande acúmulo de rejeitos nas margens e nas estradas.

As biomantas, que são tramas em formato de redes usadas para fixar vegetação em áreas sujeitas a erosão foram largamente utilizadas. Mas algumas delas já se encontram rasgadas, arrancadas pela força da água ou encobertas pelos rejeitos de minério de ferro. Em vários pontos, as rochas usadas para revestir aberturas de drenagem de morros e estradas que desaguam no rio também foram desestruturadas pela força do rio, perdendo grande parte do material. Estacamentos feitos para segurar os barrancos ainda repletos de rejeitos também foram arrebatados e desapareceram em vários pontos, alguns deles já completamente cobertos pelos resíduos que deveriam conter.

Marcas da tragédia ainda estão nítidas em boa parte da região, uma das mais atingidas em 5 de novembro, quando quase 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro se desprenderam da Barragem do Fundão, operada pela mineradora Samarco, em Mariana, e ingressaram nos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce, até chegar ao mar, no Espírito Santo. As marcas da onda de lama alcançaram mais de 20 metros em alguns pontos desse trecho do Rio Gualaxo do Norte, marcando as paredes de fazendas, barracões de engenhos e currais que foram abandonados.

A família do produtor rural Reginaldo José Gonçalves, de 39 anos, precisou abandonar sua casa e fugir para a parte mais alta do terreno para salvar suas vidas. As ruínas da antiga casa, completamente tomadas pelos rejeitos, mostram a violência da inundação da qual escaparam.
“O que tinha pela frente (da lama), acabou tudo. Deram (como auxílio social) só um cartão de salário mínimo e mais nada. Até minha casa nova fui eu quem fiz. Deixaram para trás o rio morto. Tudo o que fizeram para segurar o minério está indo embora com o rio e assim desce mais minério nele todos os dias”, observa.

MONITORAMENTO A Renova afirma que não há inconsistência. O trecho 8 corresponde a um piloto que a fundação desenvolveu para testar a metodologia proposta no plano de manejo, aprovado em junho de 2017. “A proposta de manejo do trecho 8 foi entregue aos órgãos ambientais e contém quatro propostas a serem aplicadas, considerando o menor impacto ambiental. Duas delas, que consistem no enriquecimento da vegetação e na renaturalização, foram aprovadas para início imediato. As outras duas (remoção de rejeitos e desvio da água para tratamento e posterior retorno ao rio) precisam ser monitoradas neste período chuvoso, para garantir a melhor decisão. O monitoramento foi solicitado pelos órgãos ambientais e já está sendo realizado.” A fundação destaca que a erosão é um processo natural do solo e por esse motivo a revitalização ambiental precisa ser contínua até a estabilização em níveis aceitáveis.
“Houve êxito nos trabalhos de reconformação do solo. Os processos erosivos são pontuais e tratados de forma contínua pelo programa de manutenção. A solução definitiva vem das ações de reflorestamento, que terá continuidade nos próximos meses.”

A fundação informa, ainda, que 101 afluentes dos rios Gualaxo do Norte e Carmo receberam atenção, com técnicas de reconformação de margens, revegetação, sistemas de drenagem e enrocamento (colocação de pedras). Ao todo, serão aplicados controle de erosão e reconformação de margens em uma extensão de 2.184 hectares. Entre outras ações, 1.150 hectares de planícies recebem trabalhos na área de bioengenharia e futuro plantio de árvores nativas. Haverá também recuperação de 2 mil hectares de APP e reservas legais.

Onda de devastação


A lama e os rejeitos de minério que vazaram da Barragem do Fundão, em Mariana, atingiram em cheio a parte mais baixa do distrito de Gesteira, no município de Barra Longa, bem no vale do Rio Gualaxo do Norte. Foram destruídas no caminho da onda de devastação nove casas, uma igreja, um campo de futebol e outros espaços coletivos, bem como 20 terrenos rurais que produziam antes da tragédia. Os atingidos pela devastação reclamam que pouco foi feito e que problemas de saúde e falta de água passaram a afetar a comunidade.

 


“Dois anos após o crime e dezenas de reuniões, nenhuma certeza sobre a compra do terreno escolhido em junho de 2016, tampouco como será e quando eles verão pronta a nova comunidade que também enfrenta sérios problemas de saúde entre os atingidos, além da falta de água”, informa a Secretaria Estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Na última semana, a população e o movimento promoveram um “Dia de Gesteira”, como forma de alertar para essa comunidade que foi tão devastada quanto Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, mas que goza de muito menos espaço para exigir reparação. Na oportunidade foi discutida a proposta de reassentamento que está sendo construída pelos atingidos com a contribuição da assessoria técnica independente da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS) bem como reafirmar o restante da pauta de reivindicações e planejar os passos da luta popular para 2018 em toda a região de Mariana e Barra Longa.

“Reunimos todas as famílias que têm direito ao reassentamento, mas também todo mundo que está sem os seus direitos, sem o cartão, sem o atendimento de saúde, com as casas todas arruinadas e, claro, todos nós que vivemos aqui sem água de qualidade.

Lembrando que a Samarco abriu o poço aqui ano passado e até hoje foi incapaz de ligar a energia elétrica”, denuncia Maria das Graças Silva, atingida em Gesteira e militante do MAB.

A Fundação Renova informa que, para sanar os problemas de saúde, colocou à disposição da população 27 profissionais para fortalecer as estruturas do Sistema Único de Saúde (SUS) em Barra Longa. Foram contratados 83 profissionais para Barra Longa e Mariana, entre médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras. “Está em estruturação um estudo epidemiológico e toxicológico, com foco em toda a área impactada, que analisará indicadores de saúde no horizonte de 10 anos antes e, no mínimo, 10 anos depois do rompimento da barragem.”

Quanto à água, a fundação informa que na última semana foi concluída a interligação do poço existente nas proximidades do posto de saúde de Gesteira ao novo sistema de tratamento do distrito. “Desde a última sexta-feira, está em funcionamento o tratamento de água, implantado como medida compensatória. Também foram instalados dois novos reservatórios, com capacidade para 10 mil litros de água. A entrega do sistema de abastecimento de água completo à prefeitura está prevista para dezembro.” A Renova ainda fará a reforma do reservatório antigo, com o objetivo de melhorar a oferta e a qualidade da água para a comunidade.

Segundo a Renova, as negociações para a aquisição do terreno escolhido pelos atingidos foram retomadas em outubro. A intenção de venda foi firmada pelo proprietário junto à comunidade, com acompanhamento do Ministério Público Federal (MPF).

 

Área 8

Problemas no segmento considerado modelo de ação

» Indefinição de destino para o rejeito
» Estruturas de drenagem danificadas
» Barramentos e contenções engolidas pelo rejeito
» Deterioração e danos nas biomantas usadas contra erosão
» Rejeito das margens segue ingressando no rio
» Lama e minério de ferro da calha continuam sendo depositados nas margens

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