Uma rede formada por quatro grupos de WhatsApp – cada um com cerca de 160 pessoas – em que não circulam mensagens de “bom dia”, piadas, memes ou tretas. Como se não bastasse, as conversas entre os participantes são 100% objetivas, focadas no tema da comunidade virtual. Esse cenário soa factível? A reportagem do Estado de Minas também duvidou que ele existisse. Mas, depois de passar alguns dias inserida na rede de vizinhos do Bairro Padre Eustáquio, Região Noroeste em Belo Horizonte, pode atestar: ele é real. Segurança é o motivo que mobiliza os usuários desse canal, e de pelo menos 1.100 outras organizadas em todo o estado. O levantamento é da Polícia Militar de Minas Gerais.
Criada em 2015, a rede do Padre Eustáquio surgiu a partir de uma reunião realizada na Rua Tuiuti com alguns moradores amedrontados, após uma onda de arrombamentos de casas e veículos que ocorreu nas redondezas. O whatsApp funciona como um meio de disparar alertas sobre crimes, atitudes suspeitas, entre outros eventos que possam ameaçar aqueles que vivem na mesma localidade. Os participantes também se orientam sobre a ação da PM, além das circunstâncias em que se deve acioná-la.
“Isso gera nas pessoas uma atenção preventiva, um senso de autoproteção. A troca de informações evita muitas situações de perigo para todos. Outro dia, por exemplo, identificamos um homem batendo de casa em casa, insistindo muito para que o deixassem entrar. Dizia ser vendedor e ficava nervoso quando recebia uma negativa. Alguém deu o alerta em um dos grupos da rede, descrevendo, inclusive, as características do suspeito. E eu logo repassei a informação para os outros três grupos. Pronto. Com essa atitude, evitamos que algum incauto abrisse suas portas e, de repente, colocasse sua vida ou integridade física em risco”, conta a arquiteta Vanessa Freitas, integrante da iniciativa desde o início.
RIGOR Vanessa é também a responsável por administrar a rede, atividade que conduz com notável organização e mãos de ferro. A admissão nos grupos só ocorre por indicação, e depois que ela confirma que o interessado mora mesmo no bairro. Com a entrada aprovada, o novo componente recebe as regras de participação. É proibido falar sobre qualquer outro assunto que não seja relacionado à segurança local, fazer propagandas, bater papo ou reclamar. Por questões éticas, postar imagens de criminosos ou suspeitos também é vetado. A boataria é outra prática combatida. Quem descumpre o regulamento é excluído sumariamente, sem aviso prévio.
“Esse rigor é muito necessário para a efetividade da rede. Graças à seriedade com que a tocamos, sabemos que se ela emite uma notificação no smartphone é porque o assunto é importante. Não faz sentido manter um grupo de whatsApp sobre segurança que as pessoas vão acabar silenciando porque está cheio de ‘bom dia’, ‘boa tarde’, ‘boa noite e outras amenidades’”, reflete Hamilton Xavier, de 60 anos, que participa do grupo. O bancário mantém ainda outro canal, específico para os moradores da rua dele no Padre Eustáquio, que gerencia com a mesma rigidez.
Vanessa Freitas integra ainda um grupo de líderes de pelo menos 65 redes como a que ela administra. “Algumas iniciativas partiram de associações de bairro. Outras são independentes, caso da minha. Há vizinhos organizados no Bairro Mangabeiras (na Região Centro-Sul), no São Luiz (na Pampulha), e por aí”, explica a arquiteta, que atualmente está na Espanha, concluindo atividades de seu doutorado. Mesmo a distância, ela segue cuidando do espaço virtual, onde inclusive divulga informações marcadas por tags. #Aconteceu indica a ocorrência de crimes. #Alerta, fatos a que as pessoas devem ficar atentas. #Informação, dados importantes, como telefones úteis, Já #Dica, acompanha recomendações, como registro de boletins de ocorrência.
COLETIVIDADE O aplicativo de mensagens mais popular do mundo – atualmente com um bilhão de usuários ativos por dia – também tem funcionado como ferramenta de promoção de segurança dentro de condomínios. No Residencial Assunção Life, no Bairro Camargos, Região Oeste da capital, por exemplo, a organização dos moradores no whatsApp evitou que a queda de um muro fizesse vítimas no início de dezembro.
Em 4 de dezembro, um deslizamento de terra destruiu um muro próximo a três prédios do conjunto – composto de 34 blocos e 680 apartamentos. Por causa do deslize, 62 famílias tiveram que deixar seus apartamentos. A rápida circulação de mensagens através do whatsApp facilitou a evacuação do condomínio. “Foi uma noite terrível. Mas assim que os primeiros estrondos foram ouvidos, as pessoas começaram a avisar do desabamento do muro com mensagens. Graças a isso, deu tempo de os moradores dos imóveis afetados saírem com vida e sem se machucar”, relembra Nilma Helena, subsíndica de um dos prédios.
