Jornal Estado de Minas

Estes jovens de diversas crenças têm mais em comum do que você imagina


Ano novo, vida renovada e muitas esperanças no ar, fé no futuro e desejo de menos intolerância religiosa, mais respeito com as diferenças e união entre os povos. Para resumir todas ideias e sentimentos, é fundamental uma regra de ouro: “Amar o próximo como a si mesmo, em qualquer tempo e não apenas no Natal e réveillon”. Nisso acreditam piamente oito estudantes, de várias crenças, residentes em Belo Horizonte. Para eles, a paz no mundo é possível, mesmo com as divergências entre católicos, evangélicos, judeus, muçulmanos, candomblecistas, umbandistas, budistas, espíritas, ateus, agnósticos ou de outra fé. Embora nem todos os jovens ouvidos pelo Estado de Minas na semana passada creiam na figura de Jesus e nos símbolos cristãos, fica evidente que a época natalina toca o coração, reúne as famílias e fortalece ações de solidariedade, fraternidade e vontade de melhorar o planeta.





“O Natal é uma data em que comemoramos o nascimento de Cristo e o que fez por nós. Ele nos salvou do pecado e trouxe um pouco de amor”, diz a estudante de ensino médio Manuella de Oliveira, de 17 anos, católica. De família também católica, a adolescente acredita na importância da reunião na noite de 24 para 25 de dezembro e tem um pensamento de esperança sobre o futuro das religiões: “Quero ver, um dia, o entendimento entre todas as crenças, com muita tolerância e fim de conflitos”.

O nascimento de Jesus é uma das datas mais comemoradas no Brasil, país com maioria católica. Em Minas, 70% da população se declara seguidora da Igreja chefiada pelo papa Francisco, conforme último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE-2010). Também em Minas, 25% dos entrevistados se declaram protestantes – a religião contém 22 segmentações, de acordo com a pesquisa, variando entre evangélicas de missão e evangélicas de origem pentecostal. Os espíritas, no território mineiro, correspondem a 2% dos residentes, enquanto os candomblecistas, budistas, judeus, ateus e agnósticos, juntos, somam menos de 1%.

Para Jacqueline Alves Silva, 18, evangélica pentecostal, pertencente a Assembleia de Deus, este é um momento para lembrar "o presente que Deus deu". "O dia 25 não é o dia em que Jesus nasceu, mas o dia de relembrar o presente que nos foi dado. É muito mais lembrar do amor que teve por nós, compartilhar o amor na família e no natal”, pontua a jovem que foi à igreja e fez um culto dentro da própria casa com uma confraternização colaborativa. 




INTERAÇÃO
Durante o encontro – parte dos jovens estiveram no mesmo dia na redação do EM – com os jovens, houve um momento surpreendente e emocionante, quando cada um tirou um símbolo importante para sua religião. Da bolsa, saíram o alcorão fundamental para os muçulmanos; o terço católico, fio de contas do candomblé, o rosário budista, livros de espiritismo, uma bíblia evangélica, como também um violão com palavras e símbolos em hebraico do jovem judeu. Os jovens também repudiaram depredações de templos e lugares sagrados para todas religiões, como ocorreu em 2017, incluindo terreiros em Minas.

O encontro gerou um interesse no grupo de debater cada vez mais o tema. Em nenhum momento houve atrito, desrespeito ou intolerância e todos se empenharam em aprender mais sobre os caminhos da fé, independentemente da religião. E a reunião gerou frutos, já que o grupo pretende marcar um próximo encontro interagir mais e trabalhar na promoção da paz.

Para a muçulmana Imane El Khal, de 19, vinda de uma família marroquina e moradora do Bairro Mangabeiras, na Região Centro-Sul, o Natal vai muito além de uma data. “Ao contrário do que muita gente pensa, nós, muçulmanos, cremos em Jesus. Mas não temos certeza da veracidade da data. Então, não focamos nela, mas sim em manter o espírito vivo no nosso dia a dia. Tudo o que Jesus ensinou, nós seguimos”, conta Imane.



A jovem muçulmana passou o domingo com seus parentes e foi até a mesquita, no bairro onde mora, fazer suas preces e ler o alcorão. “Fui lá, como se fosse um dia qualquer”, informou a jovem. Para os islâmicos, Jesus é um dos principais profetas e mensageiros enviados à humanidade é uma espécie de profeta. Mas mesmo dando relativa importância a sua figura, os fiéis não reservam uma data especial para comemorar seu nascimento. Os muçulmanos acreditam em Alá, se baseiam no alcorão, o seu livro sagrado, e possuem o Ramadã – período em que praticam jejum – como uma das principais épocas do ano. Vista por muitos, de forma errônea, como uma religião intolerante, o islamismo prega virtudes, como a paz, que é o principal ensinamento.

Outro que também tem raízes espalhadas pelo mundo é o jovem Vitor Zucher, de 20. Com a família paterna judaica, o jovem integrou um movimento juvenil judaico na capital mineira, Habonim Dror, quando pôde participar de discussões sobre intolerância. "Judaísmo não é só uma religião, e, sim, um povo. A democracia advém da cultura judaica, com fundamentos nos dez mandamentos que Moisés recebeu no Monte Sinai. Portanto, muito tem a ver os direitos humanos com o princípio do judaísmo", disse Zucher, que passou um ano em Israel conhecendo melhor o país. "Todas as religiões são de paz. O que muda é a maneira como o homem a interpreta".

