Depois de o Uber viver um de seus piores momentos, com uma sucessão de denúncias ligadas a casos de desrespeito, assédio e até estupro contra passageiras, agora o alvo de queixas é um dos seus principais concorrentes. Usuários do 99Pop, serviço de transporte por aplicativo, chamam a atenção em redes sociais para um golpe que estaria sendo praticado por motoristas parceiros do aplicativo em Belo Horizonte. Os relatos são recorrentes: muitos condutores iniciam a corrida antes de se encontrar com o usuário ou fazem trajetos aleatórios, acumulando cobranças que chegam a ultrapassar R$ 200.
O 99Pop chegou a Belo Horizonte em setembro, mas foi no fim do mês passado que começou a apresentar problemas, já que o sistema não permite que o passageiro cancele a corrida, deixando-o, assim, refém de motoristas desonestos. A reportagem do Estado de Minas apurou pelo menos 10 denúncias de golpes na primeira quinzena deste mês. Especialista aponta que o consumidor deve pedir ressarcimento imediato de eventuais cobranças indevidas e, quem têm direito de pedir o dobro do valor cobrado indevidamente.
A engenheira química Thaís Amorim de Araújo, de 30 anos, foi uma das vítimas do golpe. Ela conta que no dia 2 estava em um bar no Bairro de Lourdes, na Região Centro-Sul, comemorando o aniversário de uma amiga, quando pediu um carro pelo 99Pop, por volta de 1h30, da Rua Professor Antônio Aleixo para casa, no Bairro Liberdade, Região da Pampulha. “Quando vi que o motorista aceitou a chamada e ainda ia demorar uns minutos para chegar, fui me despedir dos meus amigos. Ao abrir novamente o aplicativo para verificar onde ele estava, percebi que já havia iniciado a corrida e ia em outra direção. Naquele momento, contei para os meus amigos e um deles ligou para a central e explicou a situação para a atendente. Mas ela informou que somente o motorista poderia cancelar a corrida”, contou a engenheira.
O motorista só encerrou a corrida às 2h46, totalizando o valor de R$ 260,74. “Eu tinha um desconto de R$ 2 do aplicativo e, portanto, veio a conta de R$ 258,74 no meu cartão de crédito”, completou. A partir do dia 3, ela viu vários relatos parecidos e resolveu fazer uma publicação no Facebook. “Além disso, abri um pedido de contestação junto ao meu cartão de crédito”, contou.
No dia 5, a estudante Maria Luana Barroso Miranda, de 17, passou por situação semelhante. Após pedir um carro pelo app, do Edifício Arcângelo Maletta, no Centro de BH, para o Bairro Luxemburgo, na Região Centro-Sul, a viagem que normalmente sai em torno de R$ 11 ficou em R$ 236. “Quando ele aceitou o pedido, já iniciou a corrida. Ele estava no Santa Efigênia (Região Leste), mais ou menos longe do Centro. Quando percebi, fiquei desesperada. Primeiro, mandei uma mensagem, que não chegou a ser visualizada. Tentei ligar, mas a chamada dizia que o número discado não existia”, contou a adolescente. Segundo o relato, ela decidiu chamar outro app para voltar para casa. Mas, enquanto isso, o fraudador rodou pela Pampulha, Contagem e Nova Lima. “Foi muito rápido. Ele percorreu 140 quilômetros em uma hora”, relatou.
Em um dos casos que mais chamaram a atenção nas redes sociais nos últimos dias, o solicitante – o administrador Sanzio Santos, de 32 – se deparou com uma mensagem inusitada do motorista, que dizia estar em casa almoçando durante a corrida. As capturas da tela do celular, publicadas pela vítima no Facebook, mostram os questionamentos do cliente. O golpista respondeu às mensagens de Sanzio com deboche, usando frases como “Me deixa dormir que estou cansado” e “Usei muita droga ontem”.
“Foi na sexta-feira, 1º de dezembro, por volta das 16h30. Pedi o carro na Avenida Nossa Senhora do Carmo, na Região Centro-Sul, para o Bairro Gutierrez, na Região Oeste. Quando percebi a demora do motorista, mandei mensagem perguntando onde estava e ele respondeu, imediatamente, dizendo que estava em casa almoçando. Achei que era brincadeira de mau gosto, mas, quando voltei para a tela percebi que a opção de cancelamento não existia”, contou. A corrida só foi finalizada quando atingiu o valor de R$ 203. Sânzio informa que, depois de muitos dias de queixas, recebeu apenas parte da cobrança indevida.
