A sociedade e as forças de segurança do estado enfrentam uma nova ameaça: em ofensiva que teria sido ordenada de dentro de uma unidade prisional da Região Metropolitana de Belo Horizonte, seis ônibus foram incendiados na Grande BH entre a madrugada de quarta-feira e a tarde de quinta-feira. Sem prisões, as únicas pistas para tentar esclarecer os crimes vêm de bilhetes deixados em duas das ocorrências. Neles, criminosos fazem reivindicações para favorecer detentos da Penitenciária Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, ameaçando promover mais atentados caso não sejam atendidos. São forte os indícios, segundo policiais militares, de que líderes de facções estejam comandando a investida de dentro da cadeia.
A ofensiva de criminosos mobiliza policiais e já provocou uma crítica da Polícia Militar, cujo porta-voz afirmou que a maior parte dos criminosos envolvidos em incêndios a ônibus e já presos na Grande BH desde janeiro estão novamente soltos. Sobre os ataques de ontem, a Secretaria de Estado de Administração Prisional informou não ser possível estabelecer relação entre as ocorrências e o complexo carcerário do estado, até que a Polícia Civil conclua as investigações. “Todas as denúncias formalizadas são devidamente apuradas e, consequentemente, tomadas as providências necessárias, observando normas e preceitos legais pertinentes, a exemplo do amplo direito de defesa e do contraditório”, destacou nota da pasta, ao responder sobre denúncias de agressões a internos na Dutra Ladeira.
O último dos ataques a ônibus aconteceu ontem, por volta de 13h30, no km 526 da BR-040, sentido Brasília, próximo à Ceasa, no Bairro Monte Verde, em Contagem. Na cidade da Grande BH, o coletivo placa HEK 4270, da linha 2480 (Bairro São José/Cidade Industrial), operada pela Viação Torres, dirigido por Adeilson Alves, de 34 anos, foi atacado por três homens. Eles atearam fogo ao veículo depois de mandarem passageiros e o condutor descerem.
“Eu vinha pela marginal da BR quando um homem fez sinal. Parei para que ele entrasse. Vestia calça jeans e camiseta de malha escura. Era louro e tinha os olhos claros. Logo que parei, um Palio preto fechou a frente do ônibus e dele desceram dois homens com galões de gasolina. Os três gritavam para que os passageiros descessem. Um deles me disse que não queriam dinheiro, tanto que não deixaram nem que eu pegasse o movimento do dia, que fica numa bolsinha debaixo do banco. Depois, jogaram gasolina em tudo e atearem fogo. Em seguida, entraram no carro e fugiram”, disse Adeilson, que antes da fuga recebeu de um dos criminosos o bilhete ameaçador.
REINCIDÊNCIA A primeira ocorrência registrada pela PM aconteceu no Bairro Santa Cruz, Região Nordeste de BH, ainda no início da madrugada de quarta-feira, quando três homens chegaram a atear fogo a um coletivo. Porém, nesse caso o motorista e o trocador conseguiram deter as chamas. Mesmo assim, parte dos bancos foi queimada.
O segundo ataque foi registrado na tarde de quarta-feira, por volta de 16h30, contra um ônibus da linha 7100, na Avenida Olinto Meireles, altura do número 990, no Bairro Santa Helena, Região do Barreiro. O veículo trafegava no sentido Bairro Novo Riacho, quando o motorista parou para que um passageiro descesse. Dois homens que estavam no ponto, um deles armado, subiram com galões de gasolina. A dupla mandou que os passageiros desembarcassem e, quando o coletivo estava vazio, jogou o combustível e ateou fogo.
Um terceiro homem dava cobertura e ajudou na fuga dos criminosos em um Fiat Palio branco de placa PWW 0912, que segundo a Polícia Militar é clonada. Policiais reivindicaram imagens da câmera de segurança de um posto de gasolina das proximidades em busca de pistas.
Também na quarta-feira, às 22h44, o alvo foi um ônibus da linha 5503, da Viação Torres, incendiado no Bairro Goiânia B, na região Nordeste de BH. Nessa ocorrência eram cinco homens envolvidos, mas a forma de agir foi semelhante. Uma moto fechou o coletivo, forçando o motorista a parar. Dos dois criminosos que estavam dentro do ônibus, um apontou uma arma para o condutor, enquanto o outro mandou que todos descessem. Outros dois chegaram e incendiaram o veículo.
Nesse caso, foi deixado um bilhete semelhante ao entregue ao motorista do veículo atacado perto da Ceasa, em que foi citada a situação na Penitenciária Dutra Ladeira. O nome do diretor da unidade, Rodrigo Machado, foi mencionado na mensagem, cujo conteúdo cobrava mudança no tratamento dado aos presos, sob ameaça de retaliação.
Quase no mesmo horário, outro ataque era registrado no Bairro Jardim Riacho das Pedras, em Contagem. Três homens embarcaram em um veículo da linha 810 (Bandeirantes/Maracanã via metrô). Um entrou pela porta da frente com uma arma de fogo, ameaçou o motorista e o mandou desembarcar. Um dos comparsas entrou pela porta do meio e o terceiro, pela porta traseira. Eles jogaram um líquido inflamável pelo veículo e atearam fogo. As chamas foram contidas com uso de extintor. Mesmo assim, danificaram a caixa de ar na parte traseira, parte do teto e bancos. Os criminosos fugiram em um carro branco e não foram encontrados.
A sequência de atentados prosseguiu à 0h12 de ontem. Nesse horário, outro coletivo foi incendiado. Nesse caso, o alvo foi um carro da linha 3050, atacado no km 540 do Anel Rodoviário, nas proximidades do Bairro Betânia, Oeste de BH. O motorista Osnério Neres contou que recebeu sinal. Ao parar, o condutor disse ter visto outras duas pessoas correndo com galões cheios de gasolina. Os criminosos também mandaram que todos descessem, antes de atear fogo ao veículo.
PREJUÍZOS Neste ano, já chega a 21 o número de coletivos queimados em BH, de acordo com o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH). O número é quase três vezes maior do que o de 2016, quando oito casos de vandalismo foram registrados. Segundo o Setra, um veículo queimado pode afetar a vida de 500 usuários a cada dia útil e causar um prejuízo de R$ 400 mil – considerando as tecnologias existentes em cada ônibus, uma vez que o veículo deverá ser substituído.
Ontem, o major Flávio Santiago, chefe da Sala de Imprensa da Polícia Militar, garantiu que o policiamento está sendo reforçado para garantir a segurança dos usuários do serviço de transporte de ônibus na capital e região metropolitana. O oficial acrescentou que a maioria dos adultos presos e menores apreendidos por incendiar coletivos no primeiro semestre deste ano já estão em liberdade, numa alusão à impunidade dos envolvidos nessa modalidade criminosa.
No rastro do fogo
Confira sucessão de ataques a coletivos na Grande BH entre a madrugada de quarta-feira e a tarde de ontem
Quarta-feira
0h55 – Ônibus parcialmente incendiado no Bairro Santa Cruz (Nordeste de BH)
16h30 – Ônibus incendiado no Bairro Santa Helena (Barreiro, em BH)
22h44 – Ônibus incendiado no Bairro Goiânia B (Norte de BH)
22h55 – Ônibus incendiado no Jardim Riacho das Pedras (Contagem)
Ontem
0h12 – Ônibus incendiado nas imediações do Bairro Betânia (Oeste de BH)
13h30 – Ônibus incendiado no Bairro Monte Verde (Contagem)
Fonte: Polícia Militar