ÉTICA Já a candomblecista Luciana Gonçalves de Souza, de 18 anos, divide a véspera e o dia do Natal entre comemorações de sua religião e as cristãs. “Ele não tem o mesmo significado no candomblé como em outras religiões. Nossos deuses são os orixás. Contudo, a celebração é um momento em que a gente tem uma reunião de famílias em todos os níveis – seja de sangue ou de afinidade”, contou.



Na cultura candomblecista, Oxalá é uma das mais antigas das divindades geradas por Olódùmarè. A partir de lendas sobre os orixás, certos valores são passados aos que seguem a religião, assim como Xangô representa a justiça. Assim como os cristãos, a família é um dos mais importantes elementos no candomblé. Ela conta que, quando começou a frequentar uma casa, passou a fazer parte de uma família: “Nós os chamamos de irmãos, pais, mães. Esse espírito natalino está dentro da religião. Celebramos com nossas famílias”, contou.

Budista de linhagem soka gakkai, Victor Mendonça, 20, vê o Natal como uma simbologia para algo que o budismo tenta aplicar durante todo o ano. “Por isso, respeito o cristianismo, afinal, Jesus foi um grande líder assim como Buda.” O Natal, para os budistas, em geral, é o que mais se assemelha ao cristianismo e se chama Hana Matsuri. Em vez invés de comemorar o nascimento de Jesus, o budismo festeja Sidarta Gautama, nome real de Buda. Nessa data, ele é colocada em um altar enfeitado.

Há também quem considere os fenômenos sobrenaturais inacessíveis à compreensão humana. A palavra que deriva do grego agnostos significa “desconhecido”, conta Eduarda Gonçalves, 18. A definição é diferente do ateu, que não crê em Deus ou em qualquer “ser superior”. “Minha família é de origem católica, mas preferi não seguir todas as teorias, porque sentia que era mais obrigação do que amor. Não tinha muito uma escolha e acabei ficando no meio do caminho. Tenho fé, entretanto não acredito na existência de um deus, mas também não duvido dela. Vai de pessoa para pessoa. Felicidade está acima de qualquer coisa, o bem maior que a gente pode ter é a paz”, observou a jovem.



(* Estagiário sob supervisão do editor Roney Garcia)

 

Amor
“Esse período de amor, nos faz lembrar o presente que Deus nos deu: o filho que veio para pagar por nossos pecados. O Natal nos faz lembrar o amor que Ele tem por nós”
Jacqueline Alves Silva, de 18, evangélica

União
“Quando nos iniciamos para os santos, começamos a frequentar uma casa e fazemos parte de uma família, na qual nos chamamos de irmãos, pais, mães. É muito importante a celebração do Natal, porque é um momento em que a gente reúne a família, não só a de sangue”
Luciana Gonçalves de Souza, de 18 anos, candomblecista

Líder
“Vejo, dentro da minha religião, o Natal como uma simbologia para algo que o budismo tenta aplicar durante todo o ano. Por isso, respeito é válido o cristianismo, afinal, Jesus foi um grande líder, assim como Buda”
n Victor Mendonça, 20 anos, budista

Espírito vivo
“Ao contrário de que muita gente pensa, acreditamos em Jesus. Mas, não focamos em data, e sim em manter o espírito vivo todos os dias em nosso caráter, no nosso dia a dia”
Imane El Khal, de 19, muçulmana

Salvação
“Comemoramos o nascimento de Cristo e o que Ele fez, nos salvando do pecado e nos trazendo amor”
Manuella de Oliveira, de 17, católica

Reflexão
“Este é um momento de reflexão. É quando eu olho para o meu íntimo e paro para cuidar da minha família, da minha essência. É quando eu penso em Cristo e penso se estou os fundamentos dele e amando o próximo”
Priscila Resende, de 19, espírita

Legado
“O maior legado para nós, povo judaico, é o Veahavtah Lerecha Kamocha, que quer dizer: ame o próximo como a si mesmo”
Vitor Zucher, de 20, judeu

Bem maior
“Eu não me sinto representada por nenhuma religião, mas, acredito que devemos tratar o outro da melhor maneira possível, durante todo o ano. Quanto mais você faz o bem, mais ele é reproduzido pelos outros. O bem maior que a gente pode ter é a paz”
Eduarda Gonçalves, 18, agnóstica

 

O QUE DIZ A LEI
Liberdade constitucional
De acordo com o artigo 5º da Constituição Federal do Brasil, a liberdade de crença é inviolável – e é assegurado a todos, por lei. “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”, diz o texto.

 

PALAVRA DE ESPECIALISTA
TOLERÂNCIA E CONHECIMENTO
“O ponto em comum em todas as religiões é o amor. Apesar de credos tão diferentes, os objetivos são os mesmos. A regra de ouro das religiões é a base de todas. Em qualquer religião que você conhecer, a regra é e será a mesma: amar o outro como a si mesmo. Os caminhos são diferentes, mas todas dizem o mesmo: aceite a pessoa como gostaria que você fosse aceito. Amar o próximo e não querer que ele seja como você. Antigamente, a maior parte das pessoas do meu convívio era católica, até mesmo por sempre haver uma igreja por perto. Hoje, estamos em um mundo globalizado e os alunos viajam para países de maioria muçulmana, protestante, entre outras. Este encontro de jovens conversando sobre religião é o retrato da tolerância. Já pensou pessoas de diferentes religiões, que nunca se viram, em um lugar debatendo sobre o que acreditam? Podendo discordar, concordar, sem criar um bloqueio? Eles são muito pra frente, e estão muito além”
Simone Fortunato,
coordenadora do Colégio Sagrado Coração de Jesus