A aposentada ressalta ainda como a rede reforça o senso de coletividade entre seus vizinhos em situações diversas. “Somos muitos moradores. O conjunto é uma minicidade. Então, ficamos de olho nas pessoas que circulam por aqui e nos alertamos sobre fatos estranhos por meio do grupo”, relata.
Residente do Bairro Sagrada Família, na Região Leste de BH, Pedro Cunha participa de uma comunidade virtual bem menor. Criado em 2015, tornou-se mais ativo desde que uma ex-moradora sofreu um assalto à mão armada na porta de seu edifício. “Desde então, tomamos o cuidado de sempre avisar, pelo grupo, quando alguém deixa o portão aberto, por exemplo. Não fosse o grupo de whatsApp, demoraríamos muito mais tempo para descobrir deslizes como esse, que nos deixam tão expostos. Essa proteção mútua é importante por aqui, inclusive porque sabemos que o contingente de policiais que tomam conta do Sagrada Família é pequeno. A unidade responsável pela nossa região toma conta de mais dois bairros. Logo, estamos bem vulneráveis”, diz o servidor público.
APROXIMAÇÃO Especialista em Segurança Pública, o capitão da PMMG Romie Lopes Pereira afirma que a corporação vê com bons olhos os grupos virtuais organizados pela sociedade civil para a promoção da segurança. Em muitos deles há, inclusive, policiais inseridos, caso da rede do Padre Eustáquio.
Autor de um estudo envolvendo 65 líderes de rede de vizinhos que usam o whatsApp como ferramenta de comunicação, o policial identifica alguns benefícios dessa prática. “O foco da minha pesquisa, realizada em outubro de 2017, foram as redes cobertas pelo 34º batalhão, na Região da Pampulha. Por lá, são aproximadamente 65, com cerca de 4 mil participantes, entre policiais, comerciantes e moradores. O que eu pude identificar é que, através desse espaço, o cidadão se aproxima dos policiais que atuam nas proximidades de sua residência. Exercita o hábito de nos fornecer informações amadurecidas, como placas de carro, descrições precisas de pessoas e contextos. Isso facilita o nosso trabalho, prevenindo crimes e, muitas vezes, possibilitando a identificação mais rápida de infratores”, explica.
O capitão frisa, contudo, que participar desses coletivos não substitui discar 190 sempre que necessário. “O grupo de whatsApp não serve para chamar a polícia. Mas, dentro das redes de segurança, muita gente aprende, inclusive, o papel de cada órgão diante de circunstâncias de motivam crime, medo e desordem”, alerta.
Criada em 2015, a rede do Padre Eustáquio surgiu a partir de uma reunião realizada na Rua Tuiuti com alguns moradores amedrontados, após uma onda de arrombamentos de casas e veículos que ocorreu nas redondezas. O whatsApp funciona como um meio de disparar alertas sobre crimes, atitudes suspeitas, entre outros eventos que possam ameaçar aqueles que vivem na mesma localidade. Os participantes também se orientam sobre a ação da PM, além das circunstâncias em que se deve acioná-la.
"Graças à seriedade com que a tocamos, sabemos que se ele emite uma notificação no smartphone é porque o assunto é importante. Não faz sentido manter um grupo de WhatsApp sobre segurança que as pessoas vão acabar silenciando porque está cheio de 'bom dia', 'boa tarde, 'boa noite e outras amenidades"
Hamilton Xavier, de 60 anos, que participa de um Grupo Bairro Padre Eustáquio
“Isso gera nas pessoas uma atenção preventiva, um senso de autoproteção. A troca de informações evita muitas situações de perigo para todos. Outro dia, por exemplo, identificamos um homem batendo de casa em casa, insistindo muito para que o deixassem entrar. Dizia ser vendedor e ficava nervoso quando recebia uma negativa. Alguém deu o alerta em um dos grupos da rede, descrevendo, inclusive, as características do suspeito. E eu logo repassei a informação para os outros três grupos. Pronto. Com essa atitude, evitamos que algum incauto abrisse suas portas e, de repente, colocasse sua vida ou integridade física em risco”, conta a arquiteta Vanessa Freitas, integrante da iniciativa desde o início.
RIGOR Vanessa é também a responsável por administrar a rede, atividade que conduz com notável organização e mãos de ferro. A admissão nos grupos só ocorre por indicação, e depois que ela confirma que o interessado mora mesmo no bairro. Com a entrada aprovada, o novo componente recebe as regras de participação. É proibido falar sobre qualquer outro assunto que não seja relacionado à segurança local, fazer propagandas, bater papo ou reclamar. Por questões éticas, postar imagens de criminosos ou suspeitos também é vetado. A boataria é outra prática combatida. Quem descumpre o regulamento é excluído sumariamente, sem aviso prévio.