FRAUDE EM PLACAS
Outro ponto em comum entre os golpes é que os fraudadores trocaram placas no aplicativo. Após prática irregular, passageiros consultavam o histórico e percebiam que a identificação do carro havia sido alterada, apontando outra falha no app. Essa característica se repetiu nos casos de Thaís, Luana e Sanzio. “Quando finalmente a corrida se encerrou, percebi que ele tinha percorrido 110 quilômetros em 59 minutos, o que é absolutamente impossível, principalmente em um trânsito de sexta-feira. Logo, fui conferir o aplicativo e percebi que a placa havia sido trocada”, detalhou Sanzio. Ele acredita que a fraude tenha ocorrido no GPS do app, e se preocupa com a fragilidade na segurança. “Tudo indica que são cadastros falsos. Não sei como a 99Pop está checando os dados, mas isso pode trazer consequências ainda mais graves”, afirmou.
As dores de cabeça continuam após o golpe. Apesar de a 99Pop prometer ressarcir as vítimas, os usuários reclamam da falta de assistência da empresa, da demora e da forma de restituição. De acordo com a engenheira Thaís Amorim de Araújo, a empresa não tomou providencia: “Marquei a página do aplicativo no meu post, mas não recebi nenhum retorno. Apenas 10 dias depois recebi um e-mail me informando que a quantia seria estornada”, contou. No texto, a empresa apenas informa que uma análise interna foi feita e que a solicitação de reembolso foi atendida.
Thaís ficou indignada, pois diz que nem sequer recebeu um pedido de desculpas por parte da empresa. Segundo ela, o valor foi depositado no dia 12. Já a estudante Maria Luana Barroso Miranda contou que teve dificuldades para entrar em contato por meio de redes sociais, e-mail e telefone: “Após muitas tentativas, eles me responderam no Twitter dizendo que iam ressarcir o dinheiro em até duas faturas no cartão”, disse.
(Com Lucas Soares, estagiário sob supervisão do editor Roney Garcia)
Empresa diz apurar casos
O EM questionou o 99Pop sobre quantas reclamações formais chegaram até a empresa e se algum motorista já havia sido desligado devido à fraude. A companhia se limitou a responder que “identificou ocorrências de cobrança irregular por parte de alguns motoristas”. “Solicitamos aos passageiros que tenham identificado qualquer suspeita desse tipo de incidente que encaminhem as informações para www.99app.com/contato. As denúncias serão apuradas e, em caso de confirmação, a 99 vai ressarcir o passageiro prejudicado em até quatro dias úteis. Os motoristas que tiverem um comportamento inadequado serão prontamente bloqueados do aplicativo”.
Motoristas e empresa devem assumir fraudes em App de transportes
OUTROS RELATOS
“Minha mãe pediu um carro em 5 de dezembro, às 11h44. Origem na Rua Rio Grande do Norte e destino Rua João Arantes. Uma corrida de sete quilômetros, que, geralmente, custa R$ 18. O motorista aceitou a corrida e a iniciou antes de chegar ao local onde estava minha mãe. Ele não chegou e seguiu seu caminho. (…) Foram percorridos 154 quilômetros pelo motorista, até que ele ‘terminasse’ a corrida. (…) Nos cobraram R$ 224,47.”
Ana Clara Araújo Gouveia, de 23 anos
Estudante
“Em 3 de dezembro, eu estava na Savassi, na Rua Alagoas. O motorista se aproximou e iniciou a corrida, mas parou de vir na minha direção. (…) Mandamos mensagem e ele nos ignorou. Ficamos desesperadas, porque nunca tínhamos visto aquilo. (…) Ligamos para a 99, com muito custo, porque demoraram a atender e a ligação é cobrada e acabaram nossos créditos. A empresa não conseguia finalizar a corrida nem tomar qualquer atitude além de esperar o motorista finalizar a corrida e nos estornar futuramente o valor. Ameaçamos o sujeito dizendo que o estávamos localizando, e ele debochou. A corrida ficou em R$ 225,93.”
L.D, de 29 anos
Professora de natação
“Em 4 de dezembro, solicitei um carro pela 99Pop para a Estação José Cândido da Silveira. O motorista aceitou a corrida e a iniciou como se eu estivesse no veículo. Mandei mensagem para ele, mas não obtive resposta. Tentei contato com o número que estava disponível no app, e ouvi que não aceitava ligações. Comecei a desconfiar que poderia ser um golpe. Ele ficou rodando com meu cartão... Foi para Contagem, chegou próximo a Ibirité, veio para a Pampulha e finalizou às 10h22. A corrida finalizou no total de R$ 236. Liguei para a 99Pop antes de a corrida ser finalizada e eles me garantiram que resolveriam. Sorte minha é que o valor não foi debitado no cartão.”
Guilherme Cosme, de 23 anos
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