Jornal Estado de Minas

Fim de ano será de orações e homenagens às vítimas do incêndio na creche de Janaúba

Valdirene Borges leva na camiseta a foto do filho Mateus, que morreu na tragédia: 'Não há dinheiro que pague a vida dele' - Foto: Luiz Ribeiro/EM/DA PressJanaúba - Natal é sempre tempo de alegria e comemoração em família – hora de renovar as esperanças, pensar de forma positiva e acreditar no futuro, mesmo com lembranças que fazem o coração bater no compasso forte da saudade. É o que ocorre em Janaúba, no Norte de Minas, com as famílias das vítimas da tragédia na creche Gente Inocente, provocada pelo vigia Damião Soares dos Santos, de 50 anos, na manhã de 5 de outubro. Damião ateou fogo no centro de educação infantil, matando ele próprio e levando à morte outras 12 pessoas, das quais nove crianças. A emoção e a saudade tomam o lugar da alegria típica das festividades natalinas na família da professora Heley Abreu Silva Batista, que morreu queimada, tentando salvar as crianças da creche. O sentimento se repete nas famílias das crianças que morreram no incêndio.

Parentes da professora contam que sempre mantiveram a tradição de se reunir em família durante o Natal. Neste ano, pela primeira vez, a comemoração não vai ocorrer, devido à ausência dela. “Sem Heley, está sendo difícil. A gente sempre passou o Natal juntos, tendo essa visão do verdadeiro significado do Natal, do renascimento de Jesus Cristo, de a gente se sentar à mesa, cear com a família e os filhos e agradecer a Deus por tudo.
Neste ano, não teremos a Heley materialmente ao nosso lado, mas, com certeza, o Pai Eterno, Nosso Senhor, vai conceder a presença dela nos nossos corações”, afirma o protético Luiz Carlos Batista, viúvo da professora.

Devido ao seu ato de bravura, Heley foi considerada heroína, ganhando reconhecimento em todo o país. Houve muitas campanhas nas redes sociais para que ela fosse eleita a Brasileira do Ano. Uma revista elegeu a cantora Annita como “Mulher do Ano” e milhares de pessoas fizeram uma postagem dizendo que a escolhida, na verdade, deveria ser a professora. Luiz Carlos disse que considera justas as campanhas para o reconhecimento a educadora morta na tragédia.

“Respeito as opiniões de toda a população brasileira. Cada um em seu vínculo e sua escolha. Jamais serei contra a Anitta, outro cantor ou quem quer que seja. Cada um tem seu livre-arbítrio de escolher.
Mas, quando alguém faz algo que fica como exemplo, que não tem como ser distorcido, não tem como ser criticado e não tem como ser abalado, enxergado por muitos com visões diferentes, olhando pelo lado que citei – não pelo fato de ser minha esposa, mas sim por ter sido um ato de bravura e de extremo amor ao próximo – isso precisa ser reconhecido, pois estamos diante da maior manifestação de amor existente, que é a doação da própria vida”, relata Luiz Carlos.

Heley deixou três filhos – Breno, de 15, Lívia, de 12, e o pequeno Olavo, de apenas 1 ano e 4 meses. Luiz Carlos conta que, com a morte da mulher, sua rotina mudou e ele passou a enfrentar as dificuldades para criar os filhos sozinho. “Estou tentando me acostumar a viver com a ausência da Heley. A rotina diária da minha vida mudou toda. Ainda que receba ajuda das pessoas, estou sendo pai e mãe, sendo tudo”, ressalta.

Ele também confessa que enfrentou dificuldades financeiras. Por isso, agradece as doações que foram destinadas às famílias das vítimas da tragédia. “Agradeço a todas as pessoas que oraram e que fizeram campanhas de contribuição e nos ajudaram com fundos. A arrecadação de dinheiro me ajudou nos pagamentos de muitas contas que estavam pendentes, como a escola dos meus filhos.
Ainda que o que ela ganhava era pouco, minha esposa me ajudava demais. Eu estava cursando uma faculdade de odontologia cara, tentando ganhar uma bolsa. Por isso, agradeço de coração as pessoas que foram solidárias e nos ajudaram”, declara Luiz Carlos, que, assim como os familiares de outras vítimas, ainda está à espera do recebimento de indenização por parte da Prefeitura de Janaúba.