“Esse rigor é muito necessário para a efetividade da rede. Graças à seriedade com que a tocamos, sabemos que se ela emite uma notificação no smartphone é porque o assunto é importante. Não faz sentido manter um grupo de whatsApp sobre segurança que as pessoas vão acabar silenciando porque está cheio de ‘bom dia’, ‘boa tarde’, ‘boa noite e outras amenidades’”, reflete Hamilton Xavier, de 60 anos, que participa do grupo. O bancário mantém ainda outro canal, específico para os moradores da rua dele no Padre Eustáquio, que gerencia com a mesma rigidez.
Vanessa Freitas integra ainda um grupo de líderes de pelo menos 65 redes como a que ela administra. “Algumas iniciativas partiram de associações de bairro. Outras são independentes, caso da minha. Há vizinhos organizados no Bairro Mangabeiras (na Região Centro-Sul), no São Luiz (na Pampulha), e por aí”, explica a arquiteta, que atualmente está na Espanha, concluindo atividades de seu doutorado. Mesmo a distância, ela segue cuidando do espaço virtual, onde inclusive divulga informações marcadas por tags. #Aconteceu indica a ocorrência de crimes. #Alerta, fatos a que as pessoas devem ficar atentas. #Informação, dados importantes, como telefones úteis, Já #Dica, acompanha recomendações, como registro de boletins de ocorrência.
COLETIVIDADE O aplicativo de mensagens mais popular do mundo – atualmente com um bilhão de usuários ativos por dia – também tem funcionado como ferramenta de promoção de segurança dentro de condomínios. No Residencial Assunção Life, no Bairro Camargos, Região Oeste da capital, por exemplo, a organização dos moradores no whatsApp evitou que a queda de um muro fizesse vítimas no início de dezembro.
Em 4 de dezembro, um deslizamento de terra destruiu um muro próximo a três prédios do conjunto – composto de 34 blocos e 680 apartamentos. Por causa do deslize, 62 famílias tiveram que deixar seus apartamentos. A rápida circulação de mensagens através do whatsApp facilitou a evacuação do condomínio. “Foi uma noite terrível. Mas assim que os primeiros estrondos foram ouvidos, as pessoas começaram a avisar do desabamento do muro com mensagens. Graças a isso, deu tempo de os moradores dos imóveis afetados saírem com vida e sem se machucar”, relembra Nilma Helena, subsíndica de um dos prédios.
A aposentada ressalta ainda como a rede reforça o senso de coletividade entre seus vizinhos em situações diversas. “Somos muitos moradores. O conjunto é uma minicidade. Então, ficamos de olho nas pessoas que circulam por aqui e nos alertamos sobre fatos estranhos por meio do grupo”, relata.
Residente do Bairro Sagrada Família, na Região Leste de BH, Pedro Cunha participa de uma comunidade virtual bem menor. Criado em 2015, tornou-se mais ativo desde que uma ex-moradora sofreu um assalto à mão armada na porta de seu edifício. “Desde então, tomamos o cuidado de sempre avisar, pelo grupo, quando alguém deixa o portão aberto, por exemplo. Não fosse o grupo de whatsApp, demoraríamos muito mais tempo para descobrir deslizes como esse, que nos deixam tão expostos. Essa proteção mútua é importante por aqui, inclusive porque sabemos que o contingente de policiais que tomam conta do Sagrada Família é pequeno. A unidade responsável pela nossa região toma conta de mais dois bairros. Logo, estamos bem vulneráveis”, diz o servidor público.
APROXIMAÇÃO Especialista em Segurança Pública, o capitão da PMMG Romie Lopes Pereira afirma que a corporação vê com bons olhos os grupos virtuais organizados pela sociedade civil para a promoção da segurança. Em muitos deles há, inclusive, policiais inseridos, caso da rede do Padre Eustáquio.
Autor de um estudo envolvendo 65 líderes de rede de vizinhos que usam o whatsApp como ferramenta de comunicação, o policial identifica alguns benefícios dessa prática. “O foco da minha pesquisa, realizada em outubro de 2017, foram as redes cobertas pelo 34º batalhão, na Região da Pampulha. Por lá, são aproximadamente 65, com cerca de 4 mil participantes, entre policiais, comerciantes e moradores. O que eu pude identificar é que, através desse espaço, o cidadão se aproxima dos policiais que atuam nas proximidades de sua residência. Exercita o hábito de nos fornecer informações amadurecidas, como placas de carro, descrições precisas de pessoas e contextos. Isso facilita o nosso trabalho, prevenindo crimes e, muitas vezes, possibilitando a identificação mais rápida de infratores”, explica.
O capitão frisa, contudo, que participar desses coletivos não substitui discar 190 sempre que necessário. “O grupo de whatsApp não serve para chamar a polícia. Mas, dentro das redes de segurança, muita gente aprende, inclusive, o papel de cada órgão diante de circunstâncias de motivam crime, medo e desordem”, alerta.