Eram 9h30 do dia de Natal de 31 anos atrás. A família toda viajava pela Rodovia Fernão Dias em direção ao Sul de Minas, quando o carro rodou na lama e bateu num caminhão. No acidente, morreu Vera Lúcia, filha que seis dias depois completaria 15 anos. E nascia ali um homem que transformou tristeza no sorriso e na alegria de milhares de crianças. Sete anos depois da tragédia, o hoje aposentado José Naíde de Carvalho, o Jacaré, de 75, começou uma tradição cujo cenário são as zonas carentes e estradas de terra ao longo de 120 quilômetros de Belo Horizonte até Crucilândia, na Região Central do estado. Há mais de duas décadas, ele deixa as festas natalinas para percorrer várias cidades distribuindo brinquedos, roupas e cestas básicas a cerca de 1 mil crianças. Amanhã, o Papai Noel vai para a estrada às 7h, com a dor das lembranças, mas pleno de esperança e com a certeza de quem fará a data ficar marcada na memória de meninos e meninas.
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Crianças internadas na pediatria da Santa Casa ganham passeio especialEstes jovens de diversas crenças têm mais em comum do que você imaginaTreze pessoas morrem na mesma estrada a caminho do feriado prolongado em MinasPresépio em casa de Itabirito reúne 10 mil peças e atrai até estrangeirosPapai Noel de bike encanta moradores na Região Centro-Sul de BHDo Barreiro, onde está o bar do Jacaré, sairão um caminhão-baú e quatro carros. A primeira parada é o cemitério de Ibirité, na Região Metropolitana de BH, onde ele para e faz as orações perante o túmulo da filha. Em seguida, o cortejo segue parando em Sarzedo, Mário Campos, Brumadinho e Estrada Velha de Bonfim para distribuir presentes. O destino final é Crucilândia, onde a distribuição é feita no parque de exposições da cidade e congrega crianças não só do município, mas de todo o entorno.
A ação começou em 1993. Jacaré passou os sete anos seguidos da morte da filha em profunda depressão. O Natal era no cemitério. A família se desintegrou. Em 1993, sua companheira à época propôs uma mudança radical e o incentivou a canalizar a tristeza fazendo o bem. Ele mesmo comprava os brinquedos, roupas e guloseimas. “O acidente ocorreu há 31 anos, mas, para mim, parece que foi ontem”, diz. O percurso foi escolhido por estar na rota do cemitério e por ter estrada de terra.
No segundo ano, a companheira lhe fez uma roupa de Papai Noel. “Eram 15h, estávamos em Crucilândia e como sempre eu não havia comido nada, pois não como nada no Natal. Pedi um refrigerante num bar, quando chegou um rapaz que dá sanduíche e brinquedo de Natal lá na cidade, dizendo que Deus havia me mandado, porque estava cheio de crianças no parque, mas não tinha Papai Noel. Expliquei que não tinha mais presentes, mas aceitei ir diante da insistência. Lá, prometi voltar no ano seguinte com presentes. A partir daí, comecei a pedir a colaboração das pessoas”, conta.
Da caminhonete, os presentes passaram para um caminhão-baú pequeno e, daí, para um caminhão e quatro carros. “Tudo na vida tem um porquê e, não fosse isso (a perda da filha), eu não seria Papai Noel.
Jacaré sabe do que fala. Ele fez um raio-x de todos os beneficiados. Depois do Natal, ele costumava voltar para traçar o perfil de quem recebeu os presentes, para saber a quais famílias estava presenteando e quem realmente precisava. Segundo ele, todas as pessoas estão cadastradas “na mente”. Em Crucilândia, ele continua a amizade e a parceria com o rapaz que o recrutou para ser o Papai Noel da cidade. Seguindo os passos do pai, Quim, apelido do amigo, continua distribuindo sanduíches durante o evento, que tem direito a guerra de guloseimas. Os voluntários, da caçamba de caminhonete, jogam balas e pipocas para as crianças se esbaldarem. “Vejo a alegria das pessoas, o agradecimento, e como apenas uma palavra dita por alguém te engrandece e enche de esperança.”
SOLIDARIEDADE A distribuição de presentes e alimentos no Natal é tradição entre algumas pessoas.