Heley faz falta nos corações e também nas coisas práticas da vida. “Sempre quem preparava tudo era ela’’, lembra a mãe da educadora, Valda Terezinha Abreu Silva, de 65, de luto pela trágica perda da filha. “O que estou sentindo é uma coisa que não desejo para nenhuma outra mãe do mundo”, diz, emocionada, a aposentada. “A Heley era a primeira pessoa a chegar e tomava conta de tudo na organização das coisas, com muita dedicação”, acrescenta a enfermeira Ariadna Patricia Barbosa, cunhada da professora heroína.

Ariadna é casada com o comerciante de toldos Marconi Abreu Silva, de 40, um dos dois irmãos de Heley. “Desta vez não terá nada. Com a morte da Heley, ficamos sem chão”, confirma Marconi. O outro irmão de Heley, o serralheiro Paulo Regino Abreu Silva, de 36, salienta que a professora, além de ser a primogênita, era a líder dos irmãos. “A gente sempre gostou muito da Heley.
Sem ela, ficamos muito abatidos. Este Natal ficou desanimado mesmo. Não tem o que comemorar”, lamenta Paulo Regino. Mas, como a irmã, que era devota de Nossa Senhora Aparecida, não perde a fé: “Com certeza, Deus vai cobrir esse vazio que ficou entre nós”, diz.

“No primeiro momento, fiquei em choque, sem saber o que fazer. Infelizmente, ela morreu naquela situação, sem que eu pudesse fazer nada por ela. Minha maior tristeza foi essa, de não poder fazer nada. Se Deus me desse a oportunidade de salvar minha irmã, eu teria salvo. Minha maior tristeza foi essa, de não poder”, afirma o serralheiro. “Mas, mesmo com tudo que aconteceu, a gente tem um pouco de felicidade sempre que ouve dizer que ela salvou muitas crianças”, conclui Paulo Regino.

A saudade também marca o Natal das famílias das nove crianças mortas no incêndio na creche Gente Inocente, em Janaúba. “Está sendo um período natalino diferente, muito triste”, confessa a balconista Valdirene dos Santos Borges, mãe do pequeno Mateus Felipe Rocha Santos, de 5 anos, uma das crianças que perderam a vida na tragédia.
Para lembrar o filho, ela usa uma camiseta com a foto dele na parte da frente e a frase “não há dinheiro que pague a vida dele”, nas costas. No ano passado, ela deu como presente de Natal para Mateus Felipe um carrinho, brinquedo preferido do garoto, que sonhava ser policial militar.

O viúvo Luiz Carlos, em foto de arquivo com retrato da educadora: 'Nosso Senhor vai conceder a presença dela nos nossos corações' - Foto: Luiz Ribeiro/EM/DA Press

OUTRAS VÍTIMAS Ainda não refeitos do susto e solidários com os sentimentos dos familiares de colegas de seus filhos que perderam a vida, pais das crianças que sofreram queimaduras no incêndio e permanecem em recuperação também não vão fazer festa de Natal este ano. A Prefeitura de Janaúba informou que 10 crianças de casos mais graves continuam recebendo os cuidados ministrados por uma equipe médica multidisciplinar do município, que, para fazer o atendimento especializado, participou de capacitação promovida na cidade por um grupo de profissionais que atendeu os feridos no incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria (SC), tragédia ocorrida em 27 de janeiro de 2013, que resultou em 242 mortes e 680 feridos.

A doméstica Uilsa Maria de Jesus, de 28, é mãe de Maísa Gabriele de Jesus Santos, de 4, uma das vítimas do fogo na unidade de ensino infantil. A menina teve 49% do corpo queimado e ficou 13 dias internada na Santa Casa de Montes Claros. Depois de receber alta, dá continuidade ao tratamento com medicação, com retornos ao hospital para avaliações periódicas. Maísa voltou a frequentar a creche, improvisada em um prédio da Secretaria de Saúde do município.

Uilsa não tem ânimo para fazer festa neste Natal, apesar da alegria pela recuperação da filha. “Agradeço a Deus pela vida de minha filha, mas sinto muito pelas outras mães que perderam os filhos e também pela professora (Heley) e pelas funcionárias da creche que morreram”, lamenta Uilsa, que também é mãe da menina Tauane, de 9 anos.

Próximos passos


‘A Prefeitura de Janaúba, por meio de um Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) firmado com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), decidiu que vai pagar as indenizações às famílias das vítimas da tragédia nos valores de R$ 12 mil, divididos em 12 parcelas de R$ 1 mil ao longo de 2018 – para os casos de morte e de pessoas com ferimentos graves ou que ficaram incapacitadas para o trabalho por no mínimo 30 dias, e R$ 6 mil (em 12 parcelas de R$ 500 em 2018) para as demais vítimas.’’.