Conceição do Mato Dentro – Nas paredes de uma igreja de quase 300 anos do interior de Minas, a vida de Maria, José e Jesus veio à luz sob camadas do tempo e das tintas. É um milagre revelado.
Em processo de restauro, a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Conceição do Mato Dentro, a 175 quilômetros de Belo Horizonte, traz de volta, em tons avermelhados, dourado e sépia, as cenas bíblicas da Natividade: Anunciação do Anjo Gabriel à Virgem Maria, Visita a Santa Isabel, Adoração dos Pastores, Visita dos Reis Magos, Fuga para o Egito e outras que encantam pela história sagrada e beleza da criação e pelo esmero no trabalho dos especialistas em ação.
No dia de Natal, o Estado de Minas mostra um tesouro dos mineiros, uma joia redescoberta por mãos hábeis e talentosas.
Ainda vedada à visitação pública – a previsão é de reabertura do templo em dezembro de 2018 – a igreja tem grande importância no Barroco brasileiro, sendo tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1948, embora interditada há 12 anos por apresentar problemas estruturais e nos elementos artísticos.
Parte do patrimônio valioso está pronta, a sacristia, reinaugurada em 17 de outubro. Ali estão, igualmente restaurados, o altar do Senhor do Bonfim, as pinturas parietais (feitas diretamente sobre a madeira), as cimalhas e esquadrias, o forro da sacristia e um imponente arcaz, móvel típico de igrejas para guardar vestes litúrgicas e alfaias.
Mas é na capela-mor que os olhos se fixam e buscam o deslumbramento em cada detalhe. À frente da equipe de restauradores e auxiliares, alguns da cidade, e técnicos, está Dulce Senra, da Cantaria Conservação e Restauro, profissional apaixonada pelo ofício e disposta a falar sobre a intervenção nos elementos artísticos iniciada há dois anos.
“As cenas da Sagrada Família são contadas de forma bem linear, mas a autoria desse trabalho é desconhecida”, explica. Mais surpreendente é que não havia registros, oficiais ou não, sobre as pinturas que ocupam a totalidade das paredes, muitas delas, em especial na vida adulta de Cristo, elaboradas numa recriação da azulejaria. No alto, no forro, fulgura a Assunção de Nossa Senhora, original que foi repintado com uma Nossa Senhora da Conceição e depois pelo Divino Espírito Santo.
Conforme as pesquisas recentes, o trabalho em policromia foi encoberto, em 1816 e 1933, por camadas de tinta. O artista que fez as pinturas retratadas nos azulejos copiou as gravuras do livro de Bartolomeo Ricci, de 1607.
Muito usadas como modelo pelos artistas coloniais, os especialistas verificaram que “as gravuras de Ricci estão nas parietais da matriz e reproduzidas com muita fidelidade ao original, com algumas modificações em que o autor coloca sua interpretação pessoal”. As figuras humanas, por exemplo, têm anatomia mais atarracada, com pequenas modificações nas vestes.
Delicadeza
A restauração dos elementos artísticos da Matriz de Nossa Senhora da Conceição se tornou possível graças ao termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público de Minas Gerais, por meio dos promotores de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda e Marcelo da Matta Machado.
O valor histórico e cultural é ressaltado pela comunidade, e as pinturas internas, representando cenas da Paixão de Cristo, foram consideradas “uma das mais encantadoras e delicadas do patrimônio de arte religiosa do país” pelo primeiro presidente do Iphan), o advogado, jornalista e escritor Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969).
O restauro do templo, iniciado em 2012, está sendo custeado pela empresa Anglo American, com recursos também da Paróquia Nossa Senhora da Conceição e prefeitura local.