Em época de festas de fim de ano, em que muita gente ainda insiste em desrespeitar a lei e combinar bebida e direção, uma mensagem sobre o endurecimento nas punições a motoristas flagrados alcoolizados viralizou nos smartphones via aplicativo WhatsApp. Segundo o “informe” que preocupou muitos infratores, mudança na legislação teria tornado o fato de dirigir sob efeito de álcool “crime sem direito a fiança”, com pena mínima de cinco anos. Diante da disseminação do “alerta”, o Estado de Minas ouviu especialistas, que esclarecem o real alcance da alteração, representada pela Lei 13.546, sancionada pelo presidente Michel Temer no último dia 19. Na verdade, a nova legislação, que começa a produzir efeitos em 19 de abril do ano que vem, estabelece pena mais rígida para casos de homicídios e lesões corporais causados por condutores sob efeito de álcool ou de outras substâncias que alterem a capacidade de conduzir.
O Código de Trânsito Brasileiro ainda prevê como punição para motorista alcoolizado que pratique homicídio pena de detenção de dois a quatro anos, modalidade que não admite prisão em regime inicialmente fechado. Uma das mudanças promovidas pela nova lei, que passa a vigorar ano que vem, ocorreu no artigo 302, que trata de casos de homicídio culposo. O novo texto prevê aumento de penas a quem matar no trânsito “sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.” A pena passa a ser “reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”, modalidade em que o regime fechado pode ser adotado inicialmente.
O delegado Cláudio Utsch, coordenador de Operações Policiais do Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran/MG), considera positiva a mudança. O policial defende penas com maior restrição de liberdade, para que as pessoas criem o hábito de evitar a mistura entre bebida e direção. “O que surte efeito é a restrição da liberdade. Agravando a pena, a tendência é de que muita gente comece a ficar de fato presa”, afirma o delegado.
Utsch ainda acredita que a medida teria um efeito mais expressivo se fosse prevista pena ainda mais rígida, como a variação entre 10 e 15 anos de reclusão. Dessa forma, o policial acredita que seria possível que mesmo em caso de condenação mínima, o responsável pelo crime já iniciasse o cumprimento em regime fechado. Além disso, o delegado defende que a punição estipule a cassação imediata da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de quem bebe, dirige e mata no trânsito, seguida de proibição definitiva de nova obtenção do documento. O policial destaca que acidentes provocados por motoristas sob efeito de substâncias que alterem suas condições psicomotoras têm grande potencial para causar mortes, por isso são necessárias penas mais rígidas.
O CTB já chegou a trazer, na esteira do artigo 302, que trata do homicídio culposo na direção de veículo, punição mais rígida atrelada ao fato de o motorista estar alcoolizado. Isso ocorreu em 2014, mas dois anos depois o artigo que previa reclusão de dois a quatro anos para esse cenário foi retirada da legislação. Agora, além de alterar o mesmo artigo 302 do CTB, a Lei 13.546 muda o artigo 303, que trata da lesão corporal praticada na condução de veículo. Na mesma linha, a nova norma estipula pena de reclusão de dois a cinco anos para casos de acidentes com vítimas graves ou gravíssimas em que o condutor for flagrado alcoolizado ou com suas capacidades alteradas pelo uso de entorpecentes.
O presidente da Comissão de Acidentes de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Miguel da Silva Marques, explica a mudança: “Agora, a lei distingui entre lesão corporal grave e gravíssima, tipificadas no artigo 129, paragrafo 1º do Código Penal. Com a nova redação, a punição passa a ser de reclusão de dois a cinco anos, o que também torna inafiançável esse tipo de crime praticado por motorista alcoolizado. Na redação anterior, o crime era caracterizado como de menor potencial ofensivo (pena de 6 meses a 2 anos)”. O advogado aprova a alteração, lembrando que muitas vezes vítimas de acidentes de trânsito sofrem sequelas e perdem total ou parcialmente a qualidade de vida.
BLITZ da LEI SECA As mudanças mais recentes no Código de Trânsito não alteram a situação de motoristas flagrados sob efeito de álcool em blitzes. Beber e dirigir continua sendo infração gravíssima, com perda de sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Condutores flagrados nessa condição têm a habilitação recolhida e pagam multa de R$ 2.934,70. Os que apresentarem no teste do bafômetro índices superiores a 0,33 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos pulmões estão sujeitos a prisão em flagrante e ainda têm de responder a processo administrativo, mas têm direito a fiança arbitrada pela autoridade policial (veja quadro).
Este ano, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública, 105.694 veículos foram abordados em blitzes da Lei Seca em Belo Horizonte de janeiro a novembro . Desse total, 299 condutores foram autuados por infração de trânsito por uso de álcool e 67 por crimes de trânsito pela mesma razão. No ano passado, no mesmo período foram 71 mil abordagens, com 280 infrações e 92 crimes. As ações da campanha “Sou pela Vida. Dirijo sem Bebida” ocorrem diariamente na capital. “As ações das autoridades e as mudanças são positivas. Porém, não temos que esperar uma lei melhor, mas sim conscientização. As pessoas precisam entender que, ao beber e dirigir, assumem uma responsabilidade”, completa o advogado Miguel da Silva Marques.
O QUE MUDA
» Em caso de acidente de trânsito que resulte em morte
A Lei 13.546 alterou o artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor). A mudança consistiu na inclusão de parágrafo segundo o qual se o motorista mata ao conduzir veículo sob influência de álcool ou outra substância psicoativa está sujeito a reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de obter permissão ou habilitação. Com isso, o infrator não tem direito a liberdade sob fiança arbitrada por autoridade policial e o regime fechado de prisão pode ser adotado inicialmente.
» Em caso de acidente que resulte em lesão grave ou gravíssima
A Lei 13.546 alterou também o artigo 303 do CTB (praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor). Na mesma linha, a nova norma estipula pena de reclusão de dois a cinco anos para casos em que o condutor for flagrado alcoolizado ou com capacidades alteradas pelo uso de entorpecentes. Agora, a lei distingue lesão corporal grave e gravíssima, tipificadas no artigo 129 do Código Penal. Com a nova redação, o crime também se tornou inafiançável. Na versão anterior, o crime era caracterizado como de menor potencial ofensivo (pena de 6 meses a 2 anos).
O que não muda
» Dirigir alcoolizado
Pode representar infração ou crime de trânsito (detalhados principalmente nos artigos 165 e 306 do Código de Trânsito Brasileiro). Nenhum dos dois aspectos foi afetado pela nova lei. Confira o que prevê cada caso:
Infração de trânsito - É cometida por condutores flagrados dirigindo com teor alcoólico entre 0,2 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos pulmões (mg/l) e 0,33mg/l. Nesse caso, a infração é gravíssima, com perda de sete pontos no prontuário do motorista, recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação, suspensão do direito de dirigir e aplicação de multa de R$ 2.934,70. O mesmo vale para quem se recusa a passar pelo teste do bafômetro. Não há previsão de prisão.
Crime de trânsito - É praticado por motoristas flagrados no teste do bafômetro com índices superiores a 0,33mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões. Nesse caso, o condutor está sujeito a todas as punições anteriores (multa, perda de pontos, recolhimento da habilitação e suspensão do direito de dirigir) e ainda tem de responder a processo administrativo. Está sujeito a prisão em flagrante, mas pode ter fiança arbitrada pela autoridade policial.
Fontes: CTB e Miguel da Silva Marques, presidente da Comissão de Acidentes de Trânsito da